[Anos atrás]
Narradora POV
– Eros? Niko? Foi dormir tarde ontem de novo?
Malorie ria enquanto puxava uma das chaves reservas que tinha da porta do quarto de seu primo, ela tinha feito isso escondido dele é claro. Linux sempre a ajudava nessas empreitadas.
– Vamos, acorda eu preciso das minhas caneleiras pra treinar hoje e-
Ao destrancar a porta a garota arregalou os olhos ao ver a zona em que se encontrava o quarto do adolescente.
Todos os livros, troféus, roupas, até as miniaturas que ele colecionava, tudo estava no chão e recostado contra a cama Eros estava inconsciente babando contra o próprio peito nu.
Malorie gritou em desespero, essa não era a primeira vez que ele era encontrado daquela forma.
Ao ouvir o grito da filha, Damon foi o primeiro a aparecer mesmo com dificuldade em subir escadas por causa do joelho lesionado, e ao perceber o estado do sobrinho ele gritou por ajuda enquanto escondia o rosto de Malorie contra o seu peito para que ela não visse o primo daquela forma.
– Eros! Meu Deus... de novo não...
Dimitri batia no rosto do próprio filho vendo o mesmo oscilar entre a consciência e a inconsciência, as pupilas dilatadas, a pele pálida e gelada.
– Onde você escondeu dessa vez?!
Dimitri já berrava jogando as gavetas no chão quando Marie chegou se deparando com a cena de seu filho drogado e de seu marido transtornado.
– Dimitri, para com isso, vai assustar os mais novos...
Marie disse firme enquanto ajoelhava ao lado do filho e puxava o rosto dele para seu ombro. O pobre garoto de dezesseis anos começou a chorar e tentou morder as próprias mãos, mas Marie não deixou. Sabia o quanto o filho estava sofrendo, não podia culpá-lo por algo que era sua culpa.
Ela deveria ter matado Ayaan quando teve a chance.
– Assustar eles?! Essa p*****a que o Eros faz a gente passar é o que assusta eles! E se ele tivesse uma overdose?! O que seria da nossa vida, Rosie?!
Dimitri gritava com lágrimas nos olhos ainda revirando os pertences do filho atrás de mais drogas.
– Nós vamos superar isso, vamos te curar. A mamãe promete.
Marie segurou com firmeza o garoto que ainda tentava se flagelar.
[Dias atuais]
Ao acordar, Sophie percebeu que não era a única que tinha adormecido. E também percebeu que Eros ainda estava de mãos dadas a ela e dormindo sobre o seu ombro como uma criança.
Não sabia se se mexia arriscando acordá-lo ou apenas voltava a dormir, mas antes de decidir, preferiu observá-lo por alguns instantes.
Já estava quase se acostumando com essa realidade de dormir nos ambientes com ele, mesmo que ele fosse um suspeito.
Ela queria acreditar na inocência dele ao mesmo tempo que apenas de se lembrar da petulância dele em quando se conheceram sentia seu sangue ferver.
Ele sabia bem como irritar uma pessoa quando queria.
– Você gosta dele?
A voz de Linux quase fez o coração da garota parar com o susto.
O mais novo já observava aqueles dois sentados lado a lado por um tempo desde que acordou e achou interessante a maneira como Eros se agarrou aquela delegada a quem ele tanto odiou no início.
Um pouco contrangida com a pergunta repentina, Sophie tentou sorrir de maneira convincente.
– Do que está falando? Somos namorados...
Quis desconversar, mas Linux tirou os próprios óculos e respirou fundo.
– Vamos, eu sei que isso tudo é uma farsa. As mentiras de Eros nunca me convencem.
Dissuadiu o mais novo enquanto recostava sua cabeça de volta na cama e apertou um botão para que o leito erguesse seu torso.
A escocesa quis se encolher em vergonha mas isso acordaria o lutador, então se manteve calma.
– Só você sabe a verdade então?
Perguntou suspendendo suas sobrancelhas apreensiva.
– Sim. Por qual motivo eu iria querer estragar o plano de vocês?
Linux deu de ombros não muito interessado naquela história de namoro falso, pra ele tudo o que importava era que seu irmão estivesse bem, mesmo que ele mesmo não estivesse.
– Obrigada.
Murmurou a policial um pouco constrangida.
– Não me agradeça. De toda forma eu acho que ele se afeiçoou a você.
