Sophie POV
Enquanto eu me sentia vigiada como um peixinho em um aquário, Simon nos explicava como seria o jantar de hoje em detalhes que muitas vezes eram ditos em francês e eu não entendia porcaria nenhuma.
E na verdade eu não estava muito preocupada com passar a melhor imagem de todas, eu estava alí para garantir que aquele lutadorzinho não fizesse nenhuma merda sob minha custódia.
O decote em meus s***s pareceu ser revelador demais ao que eu notei a presença de Eros na sala e cobri o mesmo com a echarpe talvez como uma maneira de não me sentir vista.
Não importa o quão arrumada eu estivesse, ainda sim eu me sentiria insuficiente e por isso não gostava quando pessoas me encaravam como eles estava fazendo agora. Seja por admiração ou desgosto.
- Vamos logo, o Sr. Zervas deve estar em casa antes das 23h da noite.
Ditei vendo os olhos do lutador se arregalarem com aquela notícia que até então era inusitada para si.
- O quê? Por quê?!
Exclamou perceptivelmente surpreso com o que para ele era novidade, mas me recordo de ter passado ao seu assistente todas as condições que Eros tinha que cumprir nesse período em que estava sendo investigado.
- Ordens diretas do comissário.
Respondi entediada, não me importava se ele achava aquilo injusto, arbitrário ou qualquer que fosse sua opinião. Meu trabalho precisava ser feito, mesmo que agora eu não parecesse exatamente como uma policial.
- Isso todos os dias?
Questionou como se aquilo fosse de alguma maneira suavizar algo em sua mente e eu afirmei.
- Sim, exceto os finais de semana.
Expliquei vendo o horror banhar sua feições como se eu estivesse desossando um cadáver em sua frente.
E não, eu não estou exagerando.
- Isso não configura prisão domiciliar?!
Disse ele indignado e eu mesma me dei ao direito de ficar igualmente indignada.
Ainda que seus olhos não fossem os mais suaves e receptivos em minha direção, eu ainda esperava que ele me entendesse de alguma forma.
Mas pelo visto isso não ia acontecer.
Eros cumpria fielmente seu estereótipo de rico e mimado.
Não queria de jeito nenhum arcar com as consequências de seus próprios atos.
Algo que me deixava bem impressionada, já que seu pai aparentava ser um homem muito correto.
- Não, até porque você pode ficar até mais tarde na rua, mas só vai ganhar a atenção de mais alguns policiais. É isso o que você quer?
Suspendi uma de minhas sobrancelhas indicando a ele que a situação em que ele se encontrava não era tão agradável e maleável como ele possivelmente estava achando ser.
E vendo seu rosto abaixar em um misto do que parecia ser vergonha, medo, irritação e mais algumas coisas, eu quase ri.
- Imaginei que não.
Disse me levantando com a ajuda de Simon para me colocar sobre os saltos que eu usava.
Não era uma grande entusiasta de saltos, até porque meus pés não tinham curva - sim, eu tinha pés chatos - então para mim a dificuldade disso era incrivelmente maior.
Mas é claro que eu nunca diria nada a nenhum deles.
- Precisamos ir. Sr. Zervas, o carro já os espera na garagem.
Simon comentou finalmente me deixando sozinha sobre meus pés e eu olhei para eles um pouco consternada.
- Eu posso ir com o meu carro.
Disse de antemão já que era bem particular de pessoas como Eros quererem fazer pessoas como eu engolirem sua riqueza garganta a baixo.
- Com aquela coisa minúscula? Nem pensar, minha acompanhante tem que estar no meu nível.
O próprio desdenhou com uma careta de quem preferia pisar no inferno ao ter que ver um corsa de perto.
E é claro que eu não podia deixar aquilo barato.
- E o que significa exatamente estar do seu nível, Sr. Zervas? Ser um traficante?!
Perguntei sarcástica e vi ele me encarar por alguns segundos antes de dizer triunfante:
- Você vai ver, querida.
[...]
Por um lado ele estava certo. Eu vi.
O local onde fomos deixados pelo bentley de Eros dirigido por Simon era completamente além de qualquer expectativa minha.
