Capítulo 1

3327 Words
Elle era minha amiga desde a infância. Nascemos na mesma maternidade, e por incrível que pareça... Tínhamos a mesma idade. Apenas oito meses nos separava de realizar nossas festas de aniversário. Nossas famílias eram amigas a mais anos do que se podia imaginar, e eu? Bem, eu era loucamente apaixonado por Elle antes mesmo do primeiro dente-de-leite dela cair, e ela descobrir que não existia fada do dente. E que na realidade era a sua mãe, que sempre deixava uma moeda debaixo do travesseiro dela. Ela chorou por uma semana inteira, e acho que passou um bom tempo para poder se acostumar com o que tinha descoberto. Éramos inseparáveis, acho que ela tinha pena pelo fato de eu ser tão decrépito. Elle cresceu com um brilho que poucas pessoas tinham, e com uma força de liderança única. Adorava o modo que ela mexia no cabelo, ou até mesmo o jeito que coçava o canto da boca quando estava nervosa. Às vezes imaginava beijando aquela boca, mas nesses momentos a realidade era c***l comigo. Me fazia lembrar que eu não era o cara certo para ela, e que ela nunca olharia para mim da mesma forma que eu a olhava. Eu era apenas um reles mortal sonhando em possuir a mulher mais perfeita do universo. Na escola só tinha olhos para ela, que sempre estava sorrindo ao lado da sua parceira de laboratório. O cabelo preso em um r**o de cavalo era a sua marca registrada, as pontas douradas e levemente cacheadas a deixavam com um ar angelical. Elle era o tipo de garota que qualquer um naquela escola poderia se apaixonar, e não digo isso como melhor amigo dela. Afirmo porque sentia isso quando olhava os outros seguindo e escutando o que ela tinha para falar. Porém, como uma pessoa que entendia o que era ter a Elle como amiga, sabia como era conviver com a perfeição. Eu era o ser mais esquisito do mundo, mas espere... Não era sempre que me sentia desse jeito. Elle com sua bondade, às vezes fazia com que eu me sentisse o ser mais perfeito do universo. Isso acabava quando eu a via com os outros amigos tirando sarro dela, por ser minha amiga. Ela não se importava, pelo contrário, me defendia como ninguém tinha me defendido na vida. No caso dela, isso seria assassinato social, já que ela era a capitã das líderes de torcida e a atleta número um de Burnet. Só existia uma pessoa no mundo que sabia o que eu sentia por ela, o Estevan. Estevan Oriol era o meu primo, que tinha chegado do México para acabar com o resto de vida que eu tinha. Ele não era apaixonado por Elle, mas a chamava de namorada. Não que eu tivesse ciúmes... Eu morria de ciúmes dela. Mas fazer o quê? Não poderia dizer que a amava. Os caras que ela namorava eram praticamente modelos da Calvin Klein. Não tinha como competir com eles. Eram sempre saradões, cheios de anabolizantes e músculos exagerados nos braços, e sem um pingo de cérebro. Acho que o cérebro tinha queimado com os anabolizantes de cavalos. Todos no estilo 'pernas finas'... Braços musculosos e p***o pequeno, ou cérebro pequeno... Ou cérebro e p***o pequeno. Isso realmente não importava, se ela soubesse que era eu quem deveria beijar a sua boca. Gostava de pensar que ela estava com eles apenas pela beleza. Não ficava tentando imaginar algum deles passando as mãos nela... Não mesmo. Só em chegar a cogitar esse pensamento, eu já ficava roxo de raiva. — Acorda... — resmungou Estevan, batendo na minha cabeça. — não é hora de sonhar, 'hermano'. — Não dá — falei suspirando. —, ela é perfeita. — Você só observa — reclamou ele sem paciência. —, uma hora você vai ter que falar com ela. — Nunca. — rebati de maneira firme. — Você é um molenga. — disse dando outra t**a na minha cabeça. — Não é ser molenga... — expliquei arrumando a armação do óculos. — Só não sou o tipo certo para ela. — Daniel, você sempre diz a mesma coisa “Não sou o tipo certo para ela”. — disse olhando para mim. — Ela não vai ficar aqui para sempre. — Não importa. — dei de ombros, fingindo não me importar com o que ele tinha dito. — Eu sei que você se importa — sussurrou meio que tentando segurar o riso —, você fica aí, se torturando, enquanto ela fica saindo com esses caras s*******o. — Ao menos, eu sou o melhor amigo dela. — respondi querendo parecer indiferente. — Sério? — falou irritado. — Você é um banana, sabia? — Sou... — O que os senhores tanto conversam? — pigarreou o professor de química mais chato do mundo, Senhor Ahern. Nos viramos, olhando para ele, fechando a boca. — Foi o que