Já tinha o roteiro preparado para cada fase das crises dela, mas eu ainda não tinha um roteiro ou fórmula para consolar Elle nas horas de dor de cotovelo. Nunca entendia o motivo de ela gostar de caras errados, ou de caras propensos a um nível de bandidagem previsível.
Elle tinha me convidado para jantar na casa dela, mas eu sabia que quando ela me chamava era porque queria sair depois, porém, não era comigo. Ela usava essa desculpa para que os pais dela não desconfiassem de nada. Os pais dela sempre confiaram em mim, até diziam que tinha mais juízo que Elle, o que era realmente verdade. Outro dia, ela tinha me falado que queria ser estrela de cinema, e ir morar em Hollywood... De quebra, ela queria casar com um galã bem famoso e viver a sua vida de estrela. Além de ser linda, ela também era muito talentosa e eu sempre acreditei nela. Ela iria ser uma ótima atriz, e disso eu tinha certeza. Ela sempre utilizava as habilidades cênicas quando precisava de alguma coisa, até comigo ela fazia isso, mas eu não ligava.
O cheiro da comida da senhora Austin praticamente invadiu toda a casa. Eu não era de me negar um jantar na casa da Elle, exatamente pelo fato de amar todos, e também pelo fato da minha sogra platônica ser um amor de pessoa. A mãe de Elle – Christine - era linda, e eu achava que Elle se parecia muito com a mãe.
A casa dos Austin era uma típica casa americana, mas do jeito simples. O senhor Austin tinha um gosto peculiar de colecionar estátuas de corujas, e eu não entendia direito o que ele queria com tantas corujas espalhadas pela casa, mas eu gostava do seu jeito alegre e animado. Um homem de valores incorruptíveis.
— Então — começou ele —, para onde vocês irão está noite? — perguntou como quem não queria nada. Ele sempre confiava em mim por ser um rapaz estudioso e bem organizado, além de nunca ter me metido em nada errado.
— Ao cinema — não deixava de ser uma verdade e ao mesmo tempo uma mentira, entretanto me prontifiquei em omitir a meia mentira, e falar a meia verdade — Soubemos que vai passar um desses filmes melosos que a Elle gosta, e além do mais, tem o tal ator famoso, que ela acha que vai casar com ele um dia. — respondi sorrindo.
— Elle e essas fantasias. — falou ele gargalhando — Tenho até medo de perguntar o nome do filme...
— E eu tenho até medo de responder. — respondi rindo, disfarçando o fato de não saber o nome do filme, já que não assistiria com ela.
— Queria que a Elle namorasse alguém assim, como você. Aliás, queria muito que minha filha parasse de namorar esses garotos de porta de cadeia. — disse me olhando de maneira sincera.
— Senhor Austin... — suspirei.
— Daniel — me olhou firme. —, você não me engana. Eu sei que você gosta da minha filha desde o jardim de infância. — ouvi-lo falar com tanta propriedade, me deixava sem chão.
Eu queria cavar um buraco e afundar minha cabeça nele, como os avestruzes fazem quando estão com medo. Eu tinha medo. Medo de perder a amizade dela e da família dela, se caso algo desse errado.
— Peço que o senhor não fale nada pra ela — falei angustiado —, não quero perder a amizade da sua filha, e nem a de vocês.
— Tudo bem. — balançou a cabeça decepcionado — Mas, nada me faria mais feliz, do que ter você como futuro genro.
— O que os homens estão conversando? — perguntou senhora Austin alegremente — Bom, não importa. O jantar já está pronto. Vamos?
— Claro que sim. — respondi me levantando e seguindo-a. Passando pela sala em direção a sala de jantar, prendi minha respiração. Elle descia a escada em lindo vestido branco, solto na cintura que ficava acima do joelho. Alças grosas e um decote discreto, ela usava o cabelo solto formando nuvens de cachos loiros. Sua boca estava pintada com batom vermelho, e seus olhos bem delineados com lápis preto e rímel, destacando seus olhos azuis. Ela usava saltos altos pretos, que a deixava mais alta, já que ela era pequena.
Eu tinha a verão da Marilyn Monroe viva na minha frente, só que essa eu poderia ver ao vivo e em cores, se eu fechasse os meus olhos... Poderia até imaginar tocando a pele macia de Elle, sentindo o calor do seu corpo.
— Meu jovem... — murmurou senhor Austin — É bom você disfarçar. — falou divertido — Ou você quer um babador?
— Oi? — falei todo bobo — Não precisa. Eu acho que já me afoguei na saliva. — falei rindo e voltando ao normal.
