Quando Giulia e Guillermo saíram, a porta da saleta privativa se fechou com um clique suave, deixando Vicenzo sozinho com Lidia, a mãe de Giulia. O silêncio que se seguiu era pesado, quase sufocante. Lidia não se moveu, apenas o encarou do outro lado da mesa, os olhos azuis fixos nos dele como se tentasse ler sua alma.
E o que incomodou Vicenzo, o homem que não se abalava com nada, foi que não havia ódio, nem julgamento, nem a fúria que ele esperava. Apenas um apelo mudo, uma vulnerabilidade que ele não sabia como combater. A expressão dela era de uma dor silenciosa, de uma mãe ferida.
Lidia quebrou o silêncio, a voz baixa, mas firme, sem um pingo da histeria que ele esperava.
"Sua mãe também não deve gostar da ideia de um casamento em uma capela temática."
A menção de sua mãe, vinda de uma estranha, atingiu Vicenzo como um choque elétrico. Uma raiva fria e instantânea acendeu em seus olhos. Ele a encarou, o maxilar travado.
"Meus pais estão mortos," ele disse, a voz cortante, um gume afiado.
Lidia piscou, e um rubor subiu por seu pescoço.
"Oh, meu Deus. Eu sinto muito, Vicenzo. Eu não fazia ideia." A desculpa dela era sincera, a dor em seus olhos genuína. Vicenzo percebeu. Ela não fazia ideia do tipo de homem que o sogro era, da guerra que se travava, da história por trás de cada movimento. Ela era apenas uma mãe, presa em um mundo que não compreendia.
Lidia inclinou-se ligeiramente sobre a mesa, as mãos unidas, um gesto de súplica.
"Por favor," ela disse, a voz embargada, os olhos fixos nos dele. "A faça feliz. Não me importa se ela casar na capela do Elvis ou em um salão de luxo, só quero que minha garotinha seja feliz." Uma lágrima solitária escorreu por sua bochecha, mas ela não a limpou. "Giulia pode parecer forte e corajosa, mas por dentro ela é frágil. A morte de Luca quase a matou." Lidia fez uma pausa, a voz falhando. "Por um momento eu pensei que ela…" Ela não terminou a frase, mas Vicenzo viu os olhos dela se encherem de água, o brilho de uma dor antiga e profunda.
Aquilo o incomodou. Profundamente. Ele saberia lidar se ela lhe apontasse uma arma, se gritasse com ele, ou o tratasse com desprezo. Mas ali estava uma mãe, suplicando pela filha, sem sequer saber que ele era o homem que queria matar sua filha lentamente e dolorosamente. A vulnerabilidade dela era uma arma que ele não sabia como desarmar. Era uma emoção que ele não conseguia manipular.
Lidia, então, forçou um sorriso, um raio de esperança em meio à tristeza.
"Sei que se ainda não a ama, vai amar. Giulia tem esse dom."
Vicenzo abriu a boca para responder, para proferir alguma crueldade, para quebrar aquela esperança ingênua. Mas, naquele exato momento, a porta da saleta se abriu novamente. Giulia e Guillermo retornaram, a tensão entre eles ainda palpável. Vicenzo não disse nada, a frase c***l morrendo em seus lábios.
Guillermo encarou a esposa, o rosto ainda marcado pela raiva.
"Vamos voltar para casa, Lidia. Ela já está decidida."
Lidia olhou para Vicenzo, depois para Giulia, uma pergunta silenciosa em seus olhos.
"Mas… e o casamento? Nós voltaremos para o casamento?"
Vicenzo sentiu um impulso. Um impulso que não estava em seus planos, que não fazia parte de sua estratégia de humilhação. Mas a imagem dos olhos marejados de Lidia, a súplica silenciosa, a forma como ela o desarmou com sua vulnerabilidade… Ele se surpreendeu ao ouvir sua própria voz, calma e controlada, mas com uma decisão inesperada.
"O casamento será sábado aqui no hotel."
Lidia o encarou, os olhos azuis arregalados de gratidão e surpresa. Um sorriso genuíno, o primeiro da noite, iluminou seu rosto. Guillermo, por sua vez, apertou os lábios, mas a surpresa em seu olhar era evidente. Ele sabia que Vicenzo não cedia.
"Nos veremos sábado," Guillermo disse, a voz ainda tensa, mas com um tom de aceitação relutante. Ele se virou para a esposa. Lidia abraçou Giulia com força, um abraço apertado e cheio de alívio, e depois, com um último olhar para Vicenzo, saiu da saleta, seguida por Guillermo.
Vicenzo ficou sozinho, o silêncio voltando a preencher o espaço. Ele olhou para Giulia, que o encarava com uma mistura de choque e confusão. O que ele tinha acabado de fazer? Por que ele havia cedido? A imagem dos olhos de Lidia piscava em sua mente. Aquela mulher era perigosa. Não por sua força, mas por sua fragilidade.
Vicenzo se levantou da mesa, a expressão fria e ilegível. Ele olhou para Giulia, que ainda estava de pé, a máscara de noiva apaixonada desfeita, substituída por uma confusão atordoada.
"Alguém vai te levar de volta," ele disse, a voz desprovida de qualquer emoção. "Espere aqui."
Giulia observou-o sair da saleta, a porta se fechando atrás dele com um clique final. A noite havia terminado de uma forma muito diferente do que ela pensou. Ela se sentou pesadamente na cadeira, mas m*l teve tempo para processar o jantar desastroso, a revelação do casamento e a fúria do pai.
A porta se abriu novamente, e Rafael entrou. Seus olhos, normalmente um poço de sarcasmo divertido, agora ardiam com um ódio puro e inegável. Ele não a cumprimentou. Não lhe deu o benefício da dúvida, como ele havia dado no passado, quando Luca os apresentou. Não havia a menor sombra de cortesia.
