Juliana olhou para ele se surpreendendo ao ver que os boatos eram reais, Roberto tinha se tornado o traficante e dono do morro, herdando o “trono da favela” de seu tio, sendo conhecido como um dos homens mais frios que o morro tinha visto, mas não era dessa forma que ela o via, pois na infância tinham sido grandes amigos, mesmo que sendo muito diferentes, se conheceram na escola, Roberto sempre a defendia de das pessoas que zombavam dela por estar sempre de saias longas e camisetas diferentes das que as meninas usavam, ele batia em quem mexia com ela e ela seguia apaixonada por ele, mas na sexta serie ele decidiu ir atrás de seu sonho que era trabalhar no tráfico, deixando os estudos e aos onze anos ingressando na carreira de menor infrator. Ela sempre ouvia alguma coisa sobre ele, os dois se viram até os quinze anos, se cumprimentando e parando para conversar, mas depois disso ela ficou apenas com as coisas que ouvia sobre ele, pois Roberto nunca mais a visitou, o dono do morro quase nunca dava suas caras pelas ruas nem nos pontos de tráfico, era até estranho ver ele na rua, ele estava lindo, tinha esticado e também ficado forte, Roberto era um homem bonito, não tinha aparência de usuário de drogas, seus cabelos eram preto como a escuridão e os olhos cor de mel, sua pele parda mais para escura do que para clara não tinha manchas do sol e nem nenhum defeito. Juliana o achava lindo, mas nunca pensou em viver um romance com ele, ainda que seu corpo e sua mente o desejassem sabia que não podia ficar com ele, pois desde sempre Roberto falava sobre seu desejo de ser o dono do morro, ele nunca pensou em sair da comunidade, sendo assim seus desejos opostos, quando criança Juliana o tentou convencer, mas ela não teve sucesso, ele sempre dizia que a visitaria e que acreditava que ela seria muito feliz fora de lá, encontrando o mundo ao qual realmente fizesse parte e então não se chatearia mais com a maldade das pessoas.
-Então- disse ele olhando firmemente nos olhos dela a fazendo estremecer- Ainda tenho que te defender é isso?- ele segurou na mão dela a ajudando a andar e tirar os olhos dos corpos esparramados pelo chão percebendo quão em choque ela estava- Eu vou te lavar.
-Não precisa- disse ela observando que um grupo de meninas a encaravam- tem mais corpos para baixo?
-Não, acabou, mas vou mandar os caras tirarem eles da rua.
-E o que acontece depois? perguntou ela com medo da resposta- seus familiares vão enterrar?
-Não se preocupe com assuntos que não são seu Juliana, vejo que ainda continua uma manteiga derretida, sempre preocupada com os outros.
-Mas eles são crianças Roberto, devem ter suas mães esperando que cheguem em casa, isso é uma agonia, não faça isso com elas, não é você o dono do morro agora? Vejo que realizou seu sonho.
-Vejo que ainda não realizou o seu e continua muito teimosa.
Os dois sorriram e caminharam um instante em silencio até que ela disse:
-Você não mora mais por aqui, nunca mais te vi na rua nem em lugar nenhum.
-Eu fico num lugar diferente agora, essas pessoas acreditam que minha vida vale muito e ficam zelando por ela, eu só vim hoje porque um antigo rival resolveu aparecer depois de tanto tempo, ele saiu espalhando por ai que vinha me buscar então para não levar a briga para o topo do morro decidi descer, já que ainda tem pessoas que insistem em morar lá mesmo sabendo dos riscos, é perigoso Juliana descer o morro nesse horário, você não devia andar por ai sozinha do jeito que está.
-A minha vida não é tão importante quanto a sua e eu não posso estar isolada pois eu tenho que trabalhar, todos os dias, seis dias por semana e uma só folga, olha eu nunca imaginei que era tão c***l se adulta, toda semana é a mesma coisa, muito trabalho saindo um horário desses seis dias por semana, tendo quatro folgas no mês apenas, eu não tenho certeza se os sonhos se realizam, antes era muito mais fácil de acreditar do que agora.
