Igreja Nossa Senhora de Guadalupe.
Sacristia.
Padre Manoel estava contando a Maria o que acontecera com sua irmã.
— E, aparentemente, foi isso que aconteceu, filha.
— Como assim, Padre? Aparentemente?
— Eu digo isso, Maria, porque Marcela sempre foi uma motorista muito responsável, e me surpreendeu muito ela ter se envolvido num acidente.... Mas também no estado emocional em que se encontrava, dá até pra entender.
— Não entendo, Padre. Como ela estava? — pergunta Maria.
— Ao que tudo indica, e ao que o próprio Estevão me contou depois, eles tiveram uma briga terrível. Ela saiu com o carro desnorteada e o acidente aconteceu.
— E esse Estevão? Quem é?
— É o marido de sua irmã. Melhor dizendo, era. - disse o Padre.
— E por que brigaram?
— Maria, sua irmã vivia atormentada por suspeitas de que Estevão lhe era infiel, mas tudo não passava de suspeitas.
— Mas parece que no dia do seu acidente as suspeitas se confirmaram, não foi? — deduziu Maria.
— Maria, Estevão amava Marcela demais. Eu não acredito que ele possa ter sido capaz de fazer uma coisa dessa. — disse o Padre.
— Me perdoe, Padre, mas um homem pra trair uma mulher não precisa de muita coisa, só de outra mulher. — disse Maria.
***
Empresas San Román
Henrique tentou disfarçar e sair dali, mas os dois já o tinham visto.
— Filho! — disse Estevão se levantando um pouco sem jeito.
— Desculpe, pai. Eu devia ter batido. É que pensei que o senhor estivesse sozinho. Como vai, Alice? — Henrique a cumprimenta.
— Muito bem, Henrique. — ela sorri.
— Que bom. Pai, eu trouxe aqueles contratos para o senhor revisar. Aqui estão. — disse Henrique colocando os papéis na mesa.
— Obrigado, filho. — disse Estevão.
— Se me dão licença... — disse Henrique saindo.
— Eu também já vou, meu amor. Te espero à noite. — disse ela lhe dando um selinho e também saindo.
— Está bem. Até mais.
Quando Alice estava indo em direção ao elevador, ela sente aquela mão a puxando com força. Era Henrique.
— Vem aqui!
— Ai! Tá machucando! — disse Alice.
Henrique a leva até uma das salas sem uso da empresa.
— Entra! — disse ele a empurrando.
— Puxa! Quanta agressividade! — disse Alice.
— Quero saber por quanto tempo você vai continuar com isso?! — disse ele.
— Isso o quê, Henrique? — ela se faz de desintendida.
— Por quanto tempo vai ficar enganando o meu pai desse jeito?!
— Mas eu não estou enganando o seu pai. Eu gosto dele!
— E nós dois?? Como fica??... Ou já esqueceu de tudo que já houve entre nós?! — perguntou Henrique.
— É claro que não. — ela se aproxima de Henrique e afaga seu rosto. — Como esquecer os melhores momentos da minha vida!
— Então por que faz isso?! - disse ele a agarrando pelos braços. — Por que não conta a verdade a ele?!
— Pelo mesmo motivo que você não conta!... Não quero magoar o Estevão, assim como você também não quer.
Ele fica de costas para ela.
— Você não tem ideia de como me dói essa situação! Eu sofro por enganar o meu pai, e sofro mais ainda em ver você com ele! — disse Henrique.
— Eu estou com ele, mas é em você que eu sempre penso, Henrique! — disse ela o abraçando por trás. — É você quem eu amo!
— Não! Isso não está certo! — ele se solta dela. — Você e eu... Nunca devia ter acontecido!
— Mas você quis, e eu também! — disse Alice. — E eu não me arrependo de nada!
— Pois eu sim! — disse Henrique.
— Será mesmo?
