Capítulo 17 – Toda Rainha Tem Seu Inimigo Invisível

861 Words
Os dias seguintes foram de calmaria. Mas não a calmaria boa. Era aquele tipo de silêncio que parece sorrir… mas esconde uma faca nas costas. --- Gabriel me dava mais espaço agora. Mas também me cobrava mais postura. — Você não pode mais andar pela favela como se fosse só mais uma. — E como eu ando, então? — Como alguém que manda. — Olho firme. Cabeça erguida. Postura de quem sabe o que carrega. — E o que eu carrego? — O meu nome. — E o meu perigo. --- Passei a observar mais. A ouvir mais. Cada conversa pelas vielas. Cada risadinha disfarçada quando eu passava. Era como se cada gesto, cada palavra minha, fosse calculado, julgado. E, pra piorar, as ameaças voltaram. Dessa vez não por mensagem. Mas em forma de olhares. Insinuações. Silêncios desconfortáveis. --- — Amanda, fica em casa hoje — Gabriel disse naquela manhã. — Por quê? — Porque tem uma movimentação estranha na zona norte do morro. — Mas você vai? — Eu sou o alvo. Você é o prêmio. — E prêmio a gente esconde até ser seguro mostrar de novo. — Eu não sou um troféu, Gabriel. — Não é. — Mas é o que mais me importa. --- Obedeci. Fiquei trancada, como ele pediu. Nando fazia as rondas na frente da casa, e dois dos meninos armados estavam na laje de vigia. Mas eu não conseguia relaxar. Até que escutei batidas leves na porta. — Quem é? — Seu nome é Amanda? Era uma voz feminina. Estranha. Fina demais. — Quem tá aí? — Só alguém que já esteve no seu lugar. Arregalei os olhos. Fui até a janela e olhei com cuidado. Uma mulher. Rosto fino, olhar perigoso, e um sorriso que gelava a espinha. — Quem é você? — Eu sou o que vem depois da coroa. — E às vezes, o que vem antes da queda. --- Antes que eu pudesse responder, Nando apareceu e ela sumiu no beco. Contei tudo pra ele. E mais tarde, pra Gabriel. — Como ela passou pela vigia? — ele gritou, furioso. — Eu não sei. Mas ela sabia meu nome. — E o que ela disse? — Que já esteve no meu lugar. — E que às vezes, o que vem depois da coroa… é a queda. Gabriel chutou a cadeira da cozinha com tanta força que ela voou longe. — Eu vou achar essa v***a. — E ela vai se arrepender de ter falado contigo. — Você sabe quem é ela? Ele ficou calado. O olhar dele… não era mais de raiva. Era de lembrança. — Gabriel? — O nome dela é Bruna. — Antiga parceira do morro. Era de outro chefe. — Quando o cara caiu, ela sumiu. — E por que ela voltou agora? — Porque rainha nova atrai corvo velho. — Ela quer me tirar do caminho? — Ou quer que você saia por conta própria. --- Naquela noite, eu não consegui dormir. A imagem da mulher, o olhar dela… tudo me fazia pensar que aquele jogo não era só de bala. Era psicológico. E eu tava sendo testada. --- — Eu não vou me esconder — disse pra Gabriel, no dia seguinte. — Você devia. Só por um tempo. — Não. — Se eu correr agora, nunca mais vão me respeitar. — Você tá certa. — Então me deixa sair com você hoje. — Tem certeza? — Nunca tive tanta. --- Fomos juntos até a quadra, onde ia acontecer uma pequena festa do morro. Aniversário do filho do Leo, irmão do Gabriel. Era evento “de família”, mas ainda assim cheio de olhos atentos. Gabriel segurava minha mão com firmeza. Andamos entre os convidados. A maioria nos respeitou. Mas uma mulher, sentada ao fundo, bebia uma cerveja e me encarava com um sorrisinho. — É ela — cochichei. — A Bruna? — Sim. — Então ignora. O silêncio às vezes queima mais do que confronto. — Eu não sou de ignorar. Me soltei da mão dele e caminhei até ela. Ela ergueu a sobrancelha, surpresa. — Rainha… veio me dar ordens? — Não. Vim dizer que a coroa que você perdeu… não vai voltar pra sua cabeça. — E quem disse que eu quero ela de volta? — Seu olhar. Sua raiva disfarçada. — Mas sabe o que é pior? — O quê? — É que eu não preciso provar nada pra você. — Só quero que saiba: eu não caio fácil. Ela riu. — Não mesmo. — Mas todo castelo tem uma rachadura. — E às vezes… ela começa dentro de casa. --- Voltei pra perto do Gabriel. Ele me puxou pelo braço. — Amanda, você é doida? — Eu precisava mostrar que não sou fraca. — Ela é perigosa. — Eu também posso ser. Ele me olhou. Longamente. — Eu te amo, sabia? — Mesmo quando eu me arrisco? — Principalmente quando você mostra que não precisa de mim pra ser forte. --- A festa terminou tranquila. Mas o aviso estava dado. A guerra não era só dele agora. Era nossa. E eu não ia fugir. Nem pra salvar a mim mesma.
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