O ano começa e estou na praia com minhas primas assistindo a queima de fogos do Réveillon.
Estamos reunidas na areia da praia, abraçadas e olhando para o céu. Nele resplandece uma belíssima apresentação com cores vibrantes que estouram em ritmo e de forma diferentes e com barulhos que mexem com nossos corações a cada explosão.
O que me faz refletir:
‘Definitivamente eu quero experimentar novas coisas e sensações nesse ano.’
A ansiedade pelo novo é grande, mas o que se pode esperar quando se é apenas uma adolescente que acabou de completar quatorze anos e tem seus passos restritos e vigiados por uma mãe solteira, que marca duro como um juiz atento a uma partida de final de copa do mundo?
A juíza em questão é conhecida como Dona Graça, vulgo minha mãe. Ela não me dá muita liberdade, mas eu espero que isso mude logo. Foi um verdadeiro milagre ela autorizar a minha vinda hoje a praia apenas com minhas primas.
‘Será que isso é o destino me mostrando que as cordas vão se afrouxar um pouco?’
Sinceramente espero que sim!
A queima foi linda e durou mais tempo que no ano passado e como sempre, assim que termina a apresentação a banda volta com força total.
A música nem tinha começado direito e eu já vi minhas primas felizes, sorrindo e começando a dançar.
Admito que não estou tão confortável como elas, mas já que decidi vir vou me juntar a elas entrando na roda para dançar como a coreografia pede.
No palco está uma banda conhecida que toca os ritmos mais alegres que conhecemos e nesse momento tocam justamente uma das músicas que mais gostamos de dançar: Xibom bombom – As Meninas.
A gente se diverte fazendo os passos em sincronia, as risadas aumentaram e todas nós acabamos dançando como se não fosse existir o amanhã.
Enquanto dançávamos notei alguns homens se aproximando, tinha gente de várias idades diferentes e a maioria deles olhavam para minhas primas mais velhas como se elas fossem sumir a qualquer momento.
‘Porque eles fazem isso?’
Eu não gostaria de receber esse tipo de atenção, mas a verdade é que não vai fazer diferença se esses garotos me olham ou não, porque com certeza eu não vou ficar nenhum deles.
Eu nunca beijei e pretendo continuar assim por um bom tempo!
Porém, já fui beijada. Tudo bem que foi um selinho rápido e roubado, mas eu me lembro como se fosse hoje.
Lembranças …
Estávamos na sala de aula, fazendo um exercício que precisava ser entregue ainda naquele dia. Estava tão focada no que precisava terminar que nem tinha notado que quase todos tinham saído e só tinha ficado Michel e eu. Não fazia ideia da intenção dele até ele me chamar.
Tudo que lembro é que senti ele tocar o meu ombro e ao virar pra trás, vi seu rosto se aproximando tão rápido do meu que levei um susto. Em seguida, senti seus lábios carnudos encostando nos meus e depois um estalo de um beijo.
Meu coração acelerou, mas meu choque foi maior, me deixando imovel por alguns segundos. Logo ele se afastou com o seu sorrisinho de lado, a sua cara de vitorioso, e depois se afastou para sair da sala.
Tudo o que pensei foi:
‘Ele roubou um beijo?’
Na mesma hora uma irá se apossou de mim e eu simplesmente levantei indo atrás dele.
Eu nem pensei, só agi. Ele estava de costas para mim, falando com uns meninos o que tinha feito, e assim que eu fiquei perto o suficiente, o agredi com um soco no meio das suas costas. Ainda percebi quando ele se assustou com o impacto, mas eu me sentia tão agitada que saí correndo em direção ao banheiro feminino sentindo todo meu corpo tremer e um nervoso que nunca tinha sentido antes.
No banheiro, parei de frente para o espelho que fica sobre a pia e pensei:
‘Se minha mãe descobrir uma coisa dessa, me mata.’
Eu não sou a menina mais inteligente que existe, mas não preciso ser um gênio para saber que minha mãe não acreditaria que eu não tive nada haver com isso mesmo eu me esforçando muito em explicar.
Minhas mãos tremiam tanto que tive dificuldade em molhar meu rosto que a essa altura já se encontrava suando de nervoso. Meus pensamentos ficaram acelerados e eu comecei a me fazer um monte de perguntas:
‘Como ele teve coragem de fazer isso, e se alguém tivesse nos visto? Ele vai espalhar para o colégio todo que me beijou, a inspetora vai descobrir, nos levar para a diretoria e minha mãe vai me matar duas vezes.’
Quando percebi que estava pirando, tentei me controlar focando no espelho.
‘Calma, Sol, você não fez nada! E outra, foi só um beijo.’
O meu primeiro beijo.
A raiva aumentou em mim, assim como a vontade de tirar satisfação com ele, mas o que eu falaria?
‘Você roubou meu primeiro beijo?’
É claro que eu não podia divulgar essa informação porque iria virar ‘a piada’ da escola porque até onde sei todos os meus colegas já beijaram e eu sou a única que continuo BV (boca viirgem).
‘Será que ainda sou considerada BV depois desse selinho?’
Eu já nem sei mais, mas o fato é: como eu vou olhar pra ele de novo depois dessa reação?’
A minha vontade era fugir da escola e não voltar mais, mas como não tenho um álibi adequado para isso e ainda preciso entregar o exercício hoje, me limito a controlar minimamente os meus nervos e voltando para a sala ainda trêmula.
Chegando nela, já o encontro pronto para se desculpar:
—Me desculpa, Sol, mas eu queria fazer isso há tanto tempo e você não me dava uma oportunidade.