Alice vai se aproximando dele, acariciando seu rosto, seus lábios, beijando seu pescoço, o lóbulo de sua orelha. Henrique tenta resistir, mas seu desejo de homem fala mais alto e ele a agarra e a beija. A vontade dos dois era tão grande que ele a leva para o sofá e os dois transam ali mesmo.
***
De volta à sacristia da igreja.
Maria e o Padre Manoel ainda conversavam.
— E essa foi a minha vida dentro da prisão, Padre.
— Eu rezei muito por você, filha. Sei que a prisão não é um bom lugar pra se estar, principalmente por tantos anos, como você. E confesso que o meu maior medo era que ela te mudasse.
— E quem disse que não me mudou, Padre? — disse Maria com um tom amargurado na voz. — Eu tive que aprender a ser dura, e até insensível algumas vezes, ou as outras presas teriam feito picadinho de mim!
— Eu sinto muito, filha.
— Eu também, Padre.
— Você se arrepende do que fez? — pergunta o Padre Manoel.
— Padre, vou lhe ser sincera, eu lamento aquele homem ter morrido, eu não queria que acontecesse. Mas nunca vou me arrepender por ter salvo a vida da minha irmã. — disse Maria com firmeza.
— Eu compreendo. ... E aproveitando que está aqui, tenho algumas coisas pra lhe entregar.
— Coisas pra mim?... O que é?
— Sim. Essas chaves e um envelope. — disse o Padre lhe entregando ambos.
—Essas chaves são de onde? — pergunta Maria.
— São do seu apartamento. — responde o Padre.
Maria arregala os olhos.
— Um apartamento?!... Meu apartamento?!
— Sim, Maria. Sua irmã comprou pra você. Ela tinha certeza que você sairia livre um dia, e queria que você tivease o seu próprio cantinho.
— Nossa! Eu... Eu nem sei o que dizer...! — Maria ficou com os olhos marejados. — E esse envelope?
— Bom... Já isso, eu sugiro que depois você mesma o leia, filha. E saiba de uma coisa, sua irmã nunca deixou de pensar em você um dia que fosse.
***
De volta às Empresas San Roman.
Afonso entra na sala de Estevão.
— Com licença, Estevão.
— Entre Afonso. Como vai? — ele o cumprimenta.
— Com vergonha de você, Estevão! — diz ele falsamente. — Infelizmemte, eu não pude estar na cerimônia ontem. Tive que resolver assuntos urgentes fora da cidade. Mas era a minha obrigação vir aqui me desculpar com você.
— Não se preocupe, Afonso. Eu compreendo. — disse Estevão.
— Mas como foi?
— Difícil. Como em todos os anos. — suspira Estevão. — Pra completar, ainda tive uma briga terrível com Pedro depois! Aquele rapaz está um caso sério! Eu juro que não sei mais o que faço com ele!
— Calma, meu amigo. Isso é só uma fase.... Sabe, o que mais me espanta é que nenhum parente da Marcela compareceu ao velório no dia, ou o enterro, nem nas missas que você manda fazer todos os anos. Ela não tinha família?
— Só uma irmã. — disse Estevão.
— Irmã?
— Sim. Foi um pouco antes de nos casarmos. Ela me falou dessa irmã que morava fora do país. O nome dela parece que é... Maria! Isso, Maria.... Mas acho que as duas não se davam bem.
— Por que diz isso? — pergunta Afonso.
— Marcela evitava falar da irmã. Era doloroso pra ela, sabe.
— Entendo.
— Mas, mudando de assunto, preciso de um conselho.
— Claro, Estevão. Se eu puder te ajudar. — disse Afonso se mostrando falsamente prestativo.
— Estou pensando em me casar de novo. Com Alice. O que acha?
"Perfeito!" pensava Afonso com um leve sorriso.
***
Maria chega ao apartamento que sua irmã lhe dera. Cuidadosamente ela retira os lençóis dos móveis e começa a reparar em todo o lugar. Cada detalhe. Como se a própria Macela tivesse decorado especialmente para Maria, com tudo o que ela gosta. Maria via o toque atencioso da irmã em cada canto.