imaginei. Nada de produtivo. Senhor Valdez e Senhor Oriol na sala do diretor depois da aula. — todos estavam olhando para nós dois, ou melhor, olhando para mim. — Droga... — resmunguei. — Muito me surpreende o senhor, senhor Valdez. Você que é um exemplo de silêncio e invisibilidade — falou senhor Ahern com um olhar duro e frio direcionado a mim —, voltemos a nossa atenção para matéria. — Desculpa cara, mas agora você vai ter um pouco de emoção. — sussurrou Estevan sorrindo, enquanto o senhor Ahern voltava a explicar a matéria e eu murchava na cadeira. De longe dava para ver ela me olhando de lado. — Sério. Você é um banana. — falou Estevan, abafando o sorriso. — Senhor Oriol! — senhor Ahern se virou para encará-lo muito irritado. — O rapaz tagarela vai querer visitar a sala do diretor antes do previsto? — Não senhor. — respondeu Estevan, se endireitando na cadeira, mas sem perder a cara de p*u que só ele tinha. — Olha o que você me faz passar... — resmunguei olhando sério para ele. — Eu? — resmungou baixinho, fazendo cara de inocente. — Dani, eu sou a melhor parte da sua vida, e ao mesmo tempo a pior parte — disse contendo o riso — Você devia me agradecer por isso. — i****a. — falei para ele, balançando a cabeça. Mas era a mais pura verdade. Estevan era a parte mais emocionante que existia na minha vida, mesmo sendo do jeito errado. — De nada. — falou ele, segurando o riso e assentindo com a cabeça. — Já chega! — gritou senhor Ahern, e todos se assustaram — Vocês dois... — apontou com o indicador como se estivesse regendo uma orquestra — Para a diretoria, agora! Ao sair da sala, sentia os olhares de todos me seguindo. Era um acontecimento único. Eu, Daniel Valdez, indo parar na diretoria por conversar na hora da aula. Trágico. E tudo ficou pior quando olhei para Elle antes de sair. Ela estava boquiaberta com o que tinha acabado de acontecer. Era inevitável, Elle sempre ficava chocada quando algo de inusitado acontecia na minha vida. — Seu filho de uma... — comecei a falar, mas parei antes que saísse algo que não fosse apropriado. Minha tia não tinha culpa de ter um filho como Estevan. — Dani... Dani... — suspirou e estampando o sorriso mais descarado que ele tinha — Você tem que sair dessa casca que você usa. — disse ele olhando para minhas roupas e olhando para os meus óculos — Você tem que aterrorizar! Pegar todas as gatinhas da escola. — Estou muito satisfeito comigo. — resmunguei indo em direção à diretoria — E o máximo de terror que eu vou fazer realmente, é assustar as garotas com a minha cara f**a. Então, estou muito bem do jeito que estou. — Você é o cara mais estranho da escola — deu de ombros, como se aquilo fosse explicar meu alto nível de popularidade. — Você nunca vai conquistar uma garota vestindo esse saco de arroz, e nem sendo o gênio da física e da química. Você precisa de músculos e uma boa performance no sexo... — Eu não quero conquistar as garotas Estevan. Nada de s**o sem que se tenha sentimento. E ser gênio da física e da química ainda vai me abrir portas para um futuro promissor. — falei abrindo a porta da secretaria. A parte mais irritante era a cara de espanto da senhora Taiko, que ficava o dia todo sentada em uma cadeira velha enferrujada, por trás de uma mesa ao lado da porta da diretoria. — Você quer uma garota que não olha pra você, hermano. — debochou, me cutucando com o cotovelo — Elle, a destruidora de corações... — Estevan... — olhei atravessado para ele. — Você não devia falar dela dessa maneira... — Isso te incomoda? — perguntou, me desafiando e com um sorriso de satisfação no canto da boca. — Sim. — Por quê? — Você sabe o motivo. — Você é um banana Daniel — repetiu rindo, ou melhor, gargalhando na minha cara. Rindo da minha desgraça. Era para isso que serviam os parentes, ou melhor, que servia o meu primo Estevan. — Estevan... — me dignifiquei a ficar quieto arrumando meus óculos. — Odeio esses óculos. — falou ele mexendo na lateral, e voltando ao normal — Você sabia que já existem lentes de contato? — perguntou fingindo perplexidade. — Sei sim. — Vamos lá! Usar uma lente não ia lhe fazer m*l. — Não. Estou bem assim. — Você vai morrer virgem. — disse rindo — E usando isso... — Senhor Oriol... — falou o diretor ao abrir a porta, e de novo aquele olhar de espanto foi direcionando a mim — E senhor Valdez? — perguntou com espanto. — Oi, senhor Casey — falei acanhado acenando para ele. — Não precisa explicar. — disse ele, balançando