— Vamos lá garotão — disse ele dando tapinhas nas minhas costas —, elogia a moça e talvez, ganhe o coração dela. — sussurrou baixinho, piscando o olho.
— O que vocês acham? — perguntou Elle chamando atenção de todos.
— Linda, minha filha. — ele foi o primeiro a responder. — Uma princesa.
— O que você acha Dani? — perguntou ela, descendo os últimos lances da escada, rodopiando e parando na minha frente.
O que eu deveria dizer? Que ela estava f**a? Claro que não.
— Você está... — parei de falar puxando o ar para os meus pulmões — Bonitinha... — falei dando de ombros, pois não queria me entregar falando mais do que poderia.
— Assim você não ajuda. — falou m*l-humorada e pisando firme, indo em direção à sala de jantar — Passo horas me arrumando e escuto um bonitinha? — bufou. Eu olhei para senhor Austin e ele me lançou um olhar compreensivo, abrindo um sorriso meio torto.
— Um dia você não vai conseguir enganá-la. — disse senhor Austin apoiando a mão em meu ombro em consolo, e logo seguiu em direção à sala também — Vai ter que contar, ou ela vai descobrir de outra maneira.
O amor pode estar bem ao seu lado, basta apenas você abrir seus olhos, ou permanecerá cego, e no contexto, ela era a cega. E sofrer por não viver a plenitude de um grande amor, era burrice, e nesse caso, o burro era eu. Eu não era o tipo dela. Mas, quem sabe um dia ela abrisse os olhos e percebesse que era eu poderia ser o grande amor de sua vida? E que sem mim, ela não poderia viver? Essa minha mente que sempre me pregava peças. No dia de São Nunca, ela iria acordar e perceber que não poderia viver sem mim. Aliás, não queria que ela pensasse assim, queria apenas que ela me notasse. Seria o bastante para viver feliz, pois eu era conformado com o que a vida me oferecesse.
Principalmente, quando era algo vindo dela.
— Que horas vocês voltam? — perguntou senhora Austin, retirando os pratos da mesa.
— Às 23:00 mãe — respondeu Elle apressada, e logo me lançou um olhar de que ia aprontar. d***a! Ia sobrar para mim.
— Você vai trazer ela em casa, não é Daniel? — perguntou senhor Austin saindo da mesa para ajudar sua esposa a levar os pratos para cozinha.
— Sim senhor. — respondi sem jeito, e Elle me olhou com gratidão. O pior de tudo era que eu sabia que ela ia aprontar, e ainda assim, a ajudava.
— Bom cinema. — falou a mãe de Elle ao voltar para sala de jantar — E cuidado com minha boneca...
— Mãe... — gemeu Elle, suplicando para a mãe dela não falar mais nada.
— Ah... Deixe de coisa, querida. Você já deveria estar acostumada com as brincadeiras que fazemos na frente do Daniel. — sorriu senhora Austin para filha e não estava nenhum pouco preocupada com a cara amarrada da filha — Ele é praticamente da família.
— Certo mãe... — respondeu Elle bufando. — Boa noite.
— Boa noite, Senhor e Sra. Austin. — falei apertando a mão apenas do senhor Austin.
O céu estrelado poderia conspirar ao meu favor, mas não foi assim que aconteceu. Infelizmente eu era a versão da cinderela masculina, e antes das oito horas da noite, perderia a minha princesa para algum b****a, e a minha carruagem viraria abóbora e eu nem chegaria a experimentar a presença dela. Ainda bem que eu não tinha sapatinho de cristal, ou ia ser mais frustrante ainda. Ela parecia tão animada, e se soubesse da minha tristeza, não teria esbanjando sorrisos apaixonados por um cara que no fim das contas, nem ia lembrar o nome dela mesmo.
— Comprei os ingressos. — falei de modo inocente, mas já sabia o que viria a seguir — Vamos entrar?
— Eu vou sair com o Edward. — respondeu encolhendo os ombros no carro — Eu sei que vou ficar devendo mais uma...
— Tudo bem. — resmunguei simplesmente, e me virei para olhar as pessoas passando na rua — Pode ir. Eu entendo.
— O que foi? — perguntou me olhando.
Seus olhos brilhavam mais que as luzes da cidade. Elle era a perfeição em forma de mulher. Não parecia com aquelas magricelas loiras de capa de revista, mas uma mulher de corpo bem definido pela prática de exercícios e por não ter frescuras em escolher um prato com bastante frango frito. Elle era o tipo de mulher que jogava Nintendo por pura diversão, e ainda vibrava com o Super Mário.
— Nada. — respondi simplesmente.
— Você nunca me diz o que te incomoda... — disse bufando, cruzando os braços.
