Capítulo 1: Aquela noite
Que idiotice.
Idiota.
Idiota.
E aqui estou eu mais uma vez, mas pela primeira vez, por um motivo totalmente (in)esperado. Quando falamos para alguém “eu te avisei” tem um gosto tão satisfatório, mas quando é você experimentando o seu próprio veneno, sabe que de bom, ele não tem nada.
Eu tenho uma fé muito grande em pressentimentos, desde que não sejam os meus, porque a coisa mais difícil do mundo, é eu me “levar a sério”. - mesmo que eu esteja enjoada de saber que nunca devo ignorar a minha própria intuição.
~
Pendendo dez andares do chão, minhas pernas balançam, inquietas, como se eu estivesse tão ansiosa para fazer algo, que meu corpo já não consegue se conter; eu ardo num sentimento avassalador de ódio e decepção, que nem o meu lugar favorito do mundo consegue me ajudar nesse momento – o parapeito de um prédio. Dizem que lugares favoritos são aonde vamos quando queremos ter paz ou quando todas as coisas estão ficando ruins – mas o que fazer quando esse lugar jamais te trará a mesma sensação, quando se descobre que a alguns metros abaixo do meu paraíso, flagrei o amor da minha vida com outra pessoa? Literalmente, quando estamos no céu, abaixo de nós está apenas o inferno. E o meu inferno arde com a luxúria despretensiosa de uma traição.
Sei que soa tudo bem clichê, mas não leve para o lado pessoal, nós todos somos. Uma hora ou outra, nem a própria vida escapa da mesmice. Uma história padrão baseada num horrível clichê – a traição.
***
Meu corpo se equilibra no muro grosso de concreto, enquanto continuo fitando minhas pernas ansiosas. O vento frio parece abraçar as minhas costas nuas. – Se você tiver a mente fértil, antes que possa cogitar, eu não estou pelada num parapeito, prestes a me jogar. Só estou tentando processar tudo o que vi e ouvi – dos gemidos até as mãos dele no corpo dela. – E o que mais me entristece e me choca é que o imprestável não se deu o trabalho nem de vir até mim, dizer pelo menos a frase clichê “não é o que você está pensando” – mesmo sendo exatamente o que estou pensando. Ou melhor, vendo. – Até um “Eu posso explicar tudo” – mesmo sabendo que não pode e não irei acreditar – seria uma boa tentativa. É assim que babacas se comportam, quando a máscara cai. E se eu não tivesse o flagrado, passaria sabe lá quanto tempo sendo traída, ou talvez, me casaria e continuaria sendo traída.
Eles nunca se arrependem até serem pegos. – Mas nem isso, Adam teve a capacidade.
*
Enquanto pensamentos reverberam em minha mente, ouço como ao fundo, a batida metálica da porta que dá acesso ao terraço, logo seguida de passos apressados – e nem me dou o trabalho de conferir. O que quer que seja ou quem seja, não dou a mínima desde que não invada meu espaço. E é bom não ser Adam agora, depois de tantos minutos, porque deus me perdoe, mas eu o atiraria desse terraço.
Humhum! – O som do pigarreio parece me pegar pelo braço e me arrancar dos meus pensamentos.
Em um misto de curiosidade e raiva, dou uma breve olhada de canto de olho – e acabo não tendo tanto tempo para descansar meu olhar naquele homem inconveniente, porque minha visão é momentaneamente impedida quando algumas mechas dos meus cabelos pairam em meu rosto, me fazendo tirá-los imediatamente. Após o campo de visão estar livre, nossos olhos definitivamente se fitam. – Não costumo disfarçar a minha cara quando não gosto de algo ou de alguma atitude, e com certeza esse é um dos momentos.
Lanço um olhar mortal para o rapaz, que tensiona o maxilar ao pressionar seus dentes um no outro. Após, a mandíbula dele se movimenta sutilmente, relaxando seus músculos. O olhar dele se manteve – curioso, mas irritado.
Ele jura que quer disputar irritação nesse momento?!
Posso ajudar? – Indago, olhando-o por cima do ombro, dessa vez.
O que está fazendo aí? – Indagou, mantendo em mim, seu olhar severo e fulminante.
O terraço é propriedade de quem mora aqui, se não sabe. Então, se torna público dos moradores. – Reviro os olhos.
Não isso. Me refiro a ser perigoso. – Ele suspira.