a cabeça, nitidamente exasperado — Já sei o motivo pelo qual você veio parar aqui: Oriol. — Não fiz nada. — se defendeu Estevan, levantando os braços e sorrindo — Eu sou inocente. Juro que sou. Até que se prove o contrário, é claro... — Você inocente? Acho muito difícil você ser inocente em alguma coisa. — proferiu senhor Casey irritado com a brincadeira — Você pode voltar para sala senhor Valdez, que eu vou ter uma longa conversinha com seu primo. — Obrigado senhor Casey. — agradeci, saltando de alegria por dentro, mas fiquei com dó de Estevan... Não. Não fiquei não. — d***a! — resmungou Estevan. — Vamos senhor Oriol... — pediu senhor Casey, estendendo os braços para que ele o acompanhasse para entra na sala — A suspensão lhe espera e não tenho o dia inteiro para o senhor. Sai correndo da diretoria, antes que o senhor Casey mudasse de ideia, e me suspendesse também. O pior dia da minha vida começou quando a educação física entrou na minha vida. Nunca odiei tanto uma coisa na vida, quanto a tal da educação física. Eu era obrigado todas às vezes a subir na corda, e quando estava achando que já estava no meio, ainda não tinha saído direito do chão. Humilhante. Mas eu ainda podia ficar observando ela de longe, mesmo que isso me custasse ficar com um g**o na cabeça, ou o pescoço torcido. E lá estava a mulher com os pompons que eu queria ser e ela mexia freneticamente, com um sorriso de rasgar qualquer um no meio, e com aquela roupa de líderes de torcida... Justa no corpo e com as pernas perfeitas... Aquela b***a perfeita... — Senhor Valdez, algum problema com a sua cabeça? — rugiu o treinador Affleck. Foi instantâneo e vergonhoso. A queda foi como a explosão do Big Bang, e eu explodi na frente de todos. Fechei os olhos, e esperei a dor da queda chegar até as minhas terminações nervosas. Ainda de olhos fechados, pude ouvir as gargalhadas dos presentes na quadra do ginásio. — Você está bem Dani? — perguntou a voz do anjo loiro. Eu não tinha coragem de olhar para ela. — Me diz que você não está estragando sua vida social por minha causa...? — perguntei gemendo de dor. Minha cabeça latejava com a dor fina que fazia questão de me torturar junto com a minha vergonha. — Dani, você é meu amigo — disse com carinho. —, e que se dane minha vida social. Você é mais importante — murmurou. — Estão todos olhando, não é? — perguntei ainda de olhos fechados. Ainda dava para ouvir os risinhos e burburinhos dos alunos. — Isso não importa. — disse séria, e eu tive que abrir os olhos — Vamos... Se levante. Vou te levar para enfermaria. — Elle pegou na minha mão e senti minhas terminações nervosas entrarem em curto circuito, não por causa da queda, e sim pelo fato dela ter me tocado. Pude sentir novamente os olhos de todos me seguindo, mas agora, era por causa de Elle, que tão delicadamente me socorreu, enquanto os outros apenas gargalhavam da minha cara. — O que seria de mim sem você, Elle? — perguntei sorrindo e gemendo ao mesmo tempo. — Você um dia vai me ajudar. — seria impossível eu não ajudar — Eu sei que o que faço por você, é o que você também faria por mim — falou dando de ombros. —, meu coração de ouro. — Não sei não. — falei rindo — Provavelmente eu seria um bad boy burro, e nem daria a mínima para você. — me arrependi na mesma hora de ter falado isso. — Me desculpe... — Não. — disse me olhando — Você seria do jeitinho que é agora. Se você fosse um bad boy burro, com certeza não teria esse coração lindo que você tem. Você vale ouro, Valdez. — Desculpa. — falei sinceramente — Às vezes não entendo o motivo de você ainda querer ser minha amiga... — Você é o único que não é canalha, e além do mais, você me conhece desde o berçário, ou quase isso. Seria impossível não ser sua amiga. — Elle às vezes me fazia lembrar o motivo real dela ser minha amiga, e por mais que eu adorasse ter sua amizade, o que eu realmente queria era seu coração. — Um dia nossos filhos vão ser amigos, assim como nós dois. — sorriu, mas eu queria mesmo que fossem 'nossos' filhos. Meus com ela. Eu + ela = filhos. Matemática perfeita! — Pois é... — soltei sem querer, suspirando. — O que foi? — perguntou ela arqueando uma das sobrancelhas. — Nada. — respondi depressa. Não queria deixar transparecer o que realmente sentia por ela. — Eu conheço você Daniel Valdez. — falou em um tom desconfiado. — Você tem algo para me dizer? — Eu já disse que não é nada. — tentei disfarçar. — Você sempre faz isso... — respondeu