Internada
Gregório Schneider
O cheiro de éter e a luz pálida do quarto de hospital me trouxeram lembranças antigas, da minha mãe definhando em uma cama parecida com a que está diante dos meus olhos. Por causa de uma doença sem cura, a perdi cedo. Infelizmente, ela não estaria lá para me levar ao altar no meu casamento com Lívia.
Eu odiava hospitais, mas parecia que Cassandra nunca melhorava, e isso estava começando a me deixar inquieto. Por que ela não melhorou? Seria falta de recursos, persuasão ou algo que eu não estava identificando? O quarto era luxuoso, o mínimo que eu poderia fazer depois que Cassandra quase perdeu a vida nos aposentos do castelo. Cumprindo suas funções ao meu lado na máfia, mesmo que tudo estivesse estranho entre nós, ela ainda era minha aliada e conselheira.
O pai dela, Luiz, um homem que sempre soube como manobrar, negociar e conseguir o que queria, agora se via impotente. O mundo parecia conspirar contra ele, roubando-lhe o controle que tanto prezava. Luiz, um dos melhores aliados do meu pai e agora muito importante no meu comando, estava uma verdadeira bagunça. Nem de longe era o homem que todos respeitavam e admiravam.
Eu entendia que ele não aceitava o que tinha acontecido com a filha. Se estivesse no lugar dele, também não gostaria que minha filha passasse por isso. Eu estava investigando quem havia entrado em meus domínios sem ser visto, filmado ou morto. O indivíduo que carregou cobras até o local onde Cassandra dormia no Castelo e armou uma armadilha perfeita era alguém que eu não conseguia identificar.
O plano era simples, na verdade, impecável. Foi feito com excelência, pois estávamos aqui no hospital, afinal. Ninguém viu a pessoa entrando ou saindo, apenas as cobras. E uma delas picou Cassandra.
— Nenhuma das cobras recolhidas do quarto tinha veneno — Caio entrou no quarto já falando algo que não era óbvio.
No mínimo, a pessoa que fez isso queria causar um estrago, não apenas dar um susto em nós.
— Como assim nenhuma daquelas malditas cobras tinha veneno, Caio? — Luiz se levantou, furioso, mas Caio nem se abalou. Os dois andavam se estranhando desde que Caio virou noivo de Cassandra.
— É o que estou lhe dizendo, sogro — Caio tirou do terno de alta costura os documentos que atestavam que nenhuma das cobras tinha veneno suficiente para matar Cassandra.
— E por que minha filha está entre a vida e a morte? — Luiz perdeu a compostura, esquecendo quem estava à sua frente.
O médico entrou, estranhando a fala. Ele era o melhor na área.
— Sua filha não está entre a vida e a morte. Ela teve um surto pela brincadeira de mau gosto, mas não está em perigo, como o senhor acabou de dizer — o médico falou sem se abalar, e Luiz ficou sem graça.
— O que está acontecendo aqui, afinal? — Todos me olharam com reações adversas.
Eu era o chefe da máfia, um homem de poder e influência, mas não era i****a a ponto de não acreditar que Luiz estava exagerando sobre a condição da filha, ou que Cassandra estava, sim, querendo tirar proveito da situação. Desde que eu disse que Cassandra se casaria com Caio, tudo virou motivo de reclamação por parte de Luiz. Cassandra também questionava tudo, me fazendo repensar até o cargo dela.
Um casamento arranjado, uma união de famílias, uma garantia de segurança e prosperidade para todos. Era uma jogada de mestre. Ele via um futuro grandioso para a filha e a família, um futuro onde o poder e o respeito reinavam. Eu o entendia, mas não amava a filha dele. E agora estava começando a acreditar que não era somente a mim que Cassandra tinha como objetivo.
A vida, como sempre, tinha outros planos. Meu coração já pertencia a outra pessoa. O casamento com Lívia já estava próximo. Eu esperava pacientemente minha conselheira melhorar para viajar e noivar oficialmente com ela.
— Então por que Cassandra não acorda? — Luiz perguntou, olhando para a filha que já dormia por três dias.
— Sinceramente, eu não sei... — o médico disse. — Todos os sinais vitais dela estão bons, não há sinal de veneno no sangue. Não há nada de errado com sua filha. Ela pode estar dormindo pela quantidade de remédios que vem ingerindo, mas isso também é raro de acontecer. Sua filha dorme o dia todo, mas não é por causa do veneno, é por outra coisa.
Essa história estava m*l contada.
— Suspendam os remédios, deixe-a no soro... — Caio disse, decidido. — Cassandra tem que acordar. Não tem veneno nas cobras, então não há perigo de morte.
Luiz perdeu a cor na mesma hora.
— Vai matar minha filha?
— Você não acabou de ouvir o médico? Ela tem que ficar no soro para voltar a reagir — os dois começaram a discutir.
Luiz era difícil, mas Caio não era meu subchefe à toa. Ele era perfeito para colocar Luiz em seu devido lugar. A situação no hospital se agravava a cada dia, não por causa da mulher que dormia, mas por causa dos dois homens que não se entendiam. Cassandra, outrora vibrante e cheia de vida, jazia em uma cama, frágil e indefesa. A doença, ninguém sabia de fato o que era, ou era isso que ela queria demonstrar.
Eu estava começando a duvidar se essa família estava mesmo ao meu lado por lealdade ou pela ganância do meu cargo.
— Não pode dar minha filha para se casar com esse i****a, Gregório... — Luiz parou na minha frente.
O pai, em um último ato de desespero, ou seria uma tentativa de alcançar um Gregório que eles não conheciam de verdade?
— Está questionando uma ordem minha, Luiz? — Eu o olhei de igual para igual.
— Não, chefe, mas pensei que, por Cassandra ser sua amiga... Pensei que você fosse mais responsável por ela. Que você cuidasse da mulher que ficou ao seu lado durante todo esse tempo.