Como em qualquer canto da Inglaterra, nesse lugar tinha um palacete e agora (bem diferente de como era de costume da época de sua construção) ele era todo iluminado e os vitrais que remetiam a sua velhice brilhavam lindamente.
A escadaria ampla de corrimões de pedra davam tudo uma sensação ainda maior de realeza e eu não pude me opor ao braço de Eros estendido para mim.
Primeiro porque precisava me equilibrar em algo, e depois que eu não saberia como me portar naquele lugar se não fosse conduzida a isso.
Mas não se engane, meus olhos estavam mais atentos ao movimento das pessoas do que nos cristais, lustres, cerâmicas e luxuosidades do local.
Ao entramos no lugar que refletia todo o luxo que o exterior já fazia questão de ser o prelúdio, algumas pessoas voltaram seus olhos para nós.
Os paparazzi nos notaram finalmente e seus flashes furiosos em nossa direção eram quase que uma violência e eu não conseguia parar de piscar enquanto Eros parecia nem mesmo se incomodar.
- Hades, é verdade que você está sendo investigado pela polícia?!
Perguntou um repórter no meio da muvuca.
- Hades, você tem mesmo uma vida dupla no ringue e no crime?!
Outro gritou lá do fundo.
- No tempo certo a verdade vai aparecer, não se preocupem.
Eros parecia confiante, parecia como ele mesmo se intitulava: invicto. Era como de nada e nem ninguém fosse capaz de tirar sua paz.
Não entendia como ele conseguia se manter tão tranquilo com aquilo, mas de alguma forma aquela tranquilidade me fez querer acreditar nele.
Mesmo que eu soubesse que bandidos sabiam mentir muito bem e que eu não podia me deixar ser levada por sua aparência de bom moço.
E com a mesma tranquilidade que respondeu aqueles repórteres fofoqueiros, ele continuou me guiando para dentro daquele palacete que ao fundo já tocava algo como jazz bem baixinho.
As pessoas que já tinham chegado eram apenas a nata da nata da sociedade.
Claro que também tinham celebridades, riquinhos emergentes e atletas como o próprio Eros, mas grande parte era composta de ricos que nasceram ricos.
Também tinham alguns advogados famosos, cirurgiões de sucesso, até mesmo alguns figurões das forças armadas.
Eros não estava brincando quando disse que era um jantar importante.
E todos aqueles homens - salvo as mulheres - tinham acompanhantes modelos ou que ao menos se assemelhavam com modelos.
Magras ao extremo, plastificadas e envelopadas a vácuo em vestidos caros.
Então nem preciso dizer quem era a única dissonante naquele ambiente, certo?
Mas ao contrário do que eu pensava que Eros faria, ele continuou de braços dados a mim e me apresentou como sua acompanhante aos primeiros interessados que chegaram para conversar com ele.
O primeiro deles, Irwin Block, um homem alto e pálido, jogador de basquete famoso e provavelmente amigo ou colega de Eros, já que os dois se cumprimentaram calorosamente.
Irwin estava acompanhado do que era praticamente uma xerox das outras acompanhantes dos outros homens. Uma mulher loira, magra, alta e vestida em algo caro.
– Ora, ora se não é Hades o invicto!
Sorriu o jogador amplamente após o cumprimento e Eros sorriu de volta. Eu não precisava ser muito inteligente e nem muito próxima dele para saber que aquele sorriso era falso, mas aparentemente isso não importava alí.
– Você desapareceu cara! Nunca faltou uma única festa e agora aparece aqui com uma mulher... diferente.
O timbre de voz e a maneira articulada com que aquele jogador que tentava ser simpático falava não me enganava. Ele havia percebido que meu lugar não era alí e estava me hostilizando de maneira velada.
– Não entendi o que você quis dizer.
Foi o que o lutador que ainda tinha o braço enganchado no meu disse olhando para o colega com seus olhos verdes bem atentos, quase assustadores se encarados de perto.
– Ah, qual é Eros? Você sabe bem do que eu estou falando, gordura a gente só come na picanha. Na cama é carne magra!
