Depois das palavras afiadas de Cara, o ar entre eles se tornara pesado, quase sufocante. Rycon não suportou. A fúria que ele vinha contendo como brasas sob cinzas irrompeu em labaredas. Em passos pesados, ele deu a volta na mesa até alcançá-la.
Antes que Cara pudesse reagir, sentiu o aperto firme no seu braço. Ele a puxou para si, tão próximo que ela conseguia sentir o calor de sua respiração e o peso do olhar dele, olhos carregados de uma fúria que não se disfarçava, e que naquele momento era totalmente voltada para ela.
— Repete. — a voz de Rycon era grave, um desafio que vibrava no ar. — Diz na minha cara o que acabou de dizer.
As palavras batiam contra Cara como aço, mas o que realmente a paralisava era o toque dele, a força nos seus braços. O aperto não era o mesmo, mas sua mente não soube distinguir. Num lampejo doloroso, o presente se distorceu. Não era mais Rycon diante dela — era Arthur.
As memórias vieram como facas afiadas: a sala escura, os gritos, os dedos de ferro em sua pele, a humilhação, o medo que a consumia cada vez que ele se aproximava, os tapas, chutes e socos que Arthur insistia em lhe dar. O passado infiltrou-se no agora, e Cara deixou de ver a ira de Rycon — via o rosto distorcido de Arthur, ouvia a voz dele, sentia o terror se enraizar no peito.
O coração disparou, as pernas fraquejaram. O ar parecia escapar por entre os lábios, como se o mundo tivesse encolhido ao redor dela. Cada inspiração era uma luta, cada segundo uma batalha. Seu peito queimava enquanto ela lutava para respirar corretamente, mas falhava miseravelmente.
— Cara? — Rycon franziu o cenho, mas ainda não compreendia. — Olha para mim!
Ela tentou, mas os olhos não obedeciam. A visão se turvava entre o presente e o passado, entre a sala em que estava e as sombras que insistiam em arrastá-la de volta àquele inferno. O peito arfava em busca de oxigénio, mas quanto mais tentava, menos conseguia.
Foi então que Rycon percebeu. Cara não estava bem, a forma que ela agia naquele momento era diferente de antes, não tinha nada da mulher desafiadora de segundos atrás. Os olhos que antes desafiavam agora estavam marejados, perdidos, como se ela não o reconhecesse.
Num instante, ele a soltou.
— Cara! — o tom dele mudou, agora carregado de alarme.
Mas já era tarde. O pânico consumia cada parte dela. O chão desaparecia sob os seus pés, e o mundo girava num turbilhão de sombras e lembranças. A respiração falhou por completo, e, antes que pudesse entender o que estava acontecendo, o corpo de Cara cedeu.
Rycon apenas teve tempo de estender os braços, amparando-a contra o peito. Ela estava inconsciente, frágil como nunca o vira antes. A fúria que o dominava se dissipou em desespero, e ele permaneceu imóvel por um segundo, sentindo o peso dela em seus braços e a culpa escorrendo dentro dele como veneno.
O coração dele disparou, não de raiva, mas de pavor. O que tinha acabado de acontecer?
Ele olhou para as próprias mãos, ainda trémulas do aperto que lhe dera nos braços. Um arrepio de culpa percorreu-lhe a espinha. Tinha exigido que ela fosse forte, que o enfrentasse, mas não percebera o quanto aquilo estava custando a ela.
— Cara… — murmurou, a voz já não era a mesma que a desafiava segundos antes. Era um pedido, quase uma súplica. — Acorda, por favor…
Rycon abaixou-se com ela nos braços, deitando-a com cuidado no sofá próximo. Os olhos dele percorriam o rosto pálido dela, as lágrimas ainda marcando a pele.
— O que ouve senhor? — Pergunta Ivy correndo até eles em desespero.
— Não sei, ela passou mau, chame um médico. Rápido! — Diz ele fazendo a secretária tremer antes de sair correndo para atender o seu pedido.
O peito dele se apertou. Nunca se sentira tão impotente. Acostumara-se a resolver tudo com força, a enfrentar problemas com força e determinação. Mas ali, diante daquela mulher, a sua força não servia para nada.
Sentou-se ao lado dela, segurando-lhe a mão com um cuidado quase reverente, temendo que um toque mais forte pudesse quebrá-la ainda mais.
— Eu não queria… — murmurou, apertando os olhos fechados por um instante, sufocado pela culpa. — Eu nunca te faria m*l.
Mas as palavras pareciam vazias no silêncio da sala. A sua voz não chegava até ela, perdida no labirinto de memórias que a tinham feito desmoronar.
Rycon sentiu a garganta secar. Pela primeira vez em muito tempo, o guerreiro, o homem que todos temiam, não sabia o que fazer. Tudo o que podia era esperar que ela despertasse… e rezar para que, quando abrisse os olhos, ela estivesse bem.
— O médico senhor. — Diz Ivy minutos depois acompanhando um senhor grisalho.
Pela forma que o médico andava, dava para ver que ele tinha saído apreçado, já que a suas roupas estavam desarrumadas e o cabelo bagunçado.
— Rapido, examine ela. — Diz Rycon se levantando do sofá e se afastando para que o médico a tratasse.
— O que aconteceu senhor? — Pergunta ele enquanto aferia a preção de Cara.
— Estávamos conversando e ela desmaiou. — Diz ele sem entrar em detalhes.
— Muito provavelmente ela deve ter tido um pico de preção, é comum nesta época do ano já que o clima está mais quente.— Explica o médico alheio ao olhar preocupado de Rycon.
— Espero que seja só isso mesmo, ela estava tão bem hoje mais sedo. — Responde Ivy alheia ao que acontecia.
— O que está acontecendo aqui Rycon? — Pergunta César se aproximando com Mira ao seu lado.
— Meu deus! O que ouve com ela? — Pergunta Mira vendo a forma que Cara estava pálida.
— Estávamos conversando e ela desmaiou. — Diz Rycon massageando os olhos por ter que explicar aquilo novamente.
— Vou acordá-la e podemos ver como ela está. — Diz o médico tirando algo da bolsa e colocando no nariz de Cara para que ela inalasse.
Cara acorda num pulo, e quando os seus olhos encontram os de Rycon ela se encolhe no sofá agarrada ao seu corpo.
— Fique longe de mim! — Grita para Rycon deixando todos em choque.