Foram horas sem notícia.
Horas em que o celular não tocava.
Horas em que o mundo pareceu parar.
Depois que Gabriel desceu o morro com aquele olhar de guerra, nada mais foi igual.
A casa parecia vazia. O ar parecia denso.
E meu coração… estava trancado com ele.
Sentei no chão da sala, abracei os joelhos e fiquei encarando a porta.
Esperando.
Suplicando, em silêncio, que ele voltasse.
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A mensagem veio às 3h47 da madrugada.
> Nando:
“Gabriel tá no hospital.”
Eu li, reli, e o chão sumiu dos meus pés.
> “Qual hospital?”
“O da Vila Nova. Toma cuidado. Foi tiro.”
Não pensei. Não troquei de roupa. Saí correndo do jeito que estava. Peguei o primeiro ônibus com dinheiro trocado. O trajeto parecia interminável.
Cada parada era uma facada.
Cada curva, um soluço preso na garganta.
Cheguei no hospital com o corpo tremendo.
— Gabriel Matias! — gritei, empurrando a recepcionista. — Onde ele tá?!
Ela me olhou assustada.
— Ele tá na ala da emergência. Não pode entrar!
— Eu preciso ver ele! Eu sou da família! — menti. — Eu sou… dele.
Ela hesitou, mas não impediu. Eu corri pelos corredores frios, o coração batendo no ouvido.
Quando virei no final do corredor, o vi.
Deitado numa maca.
Sangue na roupa.
Olhos fechados.
E pela primeira vez, vulnerável.
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Quase desabei. Mas fui até ele com passos firmes. Peguei a mão dele. Estava fria. Tremendo.
— Gabriel… — sussurrei. — Fica comigo. Por favor.
Ele abriu os olhos devagar. Um corte acima da sobrancelha sangrava. O peito subia e descia com esforço.
— Eu… tô bem… — disse fraco.
— Cala a boca. Não mente pra mim.
Ele tentou sorrir. Uma lágrima escorreu do meu rosto.
— Você veio…
— Óbvio que vim. Onde mais eu estaria?
— Em casa. A salvo.
— Eu só fico a salvo do seu lado.
Ele apertou minha mão. Mesmo fraco, mesmo ferido, ele era o meu porto.
— Tentaram me pegar de surpresa. Mas eu tô aqui.
— Você quase morreu, Gabriel.
— Não posso morrer. Ainda não. Ainda tenho coisa pra viver… com você.
E eu chorei.
Chorei como nunca.
Porque ali, naquele hospital gelado, entre cheiro de sangue e desespero, eu percebi:
Se ele sangra… eu morro.
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Ele ficou internado por três dias. Eu dormi em uma cadeira dura, com a cabeça encostada na parede. Não saí do lado dele. Me recusei.
E quando os médicos disseram que ele ia se recuperar, eu agradeci por tudo. Até por estar quebrada, cansada, com medo.
Porque pelo menos… ele estava vivo.
No último dia, ele virou pra mim.
— Quando sair daqui, quero você comigo. De verdade.
— Eu já tô com você.
— Não. Quero você morando comigo.
Parei. Encostei o copo na mesa. O coração disparou.
— Isso é sério?
— Tudo em mim é sério.
— Você quer que eu largue tudo?
— Tudo o que te faz sofrer, sim.
— E a minha mãe?
— A gente dá um jeito.
Fiquei em silêncio.
Ele me puxou pela cintura.
— Eu não sei amar bonito. Mas eu amo forte. Intenso. Real. E se você quiser tentar, eu vou te mostrar que até bandido sabe cuidar.
— E se eu for a sua fraqueza?
Ele sorriu de canto.
— Que sorte a minha.
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No dia seguinte, ele teve alta.
Eu o levei pra casa de moto. Pela primeira vez, eu dirigi. Ele foi na garupa, com os braços fracos me segurando.
— Vai devagar, princesa. — ele sussurrou.
— Agora é você que depende de mim.
— Sempre foi assim. Só que eu demorei pra admitir.
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Na casa dele, ajeitei os travesseiros, fiz sopa, coloquei música baixa.
Ele deitou, exausto.
Fiquei observando.
As tatuagens. As cicatrizes. O peito que subia e descia devagar.
E o rosto que antes metia medo agora parecia… um pedido de paz.
Deitei do lado dele. Encostei a cabeça no ombro dele.
— Você me mudou. — sussurrei.
— Não. Você só tirou a parte podre que o mundo colocou em mim.
— E o que vem agora?
Ele me olhou.
— Agora a gente vai construir algo.
— Mesmo no meio do caos?
— Principalmente.
— Vai ser difícil…
— Mas você é minha. E eu sou seu. E isso basta.
Ele segurou minha mão com força.
— Promete que fica?
— Só se você prometer que volta toda vez que sair.
— Eu não vou mais sair sem você.
E naquele momento, eu soube.
Não importava o crime, o medo, os tiros ou o passado.
Eu tinha um lar.
E ele se chamava Gabriel.