O amor do Gabriel nunca veio com flores.
Veio com arma na cintura.
Com sangue nos dedos.
Com promessas sussurradas entre tiros e ameaças.
Eu aceitei isso.
Mas nada me preparou pra ser o alvo.
---
Era fim de tarde quando o clima no morro mudou.
Nando subiu a laje com o celular na mão e os olhos arregalados.
— Chefe! Postaram um bagulho pesado! — ele disse, ofegante.
Gabriel pegou o celular, olhou a tela por dois segundos, e o olhar dele escureceu.
— Amanda. Entra pra dentro. Agora.
— O que foi?
— AGORA!
Assustada, recuei e fui pra dentro. Alguns segundos depois, ele entrou, trancando portas e janelas com pressa.
— Me diz o que tá acontecendo!
Ele jogou o celular na mesa. Meu coração parou ao ver:
Minha foto.
Tirada de longe.
Na legenda:
“A rainha do morro. Se ele não sangrar, ela vai.”
— Isso… isso é uma ameaça?
— É mais do que isso. É uma declaração de guerra. Estão dizendo que vão vir por você pra me quebrar.
— Mas como conseguiram minha foto?
— Estão te vigiando. Há dias. E eu não percebi.
Ele socou a parede. Forte.
Ficou ali, de cabeça baixa, ofegando.
— Se encostarem em você… eu juro por Deus que eu mato todo mundo.
---
Nas horas seguintes, tudo mudou.
Gabriel mandou reforçar a segurança da casa.
Colocou dois homens armados na entrada.
Proibiu que eu saísse, até pra respirar.
Ele não dormiu. Nem comeu.
Andava de um lado pro outro. Mexia no telefone. Dava ordens pelo rádio.
E aos poucos, foi ficando diferente.
Fechado. Frio.
Quase como se estivesse me culpando por eu ser a fraqueza dele.
— Tá me evitando? — perguntei.
— Tô evitando perder o controle.
— Por quê?
— Porque se eu deixar o meu lado mais escuro sair… nem eu sei quem volta.
Ele se afastou.
Mas eu continuei ali.
Porque amar o Gabriel era isso:
ficar mesmo quando ele tenta te empurrar.
---
Três dias depois, tudo estourou.
Eu tava varrendo a sala quando ouvi gritos lá fora.
Depois, tiros.
Muitos.
Meu coração disparou.
— Gabriel! — gritei, correndo até ele.
Ele já estava com o fuzil nas mãos, tenso, com os olhos em alerta.
— Amanda, deita no chão. AGORA!
Me joguei no chão, tremendo.
Ele se agachou do meu lado, protegendo meu corpo com o dele.
— É o beco de baixo. Estão tentando subir pelo lado. Vieram buscar o que prometeram.
— Eu vou com você!
— Não vai, Amanda.
— Você prometeu que eu ia saber de tudo!
Ele olhou pra mim, nervoso, com os olhos úmidos.
— Então escuta: se eu não voltar, foge pela porta dos fundos. Nando vai te buscar.
— Não fala isso!
— Eu te amo. Do meu jeito torto, errado. Mas te amo.
— E ninguém vai te tirar de mim.
Ele me beijou. Rápido. Intenso. Desesperado.
E saiu.
---
Os minutos seguintes pareceram horas.
A cada tiro, eu tremia.
A cada grito, eu pensava nele.
> Será que ele tá bem? Será que foi atingido? Será que… eu perdi ele?
Meu celular tocou.
Era Nando.
— Amanda… o chefe foi baleado. Mas tá vivo.
— ONDE ELE TÁ?
---
Corri até a casa onde o estavam tratando.
Quando entrei, vi Gabriel deitado num colchão no chão.
Sem camisa. Faixa no ombro. Olhos cansados.
— Amanda…
— Tô aqui! — me ajoelhei ao lado dele, com lágrimas caindo.
— Tô bem. Só passou de raspão.
— Isso não é estar bem!
— Eu disse que voltava pra você.
— E se da próxima vez você não conseguir?
— Então eu volto do inferno. Mas volto.
Apertei a mão dele.
E ali, no meio do caos, do sangue, e da guerra, eu soube:
Ele era minha dor.
Mas também era meu mundo.
---
Naquela noite, dormimos juntos.
Ele com a ferida no ombro.
Eu com a ferida no peito.
Passei pomada, troquei o curativo, beijei a cicatriz.
— Eu queria tirar toda essa dor de você. — sussurrei.
— Só de você estar aqui… ela já dói menos.
— Eu tô com medo.
— Eu também tô. Mas o que nos mantém vivos… é o medo de perder um ao outro.
— E se encostarem em mim de novo?
Ele me olhou fundo.
— Amanda… se mexerem com você de novo, eu mato.
— Sem piedade. Sem descanso.
— Porque amar você é a única coisa que me segura desse lado da vida.
---
Na manhã seguinte, Gabriel já estava de pé.
Mesmo com o ombro machucado, já organizava tudo.
— Eles recuaram. Mas vão voltar. E quando voltarem, a gente vai estar esperando.
— E eu? Fico escondida?
— Não.
— Agora você vai aparecer.
— Como assim?
— Eles acham que vão te derrubar. Mas vão ver você de pé.
— Linda. Forte. Intocável.
— Eu não sou forte, Gabriel.
Ele se aproximou, passou a mão no meu rosto.
— Então eu serei sua força.
— Mas você vai mostrar pra esse morro que não é só minha mulher.
— É minha rainha.
---
E naquela tarde, pela primeira vez, eu saí.
Cabelo preso. Rosto limpo. Corrente no pescoço com o nome dele.
Todos olharam. Uns com medo. Outros com inveja.
Mas ninguém encostou.
Porque todos sabiam:
Amanda era dele.
E mexer com ela… era pedir pra morrer.