Capítulo 07

1208 Words
Coelho narrando Essa vida no tráfico é doideira. O tempo passa voando, e quando a gente pisca, já se passaram anos. Cada dia é uma batalha, um corre diferente, um risco novo. Mas, no fim das contas, só tem duas pessoas no mundo com quem eu me importo de verdade. Minha madrinha e minha irmã. A Jade é tudo pra mim. Ela não é só minha irmã de consideração, não é só alguém que cresceu do meu lado e que eu sei que faria tudo por mim. Ela é minha família. E minha madrinha… bom, ela me criou. Se eu sou quem sou hoje, foi porque ela me segurou no braço, me protegeu quando eu era um pivete, me ensinou a ser homem do jeito que deu. Eu só queria poder fazer mais por ela. Muito mais. Eu queria botar minha madrinha numa casa top, dar pra ela um tratamento de primeira, sem precisar que a Jade se mate em plantão de madrugada pra conseguir segurar essa barra sozinha. Ela faz mais do que deveria. Ela se cobra demais. Ela carrega tudo sozinha, e essa p***a me revolta. Se dependesse de mim, Jade não ia precisar trabalhar um dia sequer. Mas ela nunca me deixou fazer nada além do que já faço. Ela aceita que eu pague o aluguel porque sabe que eu faço questão. Mas fora isso? Esquece. Não adianta insistir, não adianta falar, não adianta tentar. Jade é orgulhosa pra c*****o. E eu respeito isso. Então, todo mês, no primeiro dia, eu vou direto acertar o aluguel com o Falcão. Ele já desconta direto do meu salário, nem preciso falar nada. Já tá automático. E o resto do dinheiro? Eu guardo uma parte, mas 70% do que sobra, eu dou pra Jade. Foi assim com esse dinheiro guardado com ela que eu comprei minha moto, e vou comprar meu carro ainda. A gente tem um acordo silencioso. Eu não discuto com ela sobre a p***a do emprego que ela arrumou, e ela não discute comigo sobre o trabalho que eu dou. As vezes ela dá uma surtada, me senta até a mão, mas eu sei que as vezes, (muitas vezes), eu testo o coração dela Tá certo assim. Cada um no seu corre. Mas todo dia, de um jeito ou de outro, a gente se esbarra no meio da loucura. Ela trabalhando de um lado, eu trabalhando do outro. E minha madrinha, coitada, ficava maluca vendo a gente assim. Ela tentava brigar, tentava fazer a gente desacelerar, mas não dava. A gente faz o que tem que fazer. Eu ainda não consegui comprar um carro, mas tô juntando. Jade tá ajudando também. Ela guarda um dinheiro pra mim, faz uns contatos, vê uns rolos. Não quero nada muito caro, só um carrinho que me ajude quando minha madrinha precisar. Porque quando ela passa m*l, eu preciso ter como socorrer. Mas como vapor, o dinheiro não vem tão fácil assim. Dá pra sobreviver, mas não dá pra crescer. A primeira coisa que eu consegui comprar com meu suor foi minha moto. E mano… que orgulho foi aquele dia. Jade foi comigo, do começo ao fim. Ela assinou os papéis, conferiu tudo, fez questão de garantir que nada ia dar errado. — Se um dia tu for preso, tu não pode perder tuas coisas. Essas foram as palavras dela. Por isso, botei tudo no nome dela. Minha moto é dela. Se um dia der merda, nada vai ser confiscado. Jade andou comigo no primeiro dia, ela foi a primeira pessoa a subir na garupa. E mano… eu nunca vou esquecer o sorriso dela. A gente passou o dia rodando, jogando conversa fora, zoando um ao outro. Parecia que naquele momento, o mundo inteiro podia acabar, mas a gente tava ali, vivendo. E por mais que a vida seja dura, esses momentos valem tudo. A verdade é que Jade é tudo pra mim. Ela me irrita, me desafia, me xinga. Mas no final, é ela que segura a minha barra. Eu vou retribuir tudo isso um dia. Eu vou dar o melhor pra ela e pra minha madrinha. Não importa o tempo que leve. Não importa o que eu tenha que fazer. Elas são minha família. O dia amanheceu pesado. Desde que acordei, eu sentia algo estranho no peito, uma sensação r**m, um aperto que não passava. Era como se alguma coisa estivesse errada, como se algo estivesse para acontecer. Mas eu tentei ignorar. Na favela, a gente não pode se dar ao luxo de ficar se preocupando com sentimento r**m. Aqui, ou você foca, ou morre. E eu escolhi viver. Mesmo me sentindo desse jeito, eu fui para o pagode. Era um baile fechado, só os nossos, só pra intimidar a polícia mesmo. Falcão queria mostrar força, queria marcar território. Queria bater de frente com a Core e o Bope antes da invasão. Mas eu não tava conseguindo ficar ali. O clima estava estranho, o baile estava esquisito. Não era só eu que estava com essa sensação. Dava pra ver na cara de alguns manos, no jeito que a tropa se movimentava, na tensão que pairava no ar. Alguma merda grande estava para acontecer. E foi então que a merda apareceu na minha frente. A menina que estava dizendo que tava grávida de mim apareceu completamente louca de lança perfume. O sangue me subiu na hora. — Que p***a é essa, c*****o? Tu tá me tirando pra o****o? Tá grávida e usando droga, p***a?! Ela riu, como se fosse engraçado. Como se fosse normal. Sem pensar, dei três tapões na cara dela. Fortes, o suficiente para ela entender que eu não tava de brincadeira. — Tu tá de s*******m, né? — cuspi as palavras, sentindo a raiva fervendo por dentro. Ela tentou argumentar, tentou jogar algum papo, mas eu já tinha perdido a paciência. Não tinha tempo pra isso, não tinha paciência pra p*****a querendo me fazer de trouxa. Foda-se. Se fosse pra resolver isso depois, eu resolvia depois. Naquele momento, eu só queria sair dali. Minha madrinha me ligou logo em seguida. E eu não pensei duas vezes. Fui direto pra casa dela. A guerra podia esperar um pouco. Quando entrei, ela já estava me esperando na sala, sentada no sofá, com a expressão carregada de preocupação. — Senta aqui, meu filho. Eu sentei, mas não disse nada. Ela pegou as minhas mãos entre as dela e respirou fundo. — Tô com um aperto no peito, Coelho. Tô sentindo coisa r**m. Minha pele se arrepiou. Eu estava sentindo a mesma coisa. Mas não quis falar nada. Não queria deixar ela mais aflita do que já estava. Então, eu só fiquei ali. Foi quando ela me puxou e me fez ajoelhar na frente dela. Botou as mãos sobre a minha cabeça e começou a rezar. Orei como nunca tinha orado antes. Ela pedia a Deus livramento, pedia proteção, pedia que o Senhor me guardasse debaixo do Seu manto. Eu não aguentei. Desabei ali, chorando como uma criança. Sem entender por que eu estava chorando daquele jeito. Eu nunca fui de chorar. Nunca fui de demonstrar fraqueza. Mas naquele momento, alguma coisa dentro de mim estava desmoronando. Quando ela disse “amém”, os fogos estouraram no céu.
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