Depois da festa, a presença da Bruna não saiu da minha cabeça.
O jeito que ela me olhou.
As palavras que usou.
Como se soubesse mais de mim do que eu mesma.
E eu podia fingir que não me abalava.
Mas toda rainha sabe quando o trono começa a balançar.
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— Ela não sumiu, né? — perguntei pro Gabriel, já no dia seguinte.
— Não. Tá circulando nas áreas onde eu não piso.
— Tá falando com gente que devia me respeitar.
— E você vai fazer o quê?
— Esperar ela fazer a primeira besteira.
— E se ela for mais esperta que isso?
— Então a gente dá um jeito de provocar a besteira.
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Nando chegou pouco depois, com cara de quem traz notícia r**m.
— Fala logo — Gabriel ordenou.
— Um dos nossos foi atacado.
— Disseram que ele tava “muito leal ao chefe”. Cortaram o rosto dele com navalha.
— Onde?
— Perto da viela da escola velha. Zona neutra.
— Isso é recado. Da Bruna.
— Eu achei melhor te avisar antes de...
— Não. Você fez certo.
Eu escutei tudo calada.
Mas meu sangue ferveu.
— Gabriel… isso é sobre mim.
— É sobre nós.
— E é por isso que agora eu vou começar a mostrar os dentes.
— Vai revidar?
— Vou mandar um aviso de volta.
— Um que eles não vão esquecer tão cedo.
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Eu sabia o que isso significava.
Gabriel ia mexer no jogo.
Ia deixar de jogar na defensiva.
E quando ele parte pro ataque… ninguém sai ileso.
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Naquela noite, a casa ficou em silêncio.
Mas o silêncio dele era diferente.
Ele ficou na laje por horas, olhando o morro.
De vez em quando, respondia algo no rádio.
Mas na maior parte do tempo… só pensava.
Fui até ele.
— Quer conversar?
— Não sei se tem espaço pra conversa no mundo que eu vivo.
— Sempre tem.
Ele me olhou.
— Você sabe o que significa quando alguém mexe comigo por causa de você?
— Sei.
— Significa que vão tentar te atingir de novo.
— Mais forte.
— Mais direto.
— E o que a gente faz?
— Morde antes que mordam.
— Sangra o inimigo antes que ele veja o seu sangue.
— E se isso for o começo de uma guerra maior?
— Então a gente entra nela de peito aberto.
— E com você do meu lado.
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Eu dormi pouco naquela noite.
O som do rádio na laje.
Os passos dos meninos de guarda.
Tudo me lembrava que, a qualquer momento… algo podia explodir.
E explodiu.
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Às cinco da manhã, acordei com gritos.
Corri até a janela e vi um corpo jogado em frente à nossa casa.
— Gabriel! — gritei.
Ele já estava descendo, armado, seguido por Nando e mais dois.
Fui atrás.
No chão, um saco de estopa rasgado, e dentro… um cachorro morto.
Mas não qualquer cachorro.
— É o Bóris — disse um dos meninos. — Da Amanda.
Meu coração travou.
Era um dos cães que viviam comigo antes do Gabriel.
Eu doava ração, cuidava. Ele sumiu uns dias atrás.
E agora… ele tava ali.
Morto.
Com um bilhete grudado no pescoço:
> "Quem alimenta bicho de chefe… morre igual."
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Gabriel pegou o papel e leu em silêncio.
Depois, olhou pra mim.
— Agora não tem mais volta.
— O que você vai fazer?
— A pergunta certa é:
— O que a gente vai fazer.
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Ele me chamou pro quarto.
Trancou a porta. Sentou na cama.
— Amanda, eu preciso que você me responda com o coração agora.
— Tá.
— Você tá disposta a atravessar a linha comigo?
— Que linha?
— A que separa as esposas dos generais.
— E o que tem do outro lado?
— Lealdade. Frieza. Decisão.
— E, às vezes, morte.
Eu respirei fundo.
— Se eu disser sim… eu viro o quê?
— Você vira parte da guerra.
— De verdade.
— E se eu disser não?
— Eu te protejo até o fim.
— Mas você nunca mais pisa nas minhas reuniões.
— Nem ouve meus planos.
— Nem sabe o que carrego nas mãos.
Me aproximei dele.
— Eu já atravessei essa linha quando me apaixonei por você.
— Eu só não percebi que não dava pra voltar.
Ele me olhou por segundos longos.
E então disse:
— A partir de hoje…
— você não é só minha mulher.
— É minha cúmplice.
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O plano foi colocado em prática na mesma noite.
Gabriel reuniu três dos chefes aliados e traçou o contra-ataque.
Mas pela primeira vez… eu estava lá.
Ouvindo. Opinando.
— A Bruna tem boca, mas não tem exército.
— O que ela tem é ódio — eu disse.
— E gente com ódio, age antes de pensar — completou Gabriel.
— Então vamos fazer ela pensar que venceu — sugeri.
Todos me olharam.
— Como assim? — Nando perguntou.
— Vamos deixar ela se aproximar.
— De mim.
— Achar que eu tô fraca.
— Aí, quando ela vacilar… a gente acerta.
Gabriel sorriu.
— Eu criei uma mente criminosa e nem sabia.
— Você só despertou o que já existia.
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E assim, o jogo virou.
Bruna não sabia ainda…
Mas ela tinha cutucado a pessoa errada.
Porque agora, eu não era só a rainha.
Eu era a armadilha com coroa.
E a próxima jogada seria minha.