Disse o jogador entre um gole de champagne e outro e eu no exato momenho em que ouvi aquilo quis dar meia volta e voltar para o meu apartamento úmido com meu gato.
Eu já tinha bastante autoconsciência, ninguém precisava ficar me lembrando constantemente de que meu peso e meu corpo eram repugnantes.
– De todas as merdas que você já falou, essa é a mais imperdoável. Então se me der licença, estou de saída antes que eu acabe com os ossos do seu rosto.
Eros disse com uma calma principesca e eu, de pobre criatura triste e ofendida, fui elevada a um estado de torpor ao ouvir ele me defendendo.
– Você acabou de me defender?
Perguntei baixinho enquanto ele nos guiava até o salão principal onde seria servido o tal jantar.
Eros riu baixo, puxou a cadeira para eu sentar e logo se assentou.
– Eu não gosto da sua presença e realmente preferia estar com outra pessoa agora, mas não poderia deixar ele falar de você assim. Eu sou homem, afinal.
Explicou sereno puxando o guardanapo de pano que estava envolto em um anel de prata bem polido e cobriu seu colo e eu segui seus movimentos não tendo a mínima ideia do que fazer em um jantar como aquele.
Não agradeci a ele mas também não disse nada em resposta, apenas me dignei a olhar para a mesa tomando um susto ao notar a quantidade absurda de talheres e recipientes para cada convidado.
Santo Deus, eu não sabia para o que servia nenhum daqueles utensílios!
– Eros... que merda é essa? Por quê tem tanto talher?!
Sussurrei gritado e vi ele prender uma gargalhada ao ver meu desespero.
– Bom, aposto que não ensinam etiqueta à mesa na academia de polícia, não é?
Zombou ele dando um aceno positivo para que o garçom nos servisse o vinho, ou melhor, os vinhos. Já que tinham três taças, uma para vinho tinto, outra para branco e outra para água.
– Tem como você parar de gracinha e me explicar?!
Quase perdi o controle da altura da minha voz e vi ele sorrir sacana ao ponto de mostrar uma de suas covinhas.
– Do lado direito, de fora para dentro, colher de sopa, colher de chá e faca de jantar.
Sua mão, tão calejada quanto a mão de alguém que exercia a profissão dele podia ser, gesticulou sobre os talheres de maneira discreta.
– Do lado esquerdo, de fora para dentro, garfo de salada e garfo de jantar.
Passei os olhos sobre os objetos e observei a maneira calma e ao mesmo tempo impaciente com que ele me explicava.
Eu entendia o lado dele, afinal eu estava alí atrapalhando sua vida por causa de algo que simplesmente veio como um meteoro para atrapalhar sua carreira.
Mas o que eu poderia fazer? Precisava cumprir meu trabalho.
– Acima dos pratos, colher e garfo de sobremesa respectivamente. Aquele pratinho do lado com uma faca é para o pão.
Ditou rapidamente nem mesmo me dando tempo de memorizar.
– E os pratos é simples, a tigela é para a sopa, o prato menor para a salada e o maior para o jantar. Entendeu?
A pergunta feita no final foi em um tom de "não me faça explicar tudo novamente" então eu apenas acenei que sim.
– E por que tantas taças?
Perguntei e ele respirou fundo revirando os olhos.
– Cada comida harmoniza com uma bebida diferente e a água serve para limpar seu paladar a cada troca de pratos.
Apontou para as taças e eu provavelmente parecia tão surpresa quanto me sentia já que ele deixou escapar um risinho.
– Seus pais te ensinaram isso tudo?
Não segurei minha curiosidade mas ele fez uma careta ajeitando o anel de ouro branco que portava em seu mindinho.
– Meus pais? Ha! Aqueles dois comem de garfo e faca apenas porque são obrigados. Eu aprendi tudo isso com meus agentes.
Abanou as mãos e eu não sabia se isso era um costume dele ou se era cultural dos gregos, mas ele realmente era um cara que gesticulava bastante.
E ouvindo aquilo eu me surpreendi já que imaginava ele apenas como o suprassumo do nepotismo, alguém nascido em berço de ouro e em fraldas de prata.
