Sophie POV
Abro os meus olhos em uma constatação miserável de que não, eu não morri dormindo e teria que me levantar às cinco da manhã para perseguir um riquinho mimado por aí em troca do meu salário.
Minha gata já miava bem próximo do meu rosto em um protesto nada silencioso de que eu havia esquecido de colocar comida para ela na noite anterior.
Contudo, em minha defesa, eu cheguei quase desmaiando de cansaço e já fui logo tomar minha boa e velha melatonina para apagar na cama.
Desde que havia largado os ansiolíticos ela era a única que ainda me ajudava a dormir.
Já a gata me ajudava a acordar.
O nome dela é Nora. Bom, não apenas Nora.
Nora é o apelido para Noradrenalina.
E sim, eu tinha uma boa explicação para ter colocado o nome da minha gata de Noradrenalina, mas estava atrasada demais para pensar nisso agora.
– Já ouvi. Já ouvi, Nora.
Resmunguei colocando meu corpo para fora da cama e assim que consegui alcançar o pacote de ração dela escutei meu celular tocar em meu quarto competindo com os miados incessantes da gata.
– Argh... são cinco da manhã, tenha santa paciência!
Reclamei colocando a ração na tigela da gata e me arrastando de volta para o quarto vendo que era o agente de Eros quem me ligava.
Sério isso? Eram 5:12 da manhã! Esse cara não podia ser humano.
– Welsh.
Atendi bocejando.
– Bom dia, senhorita. Estou te ligando apenas para saber se gostaria que eu te buscasse.
Suas palavras quase que embaralhavam as ideias que ainda estavam em um ritmo lento em minha cabeça, então eu olhei para a janela percebendo que chovia.
Por mais que parecesse muito tentador ir dentro de um carro de luxo quentinho enquanto alguém dirige para você, eu não poderia simplesmente me dar também ao luxo de me deixar ser comprada daquela forma.
Eles não podiam sentir que estavam me dissuadindo de maneira alguma.
Até porque não estavam.
Eros para mim era tão culpado daquele crime quanto qualquer outra pessoa que esteve naquele camarote naquele dia.
– Não tem necessidade, apenas me mande o endereço.
Disse em um tom de tédio e sono que estava bem além do meu normal. Possivelmente já era meu corpo se recusando a estar na presença de Eros mais uma vez.
– Leve consigo um livro ou algo assim, provavelmente teremos um dia longo pela frente.
Simon fez questão de salientar, como se eu fosse uma criança que precisasse de distração enquanto os adultos trabalham.
Se eles pensam que vão conseguir me distrair para cometerem seus delitos então eles estão muito enganados comigo.
– Obrigada pela dica, Simon. Te vejo em alguns minutos.
Apressei o encerramento daquela conversa tentando fazer com que meu sofrimento acabasse rápido, mas obviamente o destino tinha outros planos para mim.
– Ah, e senhorita Welsh!
A voz dele interrompeu o caminho do meu dedo até a tecla de desligar, então eu bufei e devolvi meu celular a orelha.
– Sim?
Respondi quase que em um grunhido irritado.
– O senhor Eros pediu para avisar que hoje ele tem um almoço na casa da família dele.
Ah, ótimo!
Além de tudo eu ainda teria que aguentar mais um monte de versões diferentes do mesmo cara em um só lugar e ainda teria que pular o horário do meu almoço
– Tudo bem, obrigada.
Desliguei finalmente me resignando a preparar minha mochila e tomar um infinito banho de cinco minutos para tentar espantar o sono do meu corpo, mas não havia nada que pudesse fazer isso por mim agora.
E da mesma forma displicente e atordoada, eu dirigi pela chuva por uns bons vinte minutos ainda com o sol nascendo até chegar no CT de Eros.
Bem, agora vou te dar alguns minutos para pensar no nome mais clichê possível para esse centro de treinamento que foi fundado exclusivamente para treinar Eros e os outros lutadores da sua agência.
– Que original...
Pensei olhando para a fachada do local "Centro de treinamento Olímpo".
Eu não sei exatamente o porque, mas tudo que envolvia aquele cara me irritava. Tipo isso agora, por que tudo dele sempre tinha que ser tão cafona?
Mas ao mesmo tempo ele não era uma pessoa cafona, o que me deixava sem entender o que aquele cara realmente era.
