A noite passou como um pesadelo.
Gabriel saiu, e eu fiquei na casa, andando de um lado pro outro, com o coração preso na garganta.
As paredes pareciam estreitas demais.
O silêncio parecia gritar.
E eu só queria uma coisa: que ele voltasse vivo.
Às 2h43 da manhã, o som da moto cortou o morro.
Corri pra porta. Quando abri, ele estava lá.
Camiseta manchada, rosto suado, mas inteiro.
— Gabriel! — corri e abracei com força.
Ele me apertou de volta, como se só ali pudesse respirar.
— Tá tudo bem agora. — ele disse. — Já passou.
Mas eu sabia que não tinha passado.
Não pra ele.
Ele não falava tudo… mas seu corpo contava cada detalhe.
A tensão nos ombros. O jeito que olhava por cima do ombro. A arma ainda presa na cintura.
— O que aconteceu? — perguntei.
Ele hesitou. Depois respondeu:
— Tão tentando tomar o morro. Vieram de fora, armados. Mas não conseguiram passar.
— E você… matou alguém?
Silêncio.
— Se for preciso, eu mato pra proteger o que é meu. — ele disse, e olhou direto nos meus olhos.
Eu era o que ele queria proteger.
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No dia seguinte, ele m*l saiu da cama.
Acordava assustado. Olhava pro celular a cada dez minutos.
A guerra tava prestes a estourar, e ele sabia.
Só não queria que eu soubesse.
— Você vai sair de novo hoje? — perguntei.
— Não. — respondeu curto.
— Tá mentindo?
— Tô tentando te poupar.
— Eu não quero que me poupe. Eu quero saber onde tô pisando.
Ele me encarou.
— Você tá pisando no meu mundo. E ele é sujo, c***l, e mata sem dó.
— Mas se você me der sua confiança… eu juro que te mantenho viva nele.
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À tarde, bateram na porta.
Era Nando, o braço direito de Gabriel. Baixo, tatuado, sempre com cara de quem já viu coisa demais.
— Chefe… temos um problema.
Gabriel se levantou.
— Amanda, fica aqui.
— Não. Eu vou.
— Amanda…
— Eu não sou de vidro.
Ele respirou fundo, vencido, e me deixou ir.
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Descemos até uma viela escondida. Lá, três homens estavam amarrados.
Dois deles sangravam. O terceiro tremia.
— Esses são os informantes. Estavam mandando localização nossa pros rivais. — disse Nando.
Gabriel olhou pros três como quem olha lixo.
— E vocês acharam que iam sair vivos daqui?
O terceiro implorou:
— Eu tenho filho, mano. Não foi por m*l…
— Foi por grana, né? — Gabriel falou, frio. — Mas a minha mulher também tem um preço. E se alguém encostar nela… eu mato rindo.
Um tiro.
Seco. Rápido.
O traidor caiu no chão, e eu perdi o ar.
Vi sangue.
Vi medo.
E vi o homem que dizia me amar… sendo juiz, carrasco e executor.
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Naquela noite, eu não falei. Não chorei.
Só deitei na cama com ele.
— Você me odeia agora? — ele perguntou, baixo.
— Eu não odeio você. Eu odeio o que o mundo fez com você.
Ele virou pro lado, puxou meu corpo pra perto.
— Você ainda é minha?
Demorei um segundo. Mas respondi:
— Sou. Mas não me pede pra entender tudo isso agora.
— Não quero que entenda. Só quero que fique.
E eu fiquei.
Mesmo com o coração apertado.
Mesmo com a alma rachando.
Porque amar alguém como ele… era como abraçar um furacão e chamar de lar.
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Nos dias seguintes, a tensão aumentou.
Toques de recolher.
Olhares desconfiados.
Barulho de motos altas subindo o morro.
Gabriel montou guarda 24 horas.
E eu… comecei a me perguntar se ainda tinha volta.
Uma noite, enquanto ele limpava uma pistola, falei:
— E se eu quiser estudar de novo? Terminar a escola?
Ele parou. Me olhou por um segundo.
— Você quer isso?
— Quero. Eu preciso de algo que seja só meu.
Ele ficou em silêncio. Depois disse:
— Eu vou te dar isso. Mas com segurança.
— Como?
— Eu coloco um homem lá. Na escola. Ninguém te toca.
— Eu não quero segurança. Eu quero liberdade.
— E eu quero você viva. — ele rebateu, firme. — Não me obriga a escolher entre seu sonho e sua vida.
E eu entendi.
No mundo dele, sonhar era perigoso demais.
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Na madrugada, acordei com gritos.
Gabriel não estava na cama.
Corri pra fora. Lá embaixo, ele discutia com outro homem.
— Você tá trazendo risco pra ela! — Gabriel gritava. — Se algo acontecer com Amanda, eu juro que ninguém escapa!
O outro tentou argumentar, mas Gabriel estava em ponto de explosão.
— Ela é minha! — ele berrou. — E se alguém ousar encostar nela, eu faço esse morro descer em sangue!
Quando voltou pra casa, suado e tenso, ele sentou na beira da cama.
— Me desculpa. — disse. — Eu só quero te manter viva.
— Eu sei. — respondi, sentando ao lado dele. — Mas eu não quero viver trancada em medo.
Ele olhou pra mim. Pela primeira vez… com lágrimas nos olhos.
— Eu tô tentando, Amanda. Eu nunca amei alguém assim.
— Então aprende comigo.
E nos beijamos. Um beijo amargo. Cheio de medo. Cheio de urgência.
Como se o amanhã fosse longe demais pra alcançar.
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Na manhã seguinte, ele saiu.
Dessa vez, sem dizer pra onde ia.
E pela primeira vez, eu senti um frio diferente.
Como se… ele não fosse voltar.