"Vamos," ele rosnou, a voz áspera, um fio de aço. "Vou te levar."
Giulia sentiu um arrepio percorrer sua espinha, mas o seguiu em silêncio. Ela podia ver que Rafael estava tenso, cada músculo de seu corpo rígido, como se estivesse se segurando para não explodir. Ele caminhou a passos largos pelo salão do cassino, ignorando os olhares curiosos, até um carro preto estacionado na entrada. Não se importou em abrir a porta para ela. Sentou-se no banco do motorista, o motor já ligado, o ronco baixo preenchendo o ar.
Giulia hesitou por um segundo, a porta do passageiro ainda fechada. Rafael socou o volante, um som seco e violento que a fez sobressaltar.
"Tente fugir que te atropelo," ele rosnou, a voz baixa e perigosa. "Entra logo, p***a! Não tenho a noite toda."
Giulia obedeceu, deslizando para o banco do passageiro. Rafael arrancou em alta velocidade, os pneus cantando no asfalto. O caminho até a fortaleza de Vicenzo foi feito em um silêncio carregado, o único som o rugido do motor e a respiração pesada de Rafael.
Ao chegarem na fortaleza, antes que Giulia pudesse sequer pensar em abrir a porta para sair, Rafael desligou o motor, e o silêncio que se seguiu foi ainda mais opressor. Ele se virou para ela, os olhos em chamas.
"Não vai rolar, ouviu bem?" ele disse, a voz baixa e ameaçadora. "Dessa vez você não vai matar um amigo meu."
Giulia o encarou. Podia ver no rosto dele que ele tinha certeza absoluta. Ele acreditava que ela tinha matado Luca. A acusação, fria e direta, a atingiu em cheio.
"E se não tiver sido eu?" ela murmurou, a voz quase inaudível.
Rafael riu. Um som amargo, cheio de desprezo.
"Eu vi as imagens, v***a. Só tinha vocês dois lá. A não ser que um fantasma estivesse lá com vocês, ou então um alpinista escalou até a cobertura de um prédio de 45 andares."
Giulia sentiu um nó na garganta.
"Mas tem a falha na câmera da entrada de serviço…"
Rafael socou o volante novamente, a força do golpe fazendo o carro tremer. Em sua mente, ele pensava: Sim, tinha a maldita falha na área de serviço, mas ele tinha as imagens do elevador, das escadas de serviço, e ninguém subiu até lá. Mesmo que a câmera de serviço estivesse desligada, para subir, a pessoa precisava usar ou as escadas ou o elevador. Tirando um garçom que tinha subido com um carrinho de serviço três horas antes, ninguém mais além de Giulia e Luca subiram até a cobertura. O garçom tinha sido torturado até o extremo e morreu jurando que só seguiu as instruções de Luca, deixando o jantar no aquecedor, a champanhe no gelo e saiu. A próxima imagem era de Luca e Giulia chegando, os dois discutiam – as câmeras não gravavam o som. E então, a última e derradeira imagem: Giulia deixando o apartamento ensanguentada e segurando a faca do crime. Ela olhava direto para as câmeras e caía desmaiada.
As investigações comprovaram que, pelos ângulos dos cortes, seria impossível que fossem feitos por Giulia, que era bem mais baixa que Luca. Ele também era muito mais forte que ela, então não havia como explicar o fato dela não ter nenhum machucado, ou seja, se ela fosse a assassina, Luca não teria sequer tentado se defender. As mãos dela não estavam cortadas, o que é normal quando alguém usa a faca em um ataque, pois o sangue deixa escorregadia e a pessoa acaba cortando a própria mão no ataque. E, por último, Giulia estava em choque, foi concluído que ela pegou a faca e saiu em choque sem ser realmente a culpada do crime.
Rafael socou o volante de novo, a raiva fervendo. "Você só não foi presa porque seu avô mexeu os pauzinhos, Giulia!"
"E a parte que eu mais gosto," Rafael continuou, a voz agora um sussurro mortal, "você alegou amnésia. Mas para mim, estava claro. Eu, no começo, também pensei ser outra pessoa e fui ver você no hospital. Você estava sentada na cama com um sorriso no rosto, assistindo TV. Sem lágrimas, sem tristeza. Apenas assistindo TV. Foi ali que eu soube. Você era a culpada.”
Giulia sentiu as palavras dele a perfurarem. A memória do hospital, a TV, o vazio…
"Eu realmente não lembro," ela disse, a voz embargada pela dor e pela confusão. "Mas eu amei Luca…"
Rafael explodiu.
"v***a dissimulada!" ele gritou, a voz ecoando no carro. "Tomara que Vicenzo te mate lentamente! Tomara que ele faça isso hoje! Mas se não fizer, saiba que estou de olho em você, e dessa vez te mato primeiro antes que faça m*l a Vicenzo!"
E então, sem mais uma palavra, ele abriu a porta do carro, saiu e arrancou com os pneus cantando, deixando Giulia sozinha na escuridão da fortaleza, as palavras dele ecoando em sua mente como uma sentença.
Nota da Autora:
Meus amores, que montanha-russa de emoções foi essa, hein?
Este capítulo foi intenso, eu sei! Aquele momento com a mãe da Giulia… confesso que até eu senti um aperto no coração. E o Rafael? Ufa! A tensão entre ele e a Giulia está de cortar o ar, e as revelações sobre o passado… Bom, agora vocês têm mais peças desse quebra-cabeça sombrio.
Eu quero muito saber o que vocês acharam! O que mais te chocou? Qual foi a sua reação a cada reviravolta? Deixem seus comentários aqui, vamos conversar sobre tudo!
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Com muito carinho e gratidão, Lêh Magalhães