O quarto principal ainda guardava o cheiro dele—uma mistura inebriante de sândalo e frieza. Lily parou na entrada, as rodas da mala travando no batente como um último ato de rebeldia.
Cinco anos.
Cinco anos de encontros fugazes nessa gaiola dourada. Transaram em toda superfície possível—na escrivaninha de mogno, no box de vidro, exatamente onde seus joelhos agora ameaçavam fraquejar. Mas nunca fizeram amor. Nunca.
As malas ficaram prontas em dez minutos escassos.
Era patético: um casamento se desfazia mais rápido do que o tempo que David levava para escolher uma gravata. A mala—comprada nova para a tal lua de mel, ainda com a poeira do desuso—abriu-se com um estalo seco.
Ela a preencheu apenas com suas próprias coisas: alguns livros, os brincos de pérola que eram herança da mãe, a camisola de seda que ele rasgou numa noite sem nem notar a cor.
O escritório cheirava a charutos cubanos e traição.
Ali, na gaveta de cima onde ele guardava os segredos e o uísque, estavam os papéis do divórcio. Preparados antes mesmo do sim. Um plano de contingência para a volta inevitável dela.
Lily assinou sem hesitar. A caneta deslizou suave como a lâmina que ele cravou em suas costelas por cinco anos.
Ela entrou na vida dele por vontade própria.
Saiu pela mesma porta com a dignidade que lhe restava.
Sem lágrimas. Sem dramas. Apenas o desfecho silencioso de um sonho que deveria ter morrido na primeira vez que ele gemeu outro nome em seu ouvido.
A porta da frente fechou-se com um clique final.
A chuva batia forte na calçada enquanto ela chamava um táxi. As gotas escorriam pelo vidro como as lágrimas que se recusava a soltar.
"Pra onde?" o motorista perguntou.
A pergunta a deixou paralisada.
Ir embora. Simplesmente desaparecer. Era seu único pensamento. Mas agora, encarando a realidade — ela não tinha um porto seguro.
Sem lar. Sem família.
Sua mãe morrera ao dá-la à luz. O novo casamento do pai trouxera uma madrasta cuja crueldade doía mais que qualquer desprezo. Sua infância fora um pesadelo solitário.
A única paz que conhecera foram aqueles anos efêmeros com David — anos que agora revelavam-se como outra forma de solidão.
Ela cortara os laços com a própria família por ele, temerosa de que a disfunção deles contaminasse o mundo perfeito dele.
E o que ganhou com isso?
Um divórcio assinado antes da aliança no dedo. Um marido que a usava como um brinquedo s****l descartável.
"Pra onde?" A voz do motorista ficou mais impaciente enquanto as buzinas soavam ao longe.
O pânico apertou sua garganta. Então, antes que pudesse pensar—
"No apartamento da Noa. Rua Willow, 27."
O nome escapou-lhe como um segredo guardado por muito tempo. Noa, sua melhor amiga desde os tempos de colégio. A mulher que agarrou seus ombros no dia em que ela assinou aquele contrato de casamento, os olhos cheios de lágrimas contidas: "Você vai se arrepender, Lily. Ele vai acabar com você."
E como uma tola, ela ignorou o aviso.
Agora, com os papéis de divórcio queimando em sua bolsa e o taxímetro marcando o fim de sua vida antiga, Lily finalmente acreditava.
O relógio marcava 00h17 quando Lily apareceu à porta de Noa. A água da chuva escorria de seus cabelos sobre o capacho de boas-vindas — aquele presente de mau gosto da Noa no último Natal: "Vá embora, a menos que traga vinho."
Ela hesitou, os nós dos dedos brancos de tanto apertar a alça da mala.
A porta abriu-se antes que ela tocasse.
Noa estava lá, de pijama amarrotado, suas tranças desmanchadas balançando enquanto acordava por completo.
"Meu Deus, Lily—" A voz dela sufocou-se ao ver a expressão devastada de Lily, o jeito como se agarrava à mala como se fosse a única tábua de salvação. "Parece que saiu de um filme de terror."
A tentativa de sorriso de Lily transformou-se num gemido abafado. "Eu não... tinha para onde ir..." As palavras desfizeram-se no ar.
Noa não fez perguntas. Apenas puxou-a para dentro, fechando a porta com um empurrão do pé descalço.
"Está gelada." Suas mãos — sempre quentes, sempre seguras — esfregavam os braços frios de Lily. "Cadê seu casaco? Esquece—onde estava seu senso comum?"
A mala caiu no chão com um baque surdo. Lily olhou para ela, entorpecida. Cinco anos de casamento reduzidos a uma bagagem de mão.
Noa resmungou e empurrou-a para o sofá. "Se levantar, eu te amarro aqui." Ela desapareceu na cozinha, batendo portas com um furor contido.
Lily obedeceu, imóvel. O apartamento cheirava a vela de baunilha da Noa e a comida de delivery — vida de verdade, não a mansão asséptica de David. Seus dedos traçaram uma mancha de café na almofada. Prova de que ali se vivia de verdade.