Você é sempre péssimo em demonstrar preocupação? – Rebato.
Você é muito m*l-educada. – Disse. Antes eu achava que ele estava irritado, mas agora eu tenho a certeza de que ele provavelmente só estava preocupado. De fato, ele se irritou nesse momento.
Não vou me jogar, se é o que está pensando. Se eu fosse escolher como morrer, com certeza seria dormindo, não me espalhando pela calçada alheia. – Me voltei para a frente e meu olhar deslizou pelas minhas pernas e após, pousou na calçada lá embaixo. O homem balbuciou alguma coisa, me fazendo encará-lo de novo. Ele arfa, fazendo por baixo da camiseta branca, seu tronco inflar e relaxar, num alívio. Ele era um rapaz bem forte, mas nada exagerado ou monstrengo. Nada nele era exagerado. Pelo contrário, ele era muito bonito e na medida certa, como se tivesse sido desenhado.
Bem, se importa se eu fumar um baseado? – Pergunta, tirando um enrolado pequeno de seda do bolso.
Dou de ombros, sinalizando que tanto faz.
Logo em seguida, ele leva a mão esquerda para trás de si, mexendo no bolso traseiro de seu jeans escuro. Em poucos segundos, puxou um isqueiro quadrado, de cor dourada que parecia cintilar com a luz da lua. Havia um desenho entalhado no delicado quadrado brilhante, mas não consegui distinguir o que era.
Uma fênix. – Respondeu, já com o baseado entre os lábios, enquanto o acende.
Como...? – Perguntei, desnorteada.
Você tem miopia para apertar os olhos assim, ou estava jogando charme. Acredito que seja a primeira opção. – Brincou, dando uma tragada longa. Depois soltou a fumaça, me olhando nos olhos. – Porque seria uma forma peculiar de paquera.
Bufei, numa risada desdenhosa.
Nem aqui, nem na china, eu daria em cima de você – Respondi, revirando os olhos.
Dessa vez, decidi observar o céu repleto de estrelas pequenininhas ao longe, brilhando numa luz pálida. No céu azul escuro não havia uma nuvem sequer – chegava a parecer que há poucas horas nem tinha caído uma chuva bem forte, o que deixou o clima com o ar gelado e com odor terroso.
Ficamos em silêncio, eu contemplando a noite e ele, aproveitando sua brisa. O cheiro de maconha agora roubava todo o ambiente. O silêncio então se tornou gritante. Ele estava tão quieto que me obriguei a procurar por ele. Ainda estava parado exatamente no mesmo lugar, com o olhar dirigido para o céu. Seus olhos eram verdes – que sob a luz do luar, quase se tornava um verde azulado. Suas pupilas estavam dilatadas o suficiente para se destacarem.
Ele puxou outro trago e tossiu, enquanto a fumaça escapava de sua boca. Seu olhar reflexivo redirecionou-se para mim novamente. Dessa vez, estava neutro. Nenhuma expressão, nenhuma linha no rosto indicando seus pensamentos ou sensações.
O que faz aqui? – Perguntou. Sua voz me deu um pequeno espasmo de susto, pois eu não esperava que ele fosse falar algo. Estava quieto demais. Lentamente ele caminhou até o parapeito, encarando o bloco alto que uso de apoio para subir e me sentar no muro denso e gelado. Ele apoiou os antebraços no concreto, inclinando-se para frente e fitando a calçada lá embaixo. A altura do muro chegava até a altura de sua cintura. Procurei pelo baseado que ele estava fumando, mas acho que deve ter soltado no chão, pois não o vi mais.
Egoísta. – Falei, provocando-o.
Ele me encara, ofendido – E eu gostei. Às vezes é bom quando uma pessoa não te conhece, porque ela não sabe distinguir quando você fala sério ou não.
Perdão. Não sabia que você... Na verdade nem imaginei. – Coçou a cabeça, fazendo uma pequena parte de seus cabelos negros ficarem desarrumadas. – Achei que fosse menor de idade. - Ele falou tão sério que achei que ia me dar um longo sermão.
Não fumo. – Respondi, mordendo a bochecha para conter um sorriso – Mas não faz m*l perguntar. – Evitei contato visual com ele.
Senti que ele ainda me olhava – queria poder ter a coragem de encará-lo de volta da mesma forma. Ele parecia estar me analisando meticulosamente.