bufando de um jeito lindo. Seus olhos tinham um brilho incrível e sempre me fazia querer navegar no mar que exista neles. Eu sabia que não era um bom momento de expor o que sentia. E resolvi não embarcar no assunto naquele momento. — Vamos deixar esse assunto de lado. — falei mudando de assunto — E você? O que anda acontecendo de bom na sua vida? — Eu posso falar da minha vida, mas você não me fala nada sobre a sua? — perguntou sorrindo — Bom amigo você é hein... — como dizer a ela que, eu não queria ser apenas amigo? — Você me conhece... — falei dando de ombros. — Mas, o que tem de novo nessa sua vida de estrela? — Acho que estou apaixonada... — e lá vamos nós de novo. Era mais um b****a se aproveitando da minha Elle — Ele é incrível! — já sabia que quando ela falava isso, o cara era igual aos outros. Babacas e estúpidos. — Super descolado... Já faz uma semana que estamos saindo... — Resumindo... — falei sério — Mais um o****o na sua vida. — Oi? — perguntou chocada, pois eu nunca tinha falado em voz alta o que realmente pensava dos namorados dela. — Isso mesmo que você escutou. — puxei todo ar para os meus pulmões para falar e tomar a única gota de coragem que existia em mim. Ao menos para falar essa verdade eu teria que ter coragem. — você só namora os caras mais imbecis do universo, e depois fica sofrendo. Você tem um hábito de namorar otários sem cérebro. — ela olhou para mim quase perplexa. — Dani, não é bem assim... — sussurrou baixando a cabeça. Eu sei que lá no fundo ela sabia que isso era verdade. — Elle... — falei em um tom ponderado e arrumando os óculos no rosto — Você é um imã para homens sem escrúpulos e totalmente irresponsáveis. Resumindo... Você tem o dedo podre. — ela estava de olhos arregalados pela surpresa. Elle nunca tinha me visto sendo tão sincero, porque normalmente eu era mais de escutar e nunca de falar o que me vinha à cabeça. — Dani... — Cansei. — não acreditei no que tinha saído da minha boca. — Cansou? — falou ela parando já na frente da enfermaria. — Cansou de quê? — De te ver sofrer por quem não merece seu amor. — aos poucos vi o rosto dela ficar vermelho e nos olhos brotarem lágrimas. Ela jogou os braços ao redor do meu pescoço e me abraçou forte, apoiando a cabeça no meu ombro — Você merece algo melhor na sua vida. — Por favor, não canse de mim... — falou quase com em uma súplica — Só tenho você. O que vai ser de mim, da minha vida, sem você? — Não estou cansado de você Elle. — comecei a explicar — Estou cansado de você escolher sempre os caras errados. Meu Deus! Eu nunca soube de alguém que gostasse tanto de sofrer, como você... — d***a! Eu tenho o dedo podre mesmo. — disse sorrindo ainda com a cabeça deitada em meu ombro e fungando na minha camisa — Mas, esse vai ser diferente... — e “lá vamos nós de novo”. — Você não tem jeito... — ela afastou-se e me olhou profundamente — O que foi? — perguntei confuso. — Eu ainda vou fazer uma limpeza de pele em você. — ela sabia que eu corria pra bem longe desses procedimentos cosméticos, e sabia também, que ela usava esse truque, para desviar quando estávamos falando algo que ela não queria continuar falando. — Um dia você vai namorar uma garota que mereça seu coração... Você vale ouro. Meu coração de ouro. — Um dia você vai achar o cara certo. — bem que poderia ser eu, pensei — Que vai lhe dar o devido valor, e serão muito felizes juntos. Não vou perder a esperança de ver um sorriso de felicidade no seu rosto. — Mas, você não vai fugir da limpeza de pele. — falou rindo e beijando minha bochecha. Quando eu ia lhe dar a resposta, a enfermeira chegou e ela foi embora, para voltar a ser a mais popular da escola. A pior parte era que o baile estava bem próximo e eu, como sempre, não tinha com quem ir, e quem eu queria que fosse comigo, provavelmente já estaria acompanhada por algum b****a sem miolos na cabeça. Na realidade, ela já estava acompanhada, era eu que não queria aceitar. Último ano e já tinha várias propostas de universidades. Queria cursar química ou física e ser sócio em alguma empresa na qual eu pudesse crescer e ser bem mais que um mero estudante e me tornar um grande empresário. Eu ia me livrar finalmente daquela escola e nunca mais iria ver as pessoas que mais pisaram em mim. Eu teria uma vida tranquila e sem essas sombras do meu passado ao meu lado, para acabar com os meus dias. Provavelmente, ganhando milhões...
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