Uma caneca lascada de "Melhor Contadora do Mundo" (um presente de aniversário de Lily) apareceu sob seu nariz. Vapor de camomila subia entre elas. Noa não era delicada, mas suas mãos estavam firmes ao envolver as de Lily em torno do calor.
"Bebe. Depois fala. Ou não fala. Mas se hidrata, sua protagonista de drama."
O chá queimou a língua de Lily. Bom. A dor significava que ela ainda sentia algo.
Noa acocorou-se ao lado dela, com o joelho nervoso balançando. Esperando.
"Assinei os papéis", Lily sussurrou para a caneca. "O divórcio."
Noa ficou imóvel.
"A Marina voltou." As palavras saiam aos pedaços. O chá tremulava — suas mãos agora tremiam incontrolavelmente. "Eles... estão juntos."
Uma lágrima caiu na caneca. Depois outra. Silenciosas. Eficientes. Como se tivesse ensaiado esse momento por anos.
Noa levantou-se de um salto. Ela não deixara de notar as marcas roxas aparecendo acima da gola de Lily. Se David tinha escolhido a Marina, por que deixar marcas de posse, como quem marca território condenado?
"Que se dane esse i****a emocionalmente deficiente—" Ela chutou a mesa de centro com tanta força que uma pilha de revistas desabou. "Vou acabar com a Hardison Corp. Vou—"
"Não importa." A voz de Lily surpreendeu a ambas — vazia como um casulo abandonado. "Eu sempre soube que ele não me amava. E eu prometi... O contrato..."
Noa virou-se, olhos faiscando de raiva. "Aquele contrato foi uma armadilha e você sabe disso—" Ela engoliu o resto da frase, cerrando os punhos. Porque já tinham tido essa discussão antes. Inúmeras vezes.
O silêncio alongou-se. O radiador chiava. Em algum lugar lá embaixo, um cachorro latia para a lua.
Finalmente, Noa sentou-se. Sem tocar, mas perto o suficiente. "Tudo bem", disse ela, soltando um suspiro profundo. "Tudo bem. Dane-se ele. O prejuízo foi dele."
Ela abraçou Lily, seu tom firme e protetor, "Estou com você. Você está em casa agora."
As lágrimas finalmente transbordaram, e Lily afundou no abraço de Noa, seu chá esfriando entre elas. Lá fora, a chuva transformou-se em garoa. O mundo continuou girando, indiferente.
E pela primeira vez em cinco anos — Lily também.
No dia seguinte, Lily foi trabalhar como se nada tivesse acontecido. As portas do elevador deslizaram abertas com um ding suave, revelando o rosto autossuficiente de Jenny.
"Oh, Lily," disse Jenny com uma voz melíflua. "Você é um anjo por ter assumido meu turno ontem." Seus dedos bem cuidados pairaram perto do peito em um gesto de falsa gratidão. "Mas, pensando bem," acrescentou com um sorriso de cobra, "não é como se você tivesse uma vida para atrapalhar, né?"
"Você viu as notícias? O verdadeiro amor do David está de volta." Ela inclinou-se, o perfume era enjoativo. "E todo mundo aposta que ele vai pedi-la em casamento."
Os lábios vermelhos de Jenny curvaram-se em triunfo. "Aceita—você nunca foi a escolhida do coração dele."
Lily apertou a alça da bolsa, mas sua voz permaneceu gelada. "Engraçado, vindo de alguém que não consegue nem lidar com um relatório sem inventar uma doença."
Ela passou por Jenny sem dignificá-la com um olhar, deixando-a boquiaberta. Na sua mesa, Lily começou a organizar os e-mails mecanicamente, seus movimentos eram precisos e automáticos. A carta de demissão na sua bolsa pesava como uma âncora—um fardo, mas também um passaporte para a liberdade.
Ela não podia ficar. Não depois da noite passada. Não quando cada olhar para David a faria reviver o triunfo de Marina. Hoje seria a última vez que ela prepararia o café dele.
O ritual começou no piloto automático—medindo exatos 17 gramas de grãos etíopes, aquecendo a água a 96°C, cronometrando a infusão de 30 segundos. Ela aperfeiçoara essa rotina como aperfeiçoara tudo sobre ser a Sra. Hardison—a esposa invisível, a secretária perfeita, o corpo quente na escuridão.
Da primeira vez que ele elogiou seu café, ela agarrou-se àquele mísero elogio como um náufrago à tábua de salvação. Talvez, se eu fizer tudo perfeito, ele vai me notar. Que tola ingênua ela fora.
Pronta, ela abriu a porta do escritório dele—e parou dead em seus tracks.
David não estava em sua cadeira. Em vez disso, Marina estava instalada em seu trono de couro, seus dedos bem cuidados acariciando a borda da mesa polida. Ela ergueu o olhar, um sorriso lento e felino esticando seus lábios.
"Oh, Lily," ela ronronou. "Finalmente conheço a famosa secretária."