Sentada ao lado de Gabriel, rodeada por homens armados, senti o peso real do que significava estar com ele.
Não era só paixão.
Não era só desejo.
Era política. Estratégia. Poder.
E eu estava no meio daquilo tudo.
Mesmo sem nunca ter pedido.
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— Quem é ela? — um dos chefes perguntou.
— Amanda.
— A minha mulher.
— A única que senta do meu lado.
Gabriel disse aquilo com firmeza.
Sem gaguejar.
Sem abaixar a cabeça.
E pela primeira vez, ouvi alguém me chamar de algo que ainda não parecia meu:
— Então essa é a rainha do morro?
O termo me acertou em cheio.
Rainha.
Eu nunca fui nem princesa.
Mas ali, cercada de olhares que matam e protegem ao mesmo tempo…
me vi sendo chamada de algo que carrega respeito.
E medo.
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Durante a reunião, Gabriel manteve a mão sobre a minha perna.
Às vezes apertava levemente, me sinalizando quando algo era perigoso, tenso ou mentiroso.
Eu aprendi mais naquela noite do que em todos os dias anteriores.
Sobre quem manda de verdade.
Quem é aliado.
Quem finge.
E quem espera a próxima chance de puxar o tapete.
— Vocês sabem o que acontece com traidor, né? — Gabriel disse, encarando um dos homens.
— Sei. Mas eu não sou um deles.
— Vai ter que provar.
O ar ficou mais denso.
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Saímos de lá quase meia-noite.
Gabriel dirigia em silêncio, o braço apoiado na janela, o olhar firme na estrada de terra.
— Você ficou incrível lá — ele disse de repente.
— Fiquei calada o tempo todo.
— E é isso que foi incrível.
— Você não tremeu. Não desviou. Nem questionou.
— Eu tava tremendo por dentro.
— Mas ninguém viu. E é isso que importa.
Paramos em frente à casa.
Antes de sair do carro, ele segurou minha mão.
— A partir de hoje, vão te ver de outro jeito.
— E vão te cobrar como se você fosse uma de nós.
— Eu não sou?
— Ainda não.
— Mas tá quase lá.
— O que falta?
Ele se inclinou, encostando a boca no meu ouvido.
— Só falta você entender que aqui, quem comanda não pode amar pela metade.
— E que a mulher do chefe… às vezes tem que engolir a dor e sorrir.
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Naquela noite, depois do banho, me sentei na cama e fiquei olhando meu reflexo no espelho.
Tinha algo diferente nos meus olhos.
Menos inocência.
Mais coragem.
— Tá se vendo diferente? — Gabriel perguntou, encostado na porta.
— Tô me vendo mais forte.
— E tá mesmo.
— Isso é bom?
— Pra mim? É perfeito.
— Pro mundo? Vai te custar algumas guerras.
— Você vai tá do meu lado?
— Sempre.
— Mas tem batalhas que nem eu posso lutar por você.
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No dia seguinte, as coisas mudaram.
Na rua, não me olhavam mais com desconfiança.
Alguns abaixavam os olhos.
Outros acenavam com respeito.
Aos poucos, eu deixava de ser a "menina do asfalto" pra me tornar parte daquele morro.
Gabriel percebeu isso também.
— Tá vendo como eles te olham?
— Vi.
— Agora você não é só a minha mulher.
— Você é a Amanda. A que sentou na reunião. A que encarou os chefes.
— Mas eu só fiquei lá calada.
— E mesmo assim você marcou mais do que muita gente que fala demais.
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Mais tarde, recebi uma ligação estranha.
— Alô?
— Tá se sentindo confortável aí em cima do trono?
— Quem tá falando?
— A mesma pessoa que vai te tirar dele.
— Cuidado com quem você pisa.
A ligação caiu.
Corri até Gabriel, com a respiração descompassada.
— Me ligaram. De novo.
— Mesma voz da outra vez?
— Não sei. Era distorcida. Mas era ameaça.
Ele pegou meu celular e entregou pro Nando.
— Rastreia. Agora.
— Gabriel, por que tão fazendo isso comigo?
— Porque você agora carrega meu nome.
— E quando eles não conseguem me atingir… tentam vir por você.
— E até quando vai ser assim?
Ele me encarou.
— Até eu vencer a guerra.
— Ou até eles desistirem de viver.
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No final da tarde, fui até a laje com ele.
Os meninos estavam em alerta, mas sorriam ao me ver.
— Fala, rainha — disse um deles, rindo.
— Rainha agora? — brinquei.
— Ué, e não é?
Gabriel me puxou pro lado.
— Tá vendo? Já começou.
— E quando o povo começa a te chamar de rainha… tem gente que começa a querer o trono.
— E quem quer…?
— Vira alvo.
— E eu não tô preparada pra isso, Gabriel.
— Então vamos preparar. Juntos.
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Naquela noite, ficamos na laje até tarde.
Ele me ensinou os sinais de alerta.
Os códigos no rádio.
Me mostrou o mapa do morro.
— Aqui é onde eles mais tentam entrar.
— Aqui é onde temos menos homens.
— E aqui é onde você nunca pode estar sozinha.
— Tá me treinando pra quê?
— Pra viver.
— E não morrer por causa de um amor.
Nos encaramos.
E ali, com o céu escuro e o morro calado, eu entendi:
Amar o Gabriel era mais do que paixão.
Era sobreviver a cada capítulo.