Faziam dias que Bruna não aparecia.
Não se ouvia o nome dela.
Ninguém falava dela.
E isso me incomodava mais do que se ela estivesse atirando.
Porque quando o inimigo some, é porque tá preparando algo.
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— Acha que ela foi embora? — perguntei a Gabriel, na laje.
— Não.
— Bruna não é o tipo que foge.
— Ela é o tipo que esconde a arma… até poder atirar pelas costas.
— Então por que o silêncio?
— Porque agora ela tá com medo.
— E quem tem medo, pensa.
— Quem pensa… calcula.
— E quem calcula… às vezes acerta.
— E se ela tiver preparando o fim?
— O fim de quem?
— De mim.
— De você.
— De tudo isso.
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Ele respirou fundo.
Acendeu um cigarro e olhou o horizonte.
— Você sabe por que ela me odeia tanto, Amanda?
— Porque você tirou o lugar dela?
— Não.
— Porque eu tirei alguém dela.
— Como assim?
Ele ficou em silêncio por um tempo.
Depois disse:
— O ex dela… era meu melhor amigo.
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Eu arregalei os olhos.
— Como assim, Gabriel?
— A gente cresceu junto.
— Ele era mais velho, já tava no corre quando eu entrei.
— E?
— Um dia, o chefe da época mandou ele dar um recado num rival.
— Ele foi… e não voltou.
— Morreu?
— Mataram.
— E a Bruna… nunca me perdoou.
— Porque eu incentivei ele a ir.
— Mas você não mandou.
— Não.
— Mas eu podia ter impedido.
— E não fiz.
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Fiquei em silêncio.
Agora fazia sentido.
A raiva dela não era só poder.
Era luto m*l curado.
Dor transformada em ódio.
Fúria que encontrou em mim um novo alvo.
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— Você sente culpa? — perguntei.
— Sinto.
— Mas não posso parar por causa disso.
— O morro exige que a gente continue, mesmo quando tudo que a gente quer… é voltar.
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Depois dessa conversa, o clima mudou.
Gabriel ficou mais fechado.
E eu comecei a ter pesadelos.
Com tiros.
Com correria.
Com Bruna rindo.
Até que, numa madrugada, acordei com um barulho.
— Gabriel?
Ele se sentou na cama, já com a arma em punho.
— Que foi?
— Escutei algo.
— Onde?
— No quintal.
Ele se levantou.
Foi até a janela, olhou com atenção.
— Nada aqui.
— Tinha um barulho.
— Pode ter sido bicho.
— Ou pode ter sido aviso.
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Na manhã seguinte, encontramos um envelope.
Deixado embaixo da porta.
Sem nome.
Sem assinatura.
Dentro, só uma foto.
Minha.
Na feira.
Sozinha.
De costas.
E no verso, uma frase:
> “Toda rainha se sente segura… até o veneno ser servido por alguém conhecido.”
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— Já deu! — Gabriel gritou. — Isso passou dos limites.
— E agora?
— Agora ela vai ver o que é guerra de verdade.
— E se for outra pessoa?
— Ninguém mais tem coragem de te ameaçar.
— Só ela.
— E se ela estiver usando alguém?
— Vamos descobrir.
— Mas antes disso… vou mandar um aviso.
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No mesmo dia, três pontos do morro onde os antigos aliados da Bruna se reuniam foram fechados.
Trancados, vigiados, cercados.
Ninguém entrava.
Ninguém saía.
O morro entendeu:
o chefe estava de volta ao jogo.
Com sangue nos olhos.
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Mas não foi só Gabriel que mudou.
Eu também.
Comecei a andar mais armada.
A dormir com faca debaixo do travesseiro.
A desconfiar até do olhar de criança na rua.
Porque agora eu era o alvo mais visível.
E a guerra não era mais sobre controle.
Era sobre vingança.
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— Você ainda quer continuar nisso? — Gabriel me perguntou numa noite.
— Eu não tenho mais saída.
— Sempre tem.
— Não pra mim.
— Porque se eu sair agora, eu morro.
— Eles não vão me deixar viver depois de tudo.
— Então a gente luta.
— Até o fim.
— O fim vai ser com sangue?
— O fim vai ser com o nome da vencedora na boca do morro.
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Mas, no fundo…
Eu sabia.
O fim não era o que me assustava.
O que me assustava era quem teria que cair até lá.
E talvez… eu tivesse que ser a primeira a puxar o gatilho.