Eu não sabia como agir, mas segui para o meu lugar sabendo que precisava ser firme, afinal ele precisa entender que eu não sou como as meninas que ele está acostumado a lidar.
—Sai de perto de mim, não quero falar com você. Foi ridículo o que você fez, e eu não gostei.
Para aumentar o meu nervosismo, ele seguiu atrás de mim, falando como uma matraca:
—Dá um desconto Sol, eu vou embora da cidade e só Deus sabe se vou ter a oportunidade de beijar você de novo.
A notícia me pegou de surpresa abrandando um pouco a minha raiva e aguçando a minha curiosidade, então perguntei já mais branda:
—Como assim vai embora? Do que você tá falando?
—Meu pai arrumou um emprego em Vitória e hoje é meu último dia aqui. Ele está na secretaria agora acertando tudo.
Fiquei chocada com a notícia, e muito triste também, afinal nós estudávamos juntos desde a 3° série e no fundo eu achava ele uma gracinha a maior parte do tempo porque sempre me tratou muito bem.
Claro que nesse último ano eu tinha notado um tratamento diferenciado a minha pessoa, mas o que eu podia fazer?
Não tenho vontade de beijar e se minha mãe descobrisse uma coisa dessa ia me matar, então foi mais fácil fingir que nada estava acontecendo. Até porque eu ainda não conseguia achar normal o beijo na boca. Isso sempre me pareceu muito nojento e só de pensar meu estômago embrulha.
Depois de entender o seu motivo me senti mais controlada, então respondi:
—Tá bem. Eu te desculpo, e espero que dê tudo certo em Vitória.
—Então me dá um abraço?
—Claro…
Mesmo levemente envergonhada concordei com o seu pedido, o que claro abriu a oportunidade que ele tanto queria para me pedir com o sorrisinho que é a sua marca registrada:
—E que tal um beijo de verdade para eu lembrar da minha morena preferida lá em Vitória?
—Você tá querendo outro soco?
—Não… vou ficar com o abraço mesmo.
—Foi o que eu pensei…
Nos abraçamos e naquele exato momento o professor entrou na sala seguido pelos nossos colegas de classe, interrompendo o nosso momento, nos zuando.
‘Porque adolescentes são tão chatos?’
Fim das lembranças…
(...)
Dias atuais…
Somos uma rodinha com 6 mulheres, em idades variadas. Patrícia é a mais velha, seguida por Fernanda, Laura, Évelyn e a sua irmã Julia.
Me chamo Sol e adoro meu nome, tenho 1,66 de altura, a pele morena, cabelos cacheados e castanhos, olhos levemente puxados e castanhos, com um corpo esbelto dentro dos meus 58 kg.
Os caras começam a se aproximar cada vez mais e ao olhar para Patrícia vejo ela encarando um moreno lindo que retribui seus olhares e logo se apressa em chegar até ela. Eles iniciam um papo que dura menos de 4 minutos e se beijam como se aquilo fosse algo corriqueiro.
‘Credo… que nojo!’
Parece que isso motiva as outras duas mais velhas porque só vejo a Fernanda e a Evelyn fazendo a mesma coisa, cada uma com seu gatinho recém encontrado. Isso deixa a Laura zangada pois ela não suporta ficar para trás, ela começa a procurar a sua presa, que logo é encontrada e pronto…
Júlia e eu nos damos por vencidas, sentamos na areia para conversar e observar as pessoas à nossa volta, cada um no seu mundinho. Uns conversando, outros se beijando e muito por sinal, outros fazendo seus rituais religiosos no mar e outros dançando porque a música continuava rolando. Mas nós duas, aguardamos as bonitas aproveitarem pacientemente até que chegue a hora de voltar para casa.
(...)
A volta foi tumultuada, o trânsito tinha sido desviado e os ônibus estavam passando distante das ruas da orla, o que nos fez caminhar um bom pedaço para pegá-lo. A graça da festa já tinha acabado depois das horas de espera para que todas as bonitas se despedissem dos seus gatinhos, e aí só se ouvia os comentários...
Patrícia: —O cara que eu fiquei beijava tão bem, não queria que a noite acabasse.
Fernanda —Nem me fale, essa noite foi ótima!
Evelyn: —E vocês duas ficaram sentadas de vela o tempo todo. Porque não acharam uns gatinhos para beijar também?
—Muito obrigada, mas eu dispenso — Respondi meio sem graça —Sei lá onde eles passaram aquelas bocas antes de chegar em mim.
As risadas ecoaram ao meu redor, me fazendo sentir uma criança fora do meu hábitat natural.
‘O que no fundo não é uma mentira porque eu não migrei totalmente ainda.’
Estou naquela fase da vida que a gente não sabe se ainda é considerada uma criança ou uma adolescente porque cada pessoa nos trata de um jeito.
‘Ás vezes eu fico confusa.’
Evelyn: —Fala sério que você ainda tem nojo de beijar, Sol?
—Tenho, qual é o problema?
Confessar meus segredos as minhas primas nem sempre é o certo a se fazer, e elas comprovam isso agorinha.
Evelyn: —Você devia experimentar, sei que vai gostar.
E foi possível ouvir mais risadas às minhas custas.
‘Porque eu ainda insisto?’
As quatros mais velhas se juntaram andando na frente, conversando e rindo. E eu fiquei para trás com a Júlia que passou o braço no meu ombro falando:
— Não liga pra elas, logo vai chegar nossa vez.
‘E quem disse que eu quero isso?’
No fundo eu sabia que podia dividir essa informação com a Julia, mas neste momento, preferi guardar só para mim enquanto seguíamos para casa porque tudo o que eu queria era um banho para tirar toda a espuma e vestígio de bebida que tinham jogado na gente e cama.