Lily jamais imaginaria que David arriscaria a pele por ela. Agora, sentada no quarto do hospital, observando o médico tratar o corte profundo em seu ombro, sentia o estômago embrulhado. Culpa, confusão e algo mais terno—algo assustadoramente próximo do afeto—embatiam-se dentro dela.
O cheiro de antisséptico impregnava o ar. O monitor emitia bips ritmados, e David permanecia impassível, contraindo-se apenas levemente quando o algodão atingia a carne viva. Lily mantinha-se afastada, braços cruzados, lábio inferior sangrando de tão roído. Desde a chegada, quase não trocaram palavras. Nem ele.
Assim que o médico terminou o curativo, voltou-se para Lily. "Ele ficará bem, mas precisa de repouso e cuidados. Você é a esposa dele, não é?"
Lily abriu a boca, mas as palavras não saíram.
"Ela é," David cortou, seco, antes que ela pudesse responder. "Certifique-se de que ela compreendeu todos os cuidados."
O médico assentiu e detalhou o cronograma de medicação e as trocas de curativo. Lily ouvia com atenção concentrada, as mãos um trêmulas enquanto anotava cada instrução. Quando ficaram a sós novamente, o silêncio instalou-se, espesso e pesado.
Lily virou-se para ele, rompendo o quietismo. "Por que você fez isso?"
David ergueu uma sobrancelha, fingindo ignorância. "O quê?"
"Você se feriu. Por minha causa."
Ele soltou uma risada curta e vazia. "Não se iluda."
Os olhos dela estreitaram-se. "Não é ilusão, é um fato. Você não precisava..."
"Você estava no caminho," ele resmungou, desviando o olhar. "Foi um ato reflexo."
Lily fitou-o, incrédula. "É uma desculpa péssima para quem se atirou contra um vaso em plena queda."
Seus olhos encontraram os dela novamente, agora mais frios que granito. "O motivo não importa. Você está sã e salva. É o que importa."
As palavras soavam nobres, mas algo dentro dela se rachou. Ela não era ingênua. Vira o pânico lâmina em seus olhos quando ela tropeçara, a forma absoluta como ele não hesitara. Aquilo não era mero reflexo. Não podia ser.
Mas antes que pudesse perfurar aquela muralha, a porta abriu-se violentamente.
"David!"
Uma voz aguda e cortante ecoou pela sala.
Marina irrompeu como um furacão envolto em seda e perfume caro, seus saltos estalando no piso frio, seus olhos escaneando a cena como um predador. Seu olhar saltou de David no leito para Lily, parada a seu lado.
"Mas que quadro doméstico adorável," ela cuspiu, com veneno no sorriso.
Lily recuou um passo, instintivamente.
"Marina," David interveio, cauteloso, sua voz baixa e contida.
"Você se machuca e, em vez de me chamar"—ela enfatizou a palavra como se a cuspisse—"fica aqui brincando de casinha com ela?"
"Eu não chamei ninguém," David retrucou, gelado. "Ela já estava aqui."
Marina ignorou-o. O espetáculo era só seu. "Claro que estava. Essa v***a sempre aparece quando a coisa fede! Você não passa de uma destruidora de lares, sabia? Acha que bancar a enfermeirinha vai fazê-lo voltar para você?"
Lily permaneceu em silêncio. A facada do insulto doeu mais do que ela admitiria.
"Ela está aqui como minha secretária," David disse, asperamente. "E não me devo satisfações a você."
Os olhos de Marina arregalaram-se, depois contraíram-se em fendas. "Então ela ainda importa tanto assim? Você a prefere a mim?"
"Eu protegeria qualquer um em perigo. Um estranho. Um gato. Até um cachorro," David declarou, o tom gélido. "Não confunda decência básica com afeto."
A garganta de Lily fechou-se. Claro. Era só isso que ela era. Um gato. Um cachorro. Apenas mais um ser qualquer que ele socorrera por 'dever cívico'. Momentos antes, ela quase acreditara—quase permitira que a esperança brotasse—que ele ainda pudesse importar-se. Mas ao ouvi-lo equipará-la a animais de rua...
"Entendi," ela sussurrou, a voz um fio. Suas mãos tremiam ligeiramente, mas ela as manteve firmes. "Obrigada por esclarecer." Ela se virou para a porta.
Mas antes que pudesse sair, Marina agarrou-lhe o braço.
"Espere."
Lily olhou para trás, a testa franzida.
"Eu encomendei refeições especiais para o David. Orgânicas, preparadas pela nutricionista dele. Eu... não conheço bem as ruas perto deste hospital. Pode buscá-las para mim? Eu iria, mas tenho medo de me perder."
Lily encarou-a. Sério?
"Acha que agora sou sua entregadora?"
"Apenas faça," Marina deu de ombros, com um sorriso falso. "Você já está aqui. Assumiu a responsabilidade pelo ferimento dele, não assumiu? Buscar uma comida não é pedir tanto."
Lily lançou um olhar para David.
Ele não a fitou. Recostou-se na almofada, fechando os olhos como se estivesse alheio a tudo.
Era a resposta que precisava.
Ela exalou lentamente e anuiu. "Como quiser."
Se era isso que precisava fazer para quitar sua dívida de culpa, que assim fosse.
Marina estendeu-lhe um papel com o endereço. "Não demore. David detesta comida fria."
Lily não respondeu. Saiu do quarto, sentindo as pernas tremulas sob seu próprio peso.
Ela não sabia por que o peito doía tanto.
Talvez fosse realmente apenas um cachorro de rua para David.
Mas aquele cachorro estava, finalmente, aprendendo a lição.
Não a amar.
Mas a deixar ir.