— Porque não tenho nada a dizer — falei mais calmo, mas por dentro queria gritar o quanto ela era burra. Queria gritar que eu a amava, e que faria qualquer coisa para fazê-la feliz.
— Edward vai me esperar na frente do cinema... — disse ela — Você vai ficar bem?
— Vou. — disse sério, sem olhar pra ela.
— Eu prometo sair com você depois, só para compensar os inúmeros favores que me faz. — prometeu em sorriso torto — Se não fosse por você, eu não teria como sair de casa. Meu pai nunca autorizaria minha saída com Edward, mas com você, ele deixa.
— Pois é... — falei suspirando — Eu sou o seu estepe.
— Dani... — murmurou manhosa e não dava para resistir a aquele sorriso — Você é o melhor amigo que eu tenho. O melhor amigo que uma garota pode ter...
— É, eu sei. — falei sem paciência, mas tentei ao máximo esconder minha frustração — Pronto, chegamos. — disse estacionando o carro ao lado do cinema.
Do outro lado da rua estava ele, o tal Edward escorado em uma Harley-Davidson preta, de jaqueta de couro preta, camisa branca e calça justa... Preta. Típico bad boy dos anos noventa, com cara de b***a. O que me deixava mais curioso, era como aquele cabelo tingido de cobre ainda permanecia na cabeça dele. Era tanto gel concentrado em uma só região, que poderia ser fornecido como concreto para grandes empresas em construção. O cara parecia até bonito, mas algo me dizia que ele não faria bem a Elle. Temia que algo r**m pudesse acontecer com ela, e eu teria o resto da minha vida para lamentar, por não conseguir protegê-la dele.
— Elle, você tem certeza que quer ir com esse cara? — perguntei um pouco receoso.
— Tenho sim. — falou saltando do carro em três segundos — Por quê? Que falar algo para mim?
— Não. Não tenho. — respondi nervoso.
— Entendo... — disse ela me olhando f**o, logo em seguida sorrindo — Volto em duas horas. Assista ao filme para me dizer como foi...
— Como sempre faço... — falei descendo do carro.
— Você é incrível! — ela veio saltitando na minha direção, e por um momento, pareceu que íamos nos beijar. Pura ilusão minha — Assista ao filme... — disse beijando minha bochecha e a vi seguindo em direção ao cara de gel de concreto. Ele estendeu um capacete para ela, e ela logo em seguida montou na moto junto com ele, que ao sair ainda teve a covardia de soltar uma piscadela para mim.
Eu sei, eu era um burro. Mas fazer o que? Adorava aquela mulher, e só em ter a amizade dela, já me bastava.
*
O filme iria ser longo sem ela ao meu lado, mas eu nunca saberia se iria ser, pois apesar dos anos de amizade, nunca fomos exatamente ao cinema juntos. Na teoria, para família dela, já tínhamos acabado com a bilheteria de todos os cinemas. Porém, na prática, nunca chegamos tecnicamente nem na calçada de um cinema juntos.
E para o meu azar ficar cada vez maior, Estevan estava aos amassos na fila do meio. Era muita s*******m comigo, mas um dia isso iria ter volta. Um dia eu teria a sorte ao meu lado. Passei de fininho ao lado dele, mas parecia que ele tinha um radar de “Daniel/Banana se aproximando” que me detectava com menos de um metro de distância. Era frustrante ter um primo como ele, que era o oposto de mim. A sala estava praticamente vazia, não literalmente, pois poucas pessoas estavam assistindo realmente o filme.
— Diz, grande Daniel! — falou baixinho deixando a garota que ele estava agarrado para o lado. Nunca tinha visto uma garota ficar tão descabelada quando estava com Estevan, como vi naquele dia. Ela estava até com falta de ar.
— Oi Estevan. — cumprimentei sem jeito e me ajeitando para não ficar na frente de quem, realmente, estava assistindo o filme.
— A Elle saiu de novo com outro cara? — perguntou irônico e debochando da minha cara. Ele fazia de propósito.
— Isso mesmo. — respondi irritado vendo a cara de deboche que ele fazia.
— Querida, você pode ir comprar um refrigerante para mim? — perguntou para garota descabelada, que mais parecia um robô atendendo aos comandos do seu dono. Ele não era popular na escola, mas com as mulheres... Isso era outro assunto. Estevam sempre estava aos beijos com alguma gostosa de Burnet. Quando ela saiu, me sentei ao lado dele, me sentido um bosta.
— Sim, meu Tudão. — respondeu ao se levantar, e para Estevan não deixar de ser Estevan, quando ela levantou, ele deu um t**a bem forte na b***a dela que a fez saltitar e sair rindo como uma demente. O cinema mais parecia àqueles bares de esquina nas estradas solitárias do Texas, a diferença era que nos bares, os casais iam para o banheiro t*****r, ou ao menos, iam para trás do bar, no escuro para terminar o serviço.