– Então não é tão humilhante aprender isso só agora, né?
Comentei na esperança de que ele dissesse que sim.
Eu devia estar realmente muito m*l para precisar de validação de um suspeito de tráfico de drogas.
– Não tem nada de errado em não saber essa baboseira i****a. Qualquer talher aqui saciaria nossa fome de toda forma!
Fez uma careta mas logo emendou em uma pergunta:
– E seus pais? Também não sabiam etiqueta à mesa?
Apontou para os pratos e agora já estava sendo servida a sopa que abriria o jantar pelo que eu entendi.
Suspirei, não queria falar muito sobre isso, principalmente com o suspeito em quem eu tinha que permanecer de olho, mas me limitei a responder ele com curtas frases.
– Não tenho pais. Morava com meu avô e meu irmão na roça.
Respondi uma meia verdade, apenas a que me convinha dizer agora.
Ele não poderia fazer nada por mim, ninguém podia.
– Ah... sinto muito.
Parecia dizer da boca para fora, na verdade Eros nunca saberia o que era realmente crescer sem pais. Ele tinha uma família perfeita, eu vi sua ficha, vi como todos são unidos até hoje e não pude deixar de invejá-lo.
Mas antes que o silêncio constrangedor tomasse conta da nossa conversa, um tilintar de taça preencheu o ambiente e o anfitrião, um velho rico e branco (para variar) ergueu a taça.
– Um brinde à esta noite formidável!
Dalí para frente eu apenas copiava a maneira que as outras pessoas comiam torcendo para que ninguém puxasse assunto comigo, o que graças a Deus não aconteceu.
Talvez os ricos soubessem de alguma forma que eu não pertencia a classe deles mesmo vestida como uma.
Já Eros parecia estar em seu habitat natural, volta e meia falando em francês com algumas pessoas, rindo de piadas de rico, falando sobre cotações da bolsa de valores, palpitando sobre a economia, marcas de luxo, política.
Eros era simplesmente a celebridade perfeita. O que me deixava com uma pulga atrás da orelha.
Alguém tão perfeito assim precisava ter algum defeito de caráter.
Não sabia se isso me fazia suspeitar mais ou menos dele, mas foi um entretenimento bem interessante vê-lo conversar, ainda que não comigo.
– Senhor, precisamos ir, amanhã o senhor tem luta.
Simon disse meia noite em ponto e como um robozinho, Eros se despediu, se agarrou em meu braço novamente e saímos daquele lugar antes mesmo da sobremesa ser servida quebrando as normas da etiqueta.
– Argh... finalmente acabou!
Disse ele arrancando a própria gravata no banco de trás do luxuoso bentley que nos levava de volta para a cobertura dele.
– Pensei que você gostava de ser famoso.
Comentei tentando não deixar transparecer que estava tentando tirar alguma informação dele sobre suas ocupações.
– Eu amo. Mas essa falsidade toda me enoja. Prefiro meus amigos de balada, ao menos eles são sinceros.
Depois disso um silêncio se instaurou novamente.
Amigos de balada. Anotei mentalmente.
Precisava saber quem eram, o que faziam, onde moravam.
Precisava saber tudo de todos que circulavam Eros.
– Quer que eu a deixe em sua casa, senhorita Welsh?
Perguntou Simon me olhando pelo retrovisor e eu neguei veemente.
Não apenas por ter deixado meu carro no edifício Grécia, mas porque seria humilhação demais passar com um bentley que carregava dentro de si uma celebridade na frente daquele condomínio decrépito onde eu vivia.
– Não, obrigada, Simon. Preciso buscar meu carro.
Sorri nervosa, coisa que não escapou dos olhos de Eros.
– Esteja de volta de manhã bem cedo, meus treinos começam às seis e não posso me atrasar.
Ditou ele e eu quase me engasguei.
Às seis?! Mas eram meia noite! Até eu me deitar só me restariam 5 horas de sono!
– Algum problema, delegada? Seja bem vinda ao meu mundo.
Disse Eros com certo amargor.