Será que Eros, o lutador, era apenas um personagem?
Ou talvez fosse apenas a falta de cafeína no meu sangue.
– Bom dia, delegada.
Simon me cumprimentou com um sorriso confiante, ele estava bem agasalhado em um uniforme que continha a logo do CT e me acompanhou porta a dentro pelo ambiente climatizado e de iluminação estratégica.
Parecia uma grande academia comum, mas o chão era todo revestido em tatame escuro e tinha um grande octógono no centro. No segundo andar tinha uma academia convencional onde depois - segundo Simon - os lutadores iam malhar.
Tudo parecia extremamente perfeito, como se todos estivessem esperando apenas a minha pessoa para começarem a encenação.
– Pela sua cara parece que nem mesmo meus funcionários te convenceram.
A voz rouca e peculiar do lutador soou no ambiente que já tocava uma daquelas músicas infinitas de academia de fundo e eu levei meus olhos até ele.
Ele estava com uma bermuda curta de tactel preta, uma blusa de compressão da mesma cor mas com a sua logo, que - a saber - era parecida com um naipe de ouros ou um losango vermelho e tinha seu nome de lutador "Hades".
Descalço e bebendo algo insosso em sua garrafinha com algum nome de patrocinador ele apareceu em minha frente com seu sorriso iluminando o ambiente de maneira irritante.
– Não estou aqui para ser convencida de nada. Estou apenas fazendo o meu trabalho.
Respondi rispida tentando me convencer de que aquele meu mau humor era apenas por ser cedo demais para ser boazinha.
Seu sorriso aumentou, as covinhas se afundando em suas bochechas e ele passou a mão pelos cabelos escuros.
– Sei disso, princesa. Agora que tal botar um sorrisinho no rosto, hm? Logo logo vai ter uma luta privada aqui e você vai ter o privilégio de assistir!
Abriu um pouco os braços me dando um breve vislumbre dos músculos bem contornados de seus braços.
E evitando a visão tentadora eu abanei minha cabeça.
– Não gosto de lutas.
Menti descaradamente e ele pareceu acreditar, já que sua expressão se retorceu em algo parecido com decepção.
– Espera, você não gosta de luta? Então você gosta do quê?
Perguntou como se houvesse apenas um esporte ou um hobby no universo do qual eu poderia gostar, sendo esse o MMA.
– Não interessa, o investigado aqui é você. Apenas faça o seu trabalho que eu farei o meu.
Respondi no auge da minha falta de paciência, e mesmo vendo que aos poucos chegavam algumas pessoas eu me mantive irredutível no que dizia.
Já ele pareceu um pouco constrangido com aquela situação.
– Olha, eu já te disse que eu sou inocente.
Murmurou entre dentes, não como uma resposta, mas mais como uma ameaça.
Quis rir, mas me contive em um sorriso polido.
– Isso não prova absolutamente nada. Agora se me der licença, eu vou inspecionar o local.
Gesticulei e vi que as pessoas que chegavam para assistir a luta especialmente no CT de Eros eram pessoas como aquelas que estavam no jantar da noite passada. Ricas e esnobes.
– Fique a vontade, delegada.
Me respondeu com tanta firmeza que eu não tinha certeza se ele estava falando sério ou apenas blefando.
Essa era a pior parte de ter que investigar alguém como ele, nunca ter certeza de nada.
E eu queria dizer que me mantive fiel a minha missão quando a luta começou, mas meus olhos automaticamente foram atraídos para o ringue onde Eros, agora Hades, se movimentava com uma fluidez quase que hipnótica.
Hades possuía um sorriso largo, dava passos em sua guarda confiante enquanto desferia golpes e os recebia sem nem mesmo tontear. Era como ver um pintor trabalhando em sua mais nova obra de arte.
Mesmo com meus olhos atraídos para a cena, não pude deixar de notar Simon conversando em um canto com alguém que parecia ser da equipe do lutador rival. Não tinha certeza se aquilo era normal, mas me mantive quieta observando tudo e todos.
Assim como também havia notado alguns riquinhos já usando alguns tipos de entorpecentes logo naquela hora da manhã e não fiz nada, queria analisar o cenário como um todo e foi isso que eu fiz.