— Me diz, que tipo e o cara que ela resolveu sair agora? E por favor, não me diga que é um doido por figurinhas... — perguntou rindo — Essa seria muito para o meu pobre coração.
— É um tal de Edward. — respondi coçando a cabeça e arrumando os óculos no rosto — acredita que ele tem uma Harley 1980?
— Isso não importa Daniel. — respondeu ele, sério — Ele está com a garota dos seus sonhos, e você aqui assistindo um filme que nem queria assistir. — às vezes Estevan me puxava um pouco para realidade. O problema era que eu sempre caia de cabeça, e isso doía muito. — Você odeia filmes românticos...
— Eu sei... — olhei para ele. — Mas você também não gosta. O que você tá... — fiz uma pausa percebendo o real motivo de ele estar assistindo aquele filme — Ah! Deixa pra lá.
— Você vai mesmo assistir ao filme e depois descrever pra ela contar para o pai dela? — perguntou incrédulo, mas com olhar de sério.
— Vou. — respondi triste.
— Um dia você tem que deixar de ser mole. — falou balançando a cabeça — Você bem que podia ter o letreiro luminoso com seu nome e a seguinte frase: Daniel Banana.
— Voltei rapazes... — a garota descabelada voltou com dois copos de refrigerante. Estava um pouco escuro, mas pude ver claramente que ela era muito bonita, assim como todas as garotas que Estevan saia. Uma loira de cabelos avermelhados, mas acho que era a luz. Corpo bonito, usava blusa decotada e saia curta exibindo suas longas penas. Ela não me era estranha.
— Essa é a Jess, nossa colega de sala. Está na aula de matemática. — eu sabia que a conhecia de algum lugar.
Jess era inteligente, mas também tinha um imã para homens errados, e isso incluía Estevan, que nunca tinha sido um anjo. Ela sempre me pedia ajuda, mas sei que era pelo fato de eu ser primo de Estevan, e querer se aproximar dele. No fim, ela nem precisou, já estava abrindo as pernas para ele, no primeiro sorriso galanteador dele.
— Eu vou deixar vocês mais à vontade. — falei a me levantar indo em direção às cadeiras mais altas.
— Se precisar de companhia para o baile... — falou Jess, com a voz melosa. Eu sabia que era por causa de Estevan. Uma garota em sã consciência nunca me chamaria para sair, e nem muito menos, para o baile. — Pode me chamar.
— Minha linda, a única garota que ele quer levar ao baile, já tem companhia. — falou Estevan rindo. Ele também sabia ser mau às vezes.
— E quem é? — perguntou curiosa.
— Estevan, não... — foi tarde demais. O filtro que existia no cérebro estava definitivamente gasto, e ele abriu aquela boca de trapos.
— Elle Austin... — respondeu rindo, mas logo ele percebeu que não era para falar nada. Jess não era apenas uma garota qualquer que tinha boas notas, ela também era uma das populares, que não sei o porquê de ela também falar comigo. Ela era uma bomba atômica.
— A Elle? — soltou um tom de choque — Não acredito... Mas, mas... Vocês são amigos.
— Por favor, não fale isso pra ninguém mais. — implorei. — Por favor. — o pedido foi o mais lamurioso possível. Eu não confiava na Jess, e hoje tenho a plena certeza que na época não era para ter confiado naquela cara de anjo dela.
— Pode confiar em mim. — falou levando a mão ao peito de modo teatral — Minha boca é um tumulo...
— Obrigado. — suspirei agradecido — Vou deixar vocês agora.
— Desculpa Hermano ... — falou Estevan sem jeito.
— Depois falo com você. — me virei e segui subindo para o lugar mais alto do cinema. Eu já tinha perdido boa parte do filme, mas deu para entender o final. O mocinho era apaixonado pela mocinha do filme, mas ele era algo diferente e não poderia viver o amor que ele sentia por ela por ser diferente, porém ela insistiu e lutou pelo amor dos dois. Ele não era humano, e ela era, e ainda assim o amor prevaleceu. Ela foi transformada e os dois se tornaram iguais. Eu queria ter a possibilidade de fazer alguém se apaixonar por mim, pelo simples fato de eu ser como era. Era triste ser sozinho, cheio de espinhas e ainda virgem. Vendo os dois protagonistas se beijando me bateu uma inveja que nunca tinha sentindo na minha vida.
Como seria ser beijando?
Como seria o gosto dos beijos de Elle?
Era o que eu mais queria saber.