Dias se passaram desde a fuga de Rodrigo.
O morro acalmou na superfície…
mas só quem vive lá dentro sabe que o perigo nunca some. Ele só se disfarça.
E agora, ele tava vindo de onde a gente menos esperava:
da mídia.
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Na segunda-feira, um blog popular da quebrada soltou uma matéria:
> "Rainha do Tráfico? Amanda, a garota que conquistou o morro e o coração do chefe."
“Fontes próximas alegam que ela controla tudo no lugar do companheiro. Mas por trás da pose de poder, existe um império de sangue e medo.”
A foto era minha.
Roupa justa. Corrente no pescoço.
De mãos dadas com Gabriel.
Cortesia de alguém que tinha acesso demais.
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Mostrei o celular pra ele.
— Isso saiu de dentro da gente.
— Tem alguém aqui tirando foto e repassando.
— E sabe o que é pior?
— O quê?
— Isso não vai nos matar com tiro. Vai matar com opinião.
— Com julgamento.
— Vão me chamar de criminosa, de manipuladora, de interesseira…
— E você é?
— Eu sou sobrevivente.
— E isso incomoda.
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Começamos a perder força aos poucos.
Alguns entregadores se recusaram a subir com mercadoria.
O barbeiro do Gabriel parou de atender.
Disse que a esposa tava com medo.
E a pior parte:
os aliados começaram a nos evitar.
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— Tá todo mundo tentando manter distância. — Nando comentou.
— Porque o que era medo… agora virou vergonha.
— E ninguém quer ser associado a um casal em queda.
— Mas a gente não caiu.
— Não ainda.
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Na noite de quinta, Gabriel reuniu os antigos parceiros.
Aqueles que tavam com ele desde o começo.
— A gente precisa de reforço.
— Precisa mostrar que continua firme.
— Se não, o morro vira terra de ninguém.
— Ou terra de outro. — eu complementei.
— E vocês sabem como isso termina.
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No meio da reunião, um dos meninos mais antigos, Lipe, levantou.
— Posso falar?
— Fala.
— A real é que… tem gente querendo outra liderança.
— Dizem que o reinado da Amanda é só fachada.
— Que você, Gabriel, tá cego.
— E que ela já era.
Silêncio.
Gabriel ficou tenso, mas não explodiu.
— Quem tá dizendo isso?
— Não sei exatamente. Mas tão se reunindo lá embaixo, perto do antigo posto.
— Quantos?
— Uns sete, oito.
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— Me dá nome.
— Não sei todos. Mas ouvi o nome do Darlan.
Aquilo me gelou a espinha.
— O Darlan?
— Aquele que eu defendi da Bruna?
— O mesmo.
— Ingrato.
— Foi salvo por mim e agora quer o meu lugar?
— Ele quer o que você tem:
respeito, voz, espaço.
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Gabriel respirou fundo.
— Então a gente vai fazer o seguinte.
— Vamos deixar eles falarem.
— Vamos deixar acharem que têm chance.
— E quando o Darlan tentar subir…
a gente puxa ele pelo pé.
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Nos dias seguintes, o nome dele começou a circular.
Diziam que ele era mais equilibrado.
Que não se envolvia tanto com o emocional.
Que “sabia fazer negócio”.
Tudo isso dito baixinho, nos becos, nas escadarias, nos salões.
E foi aí que percebi:
o próximo inimigo não usava arma.
Usava argumento.
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— Amanda — Rosa me chamou, numa manhã — cê precisa entender que tem mulher aqui no morro que não se vê mais em você.
— Como assim?
— Você virou símbolo.
— Mas um símbolo que mete medo.
— E o que elas querem?
— Uma que sorria. Que abrace. Que chore.
— E não uma que comande homens armados.
Engoli em seco.
A coroa pesa.
Mas o olhar das outras mulheres… pesa mais.
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Numa noite quente, saí sozinha.
Sem Gabriel.
Sem segurança.
Apenas com a minha sombra.
Sentei no bar do Seu Milton.
Pedi uma cerveja.
— Tá tudo bem? — ele perguntou.
— Nunca tá.
— Mas ainda tô de pé.
— Tem gente falando…
— Eu sei.
— Mas eu só vejo uma coisa em você.
— O quê?
— Coragem de quem não teve escolha.
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Nesse momento, Darlan entrou.
Sozinho também.
Me viu. Sorriu com arrogância.
— Boa noite, rainha.
— Só Amanda hoje.
— Se você diz…
— Vai querer sentar?
— Só se prometer que não vai mandar me matar.
— Não seria à vista de todos.
Ele riu.
— Você sempre teve resposta na ponta da língua.
— E você sempre teve inveja na ponta do coração.
Ele abaixou o olhar por um segundo.
Mas logo se recompôs.
— Só tô fazendo o que você faria no meu lugar.
— Eu faria melhor.
Silêncio.
— Você não me assusta, Darlan.
— Eu não quero te assustar.
— Então por que se esconde atrás de boatos?
— Porque o povo acredita mais no que se espalha…
do que no que se prova.
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Levantei da cadeira.
— Sabe qual é a diferença entre a gente?
— Qual?
— Eu fui jogada no poder.
Você tá implorando por ele.
— E você acha isso errado?
— Acho fraco.
Saí dali com o coração fervendo.
Mas com a certeza de que o jogo tinha mudado.
Agora era guerra fria.
Guerra de prestígio.
Guerra de palavra.
E eu teria que aprender a vencer nesse campo também.