Depois da foto deixada na porta, tudo mudou.
Eu já não comia direito.
Dormia menos ainda.
E comecei a enxergar inimigos até nos rostos que me davam bom dia.
Era isso que a Bruna queria.
Me enlouquecer antes de me atingir.
---
— A gente vai fazer o que com ela? — perguntei a Gabriel, enquanto ele limpava a arma.
— Depende.
— De quê?
— De quanto mais ela quer perder antes de morrer.
— Você fala como se tivesse certeza que vai vencer.
— Eu já venci o dia que você escolheu ficar do meu lado.
— O resto… é consequência.
---
Mas a consequência começou a doer.
O primeiro baque veio numa segunda-feira qualquer.
Dona Zuleide foi encontrada caída dentro da vendinha.
Com uma batida na cabeça.
Levaram dinheiro, celular e deixaram um aviso na parede:
> “Quem serve a rainha, morre com ela.”
Fui correndo até lá.
A vi sangrando, desacordada, enquanto o Samu atendia.
Meus olhos encheram de lágrimas.
— Ela tava sempre comigo… sempre me respeitou…
— Isso foi ataque direto — Gabriel falou ao meu lado. — Você era o alvo.
— Mas acertaram ela.
— Porque era mais fácil.
— E mais c***l.
---
Naquela noite, eu não falei com ninguém.
Fiquei trancada no quarto.
Olhei pra corrente que ganhei dos meninos, com “Rainha do Norte” escrito… e pensei:
Será que valeu a pena?
Será que ser rainha custa a alma dos inocentes?
Gabriel entrou, devagar.
— Tá com medo?
— Tô.
— De morrer?
— Não.
— De matar.
— De virar aquilo que eu mais odiei.
Ele sentou na beira da cama.
— Você já virou.
— Então não tem mais volta, né?
— Não.
— Agora você é parte da história.
— Que história?
— A história que o morro conta…
— de uma mulher que não abaixou a cabeça.
— E por isso… foi coroada com sangue.
---
Dormi pouco.
Sonhei com a Zuleide abrindo a boca, mas sem conseguir falar.
Com a Bruna me olhando de um beco, sorrindo, segurando uma faca.
Acordei suando frio.
E com uma certeza no peito:
Era agora ou nunca.
---
— A gente tem que achar ela, Gabriel.
— Eu sei.
— Mas tem que ser por mim.
— Amanda…
— Eu não quero que outra pessoa leve essa vitória.
— Ela me atacou.
— Ela me provocou.
— Ela tentou destruir tudo que eu sou.
— Você tá dizendo que quer matar a Bruna?
— Não.
— Então?
— Quero que ela me peça pra morrer.
---
Nos dias seguintes, espalhei uma ideia.
De que eu tava abalada.
Que eu tava com medo.
Que eu tava pensando em ir embora.
Deixei escapar de propósito num papo com duas meninas na esquina.
— Nem sei se continuo, sabe? Isso tudo tá me sufocando…
Em menos de duas horas, a notícia já corria o morro.
Em menos de um dia… a Bruna ia acreditar.
E esse era o plano.
---
Gabriel entendeu na hora.
— Você quer virar isca de novo?
— Quero que ela pense que é agora ou nunca.
— Que eu tô fraca.
— Que sou um alvo fácil.
— E se ela cair?
— Aí a gente fecha.
— E se ela for mais rápida?
— Eu já tô pronta pra morrer.
— Ela que se prepare pra viver com a derrota.
---
Na terça, deixei o portão da frente meio aberto.
Fingi distração.
Fingi rotina.
Mas por dentro… cada músculo do meu corpo tremia.
No fundo da casa, Gabriel e Nando observavam tudo pelas câmeras.
— Alvo à vista — ouvi pelo ponto no meu ouvido.
Meu coração quase parou.
Mas continuei varrendo o quintal como se nada estivesse acontecendo.
---
Vi o vulto.
Uma sombra.
Um passo errado.
Um perfume forte demais pra quem quer passar despercebida.
Então, me virei.
— Sabia que você viria.
Bruna parou.
A menos de cinco metros.
Cabelo preso, blusa escura, mão dentro da bolsa.
— Eu devia ter te matado no primeiro dia.
— Mas não matou.
— E agora tá aqui… implorando pra que eu te perdoe.
— Eu? Implorando?
— Você se escondeu.
— Assistiu de longe eu tomar tudo que você achava que era teu.
— E agora tá tentando pegar de volta do jeito mais sujo.
Ela sorriu de canto.
— Você tem língua afiada.
— E dedo firme.
— Porque se você tentar tirar algo de dentro dessa bolsa…
— Vai morrer antes de alcançar.
Bruna hesitou.
— Você acha que virou bandida?
— Não.
— Eu virei necessária.
— E isso é mais perigoso que qualquer pistola.
---
Nesse momento, o portão se abriu com força.
Gabriel entrou com Nando e mais dois.
Bruna se assustou, recuou.
— Não era pra ela estar sozinha? — ela gritou.
— Ela nunca esteve — Gabriel respondeu.
— Você me usou — ela cuspiu, olhando pra mim.
— Não.
— Você se entregou.
---
Ela tentou correr, mas foi cercada.
A bolsa caiu no chão. Dentro, só uma seringa.
— Qual era o plano? Me drogar? Me paralisar? — perguntei.
Ela não respondeu.
Estava derrotada.
Pela primeira vez… sem palavras.
Gabriel se aproximou dela.
— Agora você vai escolher.
— Escolher o quê?
— Ficar viva e sumir…
— ou morrer e virar aviso.
Ela respirou fundo.
Engoliu a vergonha.
E então disse:
— Eu vou embora.
— E se voltar…?
— Não volto.
---
Ela foi levada morro abaixo.
Não algemada.
Não arrastada.
Mas vazia.
Fraca.
Vencida.
---
Naquela noite, Gabriel não comemorou.
Nem eu.
Porque a vitória tem gosto amargo… quando vem depois de tanto sangue.
Mas sabíamos:
a paz do morro agora tinha nome.
E era o meu.