A luta terminou no primeiro round como era de costume das lutas de Eros e ele saiu vencedor com um knockout lindo de um soco giratório que acertou a mandíbula do outro lutador.
Eros parecia inatingível, parecia realmente um deus quando estava naquele octógono.
Haviam alguns repórteres e também alguns fãs, então me afastei daquele povo indo até Simon que agora estava sozinho mexendo em algo em um tablet.
– Oh, senhorita Welsh! Como posso ajudar?
Perguntou ele sorridente e eu observei sua mudança de expressão rápida de maneira calculada.
– Você conversa com os agentes de outros lutadores com frequência?
Perguntei intrigada para saber o que ele tanto falava com aquele outro homem.
– Sim, sim. Sempre existem coisas que precisamos alinhar, em uma luta com pessoas tão famosas quanto eles existe muito mais do que socos e chutes!
Explicou com aquele mesmo sorriso educado de sempre e eu me contentei com aquela resposta por hora.
– Vamos, agora o senhor Eros tem fisioterapia.
Apontou para o que parecia uma planilha em seu tablet e eu não pude deixar de revirar os olhos.
Eu estava me sentindo mais como uma fã do que como uma investigadora seguindo Eros para todos os lugares, mas mesmo que minha indignação fosse grande, a vontade de terminar aquela missão era maior ainda. Então eu precisava achar logo uma prova de que ele era culpado - ou inocente - e encerrar esse caso.
Caso contrário eu iria enlouquecer.
[...]
– E aí, gostou da luta?
Aparecendo repentinamente em meu campo de visão, Eros pergunta secando seus cabelos com uma toalha escura e eu finjo por um momento que estou mais entretida com os dados do CT que a secretária me forneceu.
– Nem assisti, estava ocupada.
Passo uma página fingindo ler algo que eu nem sabia mais do que se tratava e ouvi ele rir.
– Mentirosa, eu vi você me encarando.
Murmurou próximo ao meu ouvido e eu senti meu corpo arrepiar comigo torcendo para que fosse de desgosto.
– Foi só no finalzinho.
Admiti ter olhado, mas nunca admitiria ter assistido a luta, e erguendo meus olhos percebi que ele estava muito mais perto do que eu gostaria que ele estivesse.
Ele não estava ainda a pouco sendo massageado e tendo seus músculos esticados e relaxados por um fisioterapeuta? Por que ele simplesmente não conseguia focar no que estava fazendo e me deixar em paz?
– A luta teve menos de dois minutos, não mente!
Insistiu como se aquilo fosse questão de honra para ele, seu corpo perto demais do meu, o suficiente para quase me fazer entrar em pânico.
– Todos os seus dias são assim?
Desviei o caminho da conversa tentando fazer com que ele se afastasse e por agora deu certo, já que ele se afastou confuso.
– Assim como?
Questionou.
– Lotados de coisas pra fazer.
Deixei os papéis de lado por um segundo e vi as feições dele caírem por um microsegundo, coisa que eu certamente nunca perceberia se não trabalhasse lendo as expressões das pessoas.
– A maioria sim, não se pode descansar quando você quer ser o melhor.
Ergueu aquele sorriso grande novamente, mas agora eu não estava mais hipnotizada por ele, sabia que aquilo era artificial. Eros estava escondendo algo.
– Até quando você vai tentar me incriminar?
Perguntou do nada me tirando de meus pensamentos e eu pisquei rapidamente.
– Te incriminar? Eu estou apenas atrás da verdade.
Expliquei mais uma vez e ele abanou a cabeça como se aquela resposta não fosse a que ele queria ouvir, então disse:
– Okay, okay... que seja. Estamos atrasados.
Suspirou e eu o olhei confusa. Atrasados para o quê?
E parecendo ler meus pensamentos ele emendou:
– Atrasados para o almoço, Simon não te avisou?
Franziu o cenho certamente já prestes a dar uma bronca em seu agente.
– Ah sim, já estava me esquecendo desse detalhe.
Revirei os olhos não imaginando como poderia ser uma casa cheia de pessoas como ele.
[...]
Contrariando tudo o que eu pensava, ao seguir o bentley que carregava o importante lutador, acabei por chegar em uma vila militar.
Como pode ele ter um prédio só dele e os pais dele viverem em uma vila militar?