-Mas vai dar certo- disse ele olhando nos olhos dela- os sonhos realmente se realizam, eu tenho certeza que sua hora vai chegar, vai dar certo para você também.
-Oi- disse uma moça usando um vestido curto o abraçando pelas costas e o beijando, ela era tão linda e arrumada que deixava Juliana constrangida- O carro chegou, é hora de ir- ela cumprimentou Juliana com um aperto de mão- Vou te esperar lá na frente mas não demora, é hora de começarmos a limpeza por aqui e sair antes do sol nascer.
-Então- disse ele a Juliana- você ainda parece aquela menina indefesa que eu gostava tanto de defender, eu sinto falta das nossas conversas, acho que você é a pessoa mais diferente que conheço agora porque na minha vida nada é normal e o normal faz falta, um dia desses eu vou lá tomar um café com você, ouvir aquelas palavras que dizia antes, elas sempre me fizeram bem, até um dia minha amiga.
Eles se despediram e Juliana voltou a descer sozinha o morro, pensando no que significava ser “normal”, ela achava que nunca tinha feito o tipo dele desde pequena, mas ao ver a mulher com quem estava agora tinha certeza absoluta, “ele nunca ficaria com um patinho feio” pensou ela descendo o morro chateada, até se lembrar antes que ele a quisesse, ela também não fazia questão de estar com ele, seu sonho era sair do morro e não de ser primeira dama de traficante. No pé do morro a polícia se preparava para subir e o alvoroço era feito, muitas pessoas gritavam injustiçadas por serem proibidas de irem para sua casa sem poder e algumas mães que haviam recebido a notícia da morte de seus filhos estavam em prantos implorando pela misericórdia daqueles homens, para descer os corpos se seus filhos para enterrarem, aquele dia ia longe ainda na comunidade, mas ela esperava que quando voltasse as coisas estivessem mais tranquilas, pois queria ao menos tentar dormir. Juliana resolveu caminha um pouco mais para pegar ônibus, ela conhecia a rotina, todas vezes que tinha operação no morro depois de uma briga de gangues muitos civis morriam, enquanto os bandidos ficavam como Roberto tinha acabo de dizer, escondidos, ela não queria se atrasar para o trabalho e nem sujar sua roupa tendo que deitar no chão por causa de trocas de tiros, por isso caminhava mais de três pontos de ônibus para chegar do outro lado da cidade.
Ela sentou no ponto de ônibus tentando acreditar que ela indo trabalhar aquele horário era certo e que não era certo fazer baile no meio da semana, bailes luxuosos para comemorar a morte, ela pedia misericórdia de Deus sobre aquele povo acreditando que eles não sabiam o que estavam fazendo e pedindo para que Deus a ajudasse a olhar para o que realmente era certo, pois tinha vivido uma vida inteira e nunca tinha tido dinheiro para compra um tênis como aquele que a menina que estava com Roberto estava, ela pensava que dali os dois iriam descansar, dormir até a hora que quisessem ficar juntos como casal, enquanto ela enfrentaria o trabalho de caixa em um mercado da cidade, recebendo todo o tipo de tratamento até o meio da tarde, onde depois iria embora sem saber se encontraria seu familiares vivos em casa e caso estivessem ficaria lá com eles, sendo sua mãe e seu pai sua companhia e se as ruas estivessem tranquilas seguiria para a igreja onde finalmente tentaria descansar a mente, para no outro dia viver tudo novamente e assim a vida ia seguindo, ela tinha terminado os estudos, mas condição financeira e habitacional não permitiram que ingressasse na faculdade, ela trabalhava nesse mercado desde os dezesseis anos, tendo começado como jovem aprendiz e foi ficando até a atualidade, ela conhecia todos os trabalhos na loja e achava que tinha ser gerente, mas aprecia que sua vez nunca chegava, sentindo-se cada vez mais desanimada.