Capítulo 25 – Vozes na Escuridão

889 Words
Dias se passaram desde a fuga de Rodrigo. O morro acalmou na superfície… mas só quem vive lá dentro sabe que o perigo nunca some. Ele só se disfarça. E agora, ele tava vindo de onde a gente menos esperava: da mídia. --- Na segunda-feira, um blog popular da quebrada soltou uma matéria: > "Rainha do Tráfico? Amanda, a garota que conquistou o morro e o coração do chefe." “Fontes próximas alegam que ela controla tudo no lugar do companheiro. Mas por trás da pose de poder, existe um império de sangue e medo.” A foto era minha. Roupa justa. Corrente no pescoço. De mãos dadas com Gabriel. Cortesia de alguém que tinha acesso demais. --- Mostrei o celular pra ele. — Isso saiu de dentro da gente. — Tem alguém aqui tirando foto e repassando. — E sabe o que é pior? — O quê? — Isso não vai nos matar com tiro. Vai matar com opinião. — Com julgamento. — Vão me chamar de criminosa, de manipuladora, de interesseira… — E você é? — Eu sou sobrevivente. — E isso incomoda. --- Começamos a perder força aos poucos. Alguns entregadores se recusaram a subir com mercadoria. O barbeiro do Gabriel parou de atender. Disse que a esposa tava com medo. E a pior parte: os aliados começaram a nos evitar. --- — Tá todo mundo tentando manter distância. — Nando comentou. — Porque o que era medo… agora virou vergonha. — E ninguém quer ser associado a um casal em queda. — Mas a gente não caiu. — Não ainda. --- Na noite de quinta, Gabriel reuniu os antigos parceiros. Aqueles que tavam com ele desde o começo. — A gente precisa de reforço. — Precisa mostrar que continua firme. — Se não, o morro vira terra de ninguém. — Ou terra de outro. — eu complementei. — E vocês sabem como isso termina. --- No meio da reunião, um dos meninos mais antigos, Lipe, levantou. — Posso falar? — Fala. — A real é que… tem gente querendo outra liderança. — Dizem que o reinado da Amanda é só fachada. — Que você, Gabriel, tá cego. — E que ela já era. Silêncio. Gabriel ficou tenso, mas não explodiu. — Quem tá dizendo isso? — Não sei exatamente. Mas tão se reunindo lá embaixo, perto do antigo posto. — Quantos? — Uns sete, oito. --- — Me dá nome. — Não sei todos. Mas ouvi o nome do Darlan. Aquilo me gelou a espinha. — O Darlan? — Aquele que eu defendi da Bruna? — O mesmo. — Ingrato. — Foi salvo por mim e agora quer o meu lugar? — Ele quer o que você tem: respeito, voz, espaço. --- Gabriel respirou fundo. — Então a gente vai fazer o seguinte. — Vamos deixar eles falarem. — Vamos deixar acharem que têm chance. — E quando o Darlan tentar subir… a gente puxa ele pelo pé. --- Nos dias seguintes, o nome dele começou a circular. Diziam que ele era mais equilibrado. Que não se envolvia tanto com o emocional. Que “sabia fazer negócio”. Tudo isso dito baixinho, nos becos, nas escadarias, nos salões. E foi aí que percebi: o próximo inimigo não usava arma. Usava argumento. --- — Amanda — Rosa me chamou, numa manhã — cê precisa entender que tem mulher aqui no morro que não se vê mais em você. — Como assim? — Você virou símbolo. — Mas um símbolo que mete medo. — E o que elas querem? — Uma que sorria. Que abrace. Que chore. — E não uma que comande homens armados. Engoli em seco. A coroa pesa. Mas o olhar das outras mulheres… pesa mais. --- Numa noite quente, saí sozinha. Sem Gabriel. Sem segurança. Apenas com a minha sombra. Sentei no bar do Seu Milton. Pedi uma cerveja. — Tá tudo bem? — ele perguntou. — Nunca tá. — Mas ainda tô de pé. — Tem gente falando… — Eu sei. — Mas eu só vejo uma coisa em você. — O quê? — Coragem de quem não teve escolha. --- Nesse momento, Darlan entrou. Sozinho também. Me viu. Sorriu com arrogância. — Boa noite, rainha. — Só Amanda hoje. — Se você diz… — Vai querer sentar? — Só se prometer que não vai mandar me matar. — Não seria à vista de todos. Ele riu. — Você sempre teve resposta na ponta da língua. — E você sempre teve inveja na ponta do coração. Ele abaixou o olhar por um segundo. Mas logo se recompôs. — Só tô fazendo o que você faria no meu lugar. — Eu faria melhor. Silêncio. — Você não me assusta, Darlan. — Eu não quero te assustar. — Então por que se esconde atrás de boatos? — Porque o povo acredita mais no que se espalha… do que no que se prova. --- Levantei da cadeira. — Sabe qual é a diferença entre a gente? — Qual? — Eu fui jogada no poder. Você tá implorando por ele. — E você acha isso errado? — Acho fraco. Saí dali com o coração fervendo. Mas com a certeza de que o jogo tinha mudado. Agora era guerra fria. Guerra de prestígio. Guerra de palavra. E eu teria que aprender a vencer nesse campo também.
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