Se bem que depois de conhecer seu pai meio que isso era imaginável.
E em uma casa espaçosa, perto de uma pracinha estava a caixa de correio que logo dizia a quem pertencia o local. "Residência Zervas".
A grama bem aparada, a casa bem pintada e as janelas abertas davam a impressão de que quem vivia alí era bem disciplinado ou uma família bem harmoniosa.
– Você gosta de rock?
Foi a primeira coisa que Eros me perguntou ao que eu saí do carro e pisei no gramado da casa que um dia ele já morou.
A julgar pelos seus olhos apressados isso significa que a minha resposta era crucial para o momento.
– Não muito, por quê?
Respondi sem pensar muito. Por quê eu estava ansiosa como se eu fosse conhecer a família do meu namorado? Eu estava alí a trabalho!
– A partir de agora você gosta. E não pergunte a Daphne nada sobre marcas de luxo, por favor.
Ao ouvir aquilo eu tentei buscar algo em minha mente do momento em que li sua ficha para saber quem era Daphne, mas nada veio em minha cabeça.
– Olha, Zervas, eu tô aqui pra fazer o meu trabalho apenas. Não vim conhecer sua família e nem nada do...-
Fui interrompida assim que a porta se abriu, já que Eros tocou a campainha como se fosse um desconhecido na casa de sua própria família.
Quem abriu a porta foi o pai de Eros, mas agora ele parecia ter se livrado da cicatriz que tinha em seu rosto e cortado o cabelo.
– Ih... Marie, o Niko junior trouxe visita!
O homem em nossa frente sorriu abertamente e eu ainda tentava entender o que além do óbvio tinha mudado no pai de Eros.
Logo uma figura de cabelos escuros e de meia idade se meteu entre ele e a porta sorrindo ao nos ver.
– Visita? Ah! É a delegada que eu tava falando! Entre querida, esse é o Damon, tio do Eros.
Me puxou pela mão e eu franzi o cenho arregalando os olhos para o homem que eu até então achava ser o pai de Eros.
– Ai meu Deus, você é idêntico ao...-
Constatava mas Damon me interrompeu com um sorriso de quem já estava acostumado com aquilo.
– Ao pai dele, sim. Somos univitelinos.
Explicou, mas não tive tempo para associar que o pai do suspeito tinha um gêmeo já que uma segunda voz feminina me chamou a atenção para a sala de estar onde uma cabeleira loira se ergueu.
– O Eros tá namorando?!
A loira, que pintava suas unhas do pé quando entramos, arregalou suas orbes azuis e eu percebi na hora que ela era irmã de Eros. Algo entre o rosto e a maneira de falar me dizia isso.
– Ela não é minha namorada, Daphne.
O lutador disse entediado tirando os sapatos e já claramente desistindo daquela conversa ao se jogar no sofá me deixando sozinha entre Marie (que provavelmente era sua mãe) e seu tio.
– Sinta-se em casa, não repara a bagunça, ter tantos jovens em casa deixa tudo mais difícil de controlar.
Marie disse me guiando até a sala que tinha o pé direito alto e era bem cheia de luz natural.
Um sofá em L de cor clara, uma TV grande com alguns consoles de videogame, mesinha de centro de vidro, tudo me remetia a uma casa de família comum.
– Como você é linda! Ainda bem que você não namora com o meu irmão...
Daphne disse mais uma vez agora sorrindo para mim me mostrando exatamente o que ela tinha em comum com Eros.
– Daphne!
Censurou o irmão.
– Obrigada, eu acho...
Disse coçando minha nuca e meu espírito introvertido já estava me fazendo dar passos para trás.
– Eu vou, sair para almoçar. Depois eu volto.
Tentei dizer mas Marie me puxou pela mão novamente.
– Nada disso! Hoje vamos ter comida italiana para o almoço, pense nisso como uma compensação por estar aturando meu filho!
Apontou ela e eu vi que Eros não estava gostando nada da maneira como ela estava falando, assim como os olhos dela apontavam alguma coisa além que eu ainda não sabia identificar.
– Mãe!
Protestou ele mas ela o silenciou apenas com um gesto de mão.
– Quieto, Nikolai. Vamos, querida...
Sorriu para mim me conduzindo a cozinha.