Ela chega até um dos quartos.
— Com certeza é maior e melhor do que as minhas últimas "acomodações"! — dizia se referindo a cela que foi seu lar nos últimos vinte anos. — Obrigada, irmãzinha!
Ela volta para a sala e se senta no sofá. Pega o envelope que sua irmã também lhe deixara.
Maria o abre delicadamente, e percebe que é uma carta de sua irmã.
"Querida Maria,
Essa carta é a primeira que lhe escrevo em cinco anos, desde que você foi presa. E espero que seja a última.
Mas eu preciso que você saiba os meus motivos. Por favor, minha irmã, não pense m*l de mim. O fato de nunca ter ido te visitar, não foi porque eu te esqueci, mas sim por culpa e vergonha. Eu me sinto muito culpada por tudo o que houve com você. E se parar pra se pensar, se eu não tivesse feito o que eu fiz naquela noite, você não teria precisado me ajudar pagando com a sua liberdade. Eu te tirei a chance de ter uma vida plena e feliz, e espero que um dia você possa me perdoar por isso, Maria.
Mas hoje, Eu tenho plena consciência de que tudo o que está acontecendo comigo, é só uma punição pelo que eu fiz a você.
Nós duas vivemos em uma prisão, Maria. A sua cela é feita de grades de ferro, e a minha é feita de mentiras e traições.
A minha vida, o meu casamento, que eu pensava ser sólido e feliz, eu descobri que é uma farsa. O homem para quem eu escolhi dar o meu coração, o meu amor, a quem eu dei lindos e amorosos filhos (que, um dia, eu espero que você os conheça!), esse homem que eu achava perfeito, me engana com outra. E o pior é que ninguém acredita em mim! Acham que é coisa da minha cabeça. Estão todos do lado do Estevão!
Me sinto tão sozinha, Maria! Queria que estivesse aqui. Sei que você ficaria do meu lado. Estevão me trai e eu não sei o por quê. Eu sempre o amei e ele a mim, mas não sei o que pode ter acontecido para que ele tenha deixado de me amar!
Mas o que importa agora é você. Tem coisas importantes que eu quero que saiba.
A primeira, é que eu te amo muito e sempre tive fé de que você sairia da cadeia, por isso comprei um apartamento para você. Quero que você tenha um cantinho só seu, sei o quanto você gosta de privacidade!
A segunda, vá ao banco e procure pelo gerente, ele está instruído por mim a te entregar um cartão, no qual você vai poder movimentar um dinheiro que andei depositando para você durante esse tempo. Ele vai servir para você recomeçar.
Minha irmã, sei que dinheiro não compra tudo. Mas preciso me redimir com você de alguma forma. Anseio o dia em que estaremos juntas de novo!
Te amo pra sempre.
Marcela."
Maria seca as lágrimas que caíram ao ler a carta da irmã.
— Ah, minha irmã! Eu é que te devo pedir perdão por ter pensado m*l de você por todos esses anos!... Você é a melhor irmã do mundo. E eu trocaria tudo isso, esse apartamento, esse dinheiro, só pra que estivéssemos juntas outra vez!... — de repente os olhos de Maria ganham um brilho diferente, um brilho de ódio e ressentimento. — Mas uma coisa eu lhe juro, minha irmã, Estevão San Roman vai pagar por todo o sofrimento que te causou! Eu mesma vou me encarregar disso! Ele não vai sair ileso! Não vai!
Maria acabara de tomar uma decisão que mudaria o rumo da sua vida de agora em diante.
Sua mente agora estava focada em três objetivos muito claros: saber mais sobre a morte da irmã, já que algo lhe dizia que havia alguma coisa m*l contada nessa história; conhecer e ter convívio com seus sobrinhos, que agora eram sua única família e tudo o que restara de sua irmã; e se vingar de Estevão San Roman, que apesar de não conhece-lo já lhe nutria ódio e ressentimento.
Esses eram seus objetivos e ela os alcançaria, um por um.