O moreno sorriu fazendo Sophie se lembrar da maneira como o pai deles sorria. Linux era o filho que mais se parecia com o patriarca da família, isso era um pouco assustador até.
– Como assim?
Indagou a garota sentindo Eros se remexer um pouco e ajustar sua cabeça ainda recostada no ombro alheio.
– Não sei, nunca vi ele tão próximo de outras pessoas além da família.
O moreno explicou se lembrando de como Eros era na infância e adolescência.
Vivaz, pró-ativo, petulante, corajoso. Tudo isso antes daquele maldito incidente.
– Pensei que ele era extrovertido.
Sophie comentou baixinho tentando não acordar o lutador que parecia já dar sinais de que iria despertar.
– Sim, mas isso não significa que ele confia em qualquer um.
Sorriu o mais novo e a garota meneou a cabeça.
– Ele confia em mim porque eu sou policial.
Afirmou ela.
– Sophie, se ser militar ou policial fosse algo digno de confiança, então todos estaríamos perdidos. Vai por mim.
Linux disse olhando para o teto da aeronave e depois para a janelinha ao seu lado. Eles já estavam pousando.
– Obrigada pela parte que me toca?
Provocou ela e Linux riu um pouco e gemeu colocando a mão na barriga, mas foi algo que não inibiu sua risada, mesmo com a preocupação da delegada sobre o estado do garoto.
– Touché.
Disse Linux, mas antes que pudessem continuar conversando, Eros ergueu sua cabeça de cabelos escuros e despenteados com as sobrancelhas totalmente franzidas.
– Argh... calem a boca, tô tentando dormir...
Fez bico e Linux revirou os olhos.
– Já estamos pousando, i****a.
Noticiou o mais novo fazendo o lutador abrir os olhos de uma vez e olhar em direção a janela vendo que agora o avião já manobrava na pista de pouso.
– Já?
Sophie POV
O que Linux havia falado ficou na minha cabeça a martelando por um tempo pouco saudável, então como eu não sabia o que fazer com aquela informação, fiz o que qualquer um faria em meu lugar.
Me atolei em comida e trabalho, assim nada poderia invadir minha mente sem minha permissão. Nem mesmo um único pensamento indevido.
O pouso foi tranquilo, a transferência de Linux foi assistida por uma equipe médica e Eros foi junto na ambulância me deixando aos cuidados de Simon.
Não haviam muitos paparazzi ainda pois não conseguiram vazar nenhuma informação do horário do nosso voo, então chegar no hotel foi simples.
Estava um dia moderadamente frio então me deleitei com um banho quente e me enfiei sob as cobertas quentinhas daquele hotel cinco estrelas com a cara enfurnada no meu notebook.
Decidi que iria focar agora na história do sequestro dos filhos dos Zervas enquanto não podia dar andamento no caso do Eros.
Havia um boletim de ocorrência com uma data que batia exatamente com as informações que eu já tinha adquirido com Daphne e com Marie, mas o que eu não contava era que ao chegar em determinada parte do arquivo, eu precisaria de uma permissão especial.
Respirei fundo.
Okay, das duas uma. Ou é corrupção ou a merda foi feia.
– Boa noite, comissário Tudor. Teria como o senhor me conceder o acesso aos arquivos do sequestro das crianças Zervas?
Pedi com jeitinho, meus dedos dos pés se embolando no edredom ansiosos.
– Existe um bom motivo para esses arquivos não estarem a disposição de qualquer policial, Srta. Welsh.
Revirei os olhos.
Sabia que ele faria corpo mole para me ajudar no início.
– Eu realmente estou precisando deles para o caso do Sr. Zervas, comissário.
Segurei o celular com o ombro enquanto juntava minhas mãos em uma prece para que ao menos Deus me ajudasse nessa empreitada.
E ao ouvir o suspiro cansado do outro lado da linha eu já sabia que tinha vencido.
– Tudo bem, vou encaminhar tudo para o seu e-mail, mas se isso vazar a sua cabeça vai rolar, me ouviu Welsh?!
Disse ele rabugento e eu agradeci um milhão de vezes antes de desligar o telefonema com um sorriso vitorioso e até alguns pulinhos fazendo a cama balançar levemente.
– Nossa... com quem você falava tão animada assim? Nunca vi você sorrir assim para mim.
A voz de Eros quase me fez infartar e eu fechei meu computador quase que instantaneamente ao perceber que o lutador estava bem próximo a mim e eu não tinha percebido.
– Coisas de trabalho. Como está Linux?
Respondi de imediato e Eros suspendeu uma sobrancelha com o desvio do assunto mas não se negou a me responder o que eu perguntei.
Se ajeitando ao meu lado na cama - mesmo ainda de tênis - ele cruzou os braços e recortou na cabeceira suspirando.
– Bem. Vai receber novos medicamentos hoje mesmo.
Meneou a cabeça bocejando e depois me encarando como se eu fosse a coisa mais interessante que ele tinha para "fazer" naquele momento.
Senti meu rosto aquecer em um prelúdio de que em breve eu ficaria vermelha com toda aquela atenção.
– Você não tem que ir treinar ou coisa assim? Sua luta é daqui a poucas horas.
Desviei o olhar deixando de lado o notebook e pegando o controle da TV ligando em um canal qualquer, acabando por ser um documentário de pesca.
– Por que está tão ansiosa? Já é a segunda vez que fala nessa luta. Está com medo de ver seu namorado perder?
Não estava olhando para ele, realmente não estava, mas eu conseguia sentir o sorrisinho em sua voz ao que ele disse aquilo, então semicerrei meus olhos que estavam fixos nos pescadores do documentário tentando puxar a rede para dentro do barco.
– Cala a boca, eu não quis dizer nesse sentido.
Respondi ríspida sentindo meu rosto esquentar mais ainda.
Era impressionante a forma como aquele cara me deixava desconcertada.
Com o indicador ele puxou meu queixo para que eu o encarasse e eu recuei um pouco ao vê-lo descer deliberadamente com seus olhos para meus lábios.
– Você quer que eu perca? Se você quiser eu perco.
Sugeriu voltando com os olhos para encarar os meus e eu já sabia que estava vermelha como um tomate. A vergonha me invadindo como uma onda de um tsunami.
– O quê?! E por que você faria uma loucura dessas?
Exclamei me afastando um pouco mais dele, mas ele parecia ganhar cada vez mais espaço perto de mim, tanto que eu já podia sentir seu resfolegar em minhas bochechas.
Parecia que eu não era a única ofegante alí.
– Não resisto a uma mulher bonita mandando em mim.
Sorriu amplamente e eu senti a realidade cair com tudo sobre a minha cabeça.
"Cai na real, Sophie. Ninguém quer mulheres gordas, isso foi o que a mídia inventou para fazer as lojas de fast food venderem!"
Mesmo que eu não quisesse, mesmo que o homem em minha frente parecesse bem honesto, as minhas lembranças nunca permitiriam que eu passasse por isso novamente.
"Isso tudo foi culpa sua, garotas feias e garotas gordas não podem cair no primeiro papinho que ouvem ou terminam assim como você."
– Sai dessa, você já namorou com uma miss!
Dei uma risadinha nervosa afastando ele com minhas próprias mãos, mas mesmo com o modo descontraído que eu o afastei ele pareceu de alguma forma ler meu olhar.
Será que eu deixei óbvio demais?
– Andou querendo saber das minhas ex? Era só me perguntar.
Ele mesmo recuou dessa vez suspendendo as sobrancelhas novamente.
Suspirei um pouco aliviada por ele ter se afastado pelo menos um pouco.
– É o meu trabalho te investigar, i****a.
Voltei meu rosto novamente para os pescadores na TV que falavam sobre as diferenças de um Atum criado em cativeiro e um selvagem.
Nesse interim eu acabei não percebendo a maneira tranquila que Eros me encarava, seu rosto tombado de lado apoiado na mão amassando um pouco sua bochecha, seus cabelos caídos e bagunçados como sempre, seus olhos escurecidos pela noite cravados em minha direção.
– Mulheres são bonitas, mas você...
Deixou sua frase morrer piscando seus olhos lentamente como um doido e eu só pude corar profusamente sem saber como reagir com toda aquela atenção.
– Eu o quê? Olha Eros, você só pode estar bêbado ainda.
Balancei as mãos na frente dele e ele pareceu se recompor, já que ajeitou a postura e estalou o pescoço respirando fundo.
– Já se decidiu? Quer que eu perca a luta para você?
Sorriu mais uma vez e eu bufei percebendo que ele era memo louco de pedra.
Ergui meus olhos, ele não parecia hesitante. Queria mesmo uma resposta então eu balancei a cabeça.
– Não. Quero que você ganhe, sempre.
Isso era verdade. Eu não queria vê-lo perder aquele sorriso, não queria ter que enfrentar a única coisa estável na minha vida naquele momento ser roubada de mim.
Sinto muito por te usar assim Eros, mas no momento seus sorrisos são as únicas coisas que me fazem prosseguir.
– Então eu vou sempre ganhar.
Ele flexionou os braços se amostrando com aquele sorriso enorme e depois beijou minhas bochechas dizendo que iria treinar e depois ia direto para a arena.
Também disse que não precisava esperar ele para jantar, que eu podia pedir tudo o que eu quisesse. Disse que era para eu - obrigatoriamente - assistir sua luta pelo pay-per-view e que ele me daria a medalha assim como fez da última vez.
Como ele conseguia ser tão feliz quando claramente tudo ao redor dele estava ruindo?
Seu irmão estava doente, a polícia estava investigando ele por algo que ele supostamente não fez, o cara que o sequestrou estava a solta novamente e ainda tinha que sustentar um namoro falso para manter sua reputação.
Como Eros conseguia?
Coloquei na luta como ele me pediu e enquanto os cards preliminares estavam passando eu fui ler o que o comissário me mandou em busca de mais respostas.
Relatório de ocorrência
Caso: Sequestro
(Crime segundo a lei de 1991 no código penal inglês)
Número de vítimas: 3 (três)
Segundo os responsáveis legais das vítimas, o sequestro ocorreu na volta para casa depois de um dia no parque.
Os responsáveis foram comprar algo e Eros (a vítima mais velha, 15 anos) ficou em cargo de cuidar dos irmãos.
Os relatos que se seguem são das vítimas que tiveram visões diferentes do ocorrido, podendo haver divergências nos tais.
Relato de №1: Linux Alexandre Z.
O garoto relatou ter sido levado em uma van preta, quatro homens armados e com muitas caixas nos bancos de trás. Eles gritavam muito, principalmente com sua irmã mais nova que não parava de chorar.
Eles tiveram que trocar de carro algumas vezes "por causa da polícia" e na terceira vez houve um acidente envolvendo uma carreta e o carro onde estavam, causando uma grave concussão em sua cabeça.
Após isso, os três irmãos foram separados.
Meu coração estava disparado enquanto eu lia aquilo, não conseguia nem mesmo piscar enquanto lia aquelas linhas.
De todos os relatórios oficiais que eu já li, esse era o que mais tinha me afetado até agora e eu nem mesmo tinha lido o resto.
Relato de №2: Daphne Hestia Z.
A garota relata estar com os dois irmãos mais velhos quando homens grandes e maus pegaram ela pelos braços e a jogaram para dentro de um carro escuro.
Ela chorava muito principalmente quando eles gritavam com ela e não se lembra de quase nada além do acidente com a carreta e de estar abraçada a Eros.
O próximo era o de Eros.
Ergui meus olhos, vi que ele estava no ringue com seu sorriso brilhante se apresentando ao público normalmente.
Relato de №3: Eros Nikolai Z.
O mais velho dos três diz ter sido ameaçado com uma arma em sua nuca, por isso não pôde reagir conforme seus pais lhe instruíram a fazer e também viu os outros homens apontarem armas para seus irmãos então seguiu obediente as ordens.
Segurou firme em seus irmãos mais novos, obedeceu a cada troca de veículo e fez o seu máximo para decorar a rota.
Quando o acidente aconteceu, ele puxou Linux para fora do carro e o carregou nas costas enquanto segurava a mão de Daphne. Ele tentou fugir com os dois, mas foi alcançado não muito longe.
Pela tentativa de fuga, os criminosos os separaram em cômodos diferentes e administraram drogas em sua corrente sanguínea e as vezes em suas mucosas (gengivas, lábios, olhos, genitais) em busca de que ele desse a eles uma informação específica das forças especiais do exército.
Ele relata não lembrar de quase nada após isso, mas se lembra de quando a polícia os encontrou.
Meu estômago estava embrulhado. Minha boca estava com um gosto estranho e minhas mãos suavam.
Fechei o notebook, olhei para a tela da TV.
"Ele é um monstro! Hades, a quem você dedica essa vitória de hoje? Podemos dizer que essa luta foi diferente das demais por causa do knockout logo nos primeiros segundos de luta?!"
O repórter perguntou com entusiasmo enquanto Eros e sua equipe celebravam em frente as câmeras.
E com o rosto suado, a medalha sobre seu peito nu e um amplo sorriso ele disse:
"Essa é para a mulher mais linda do mundo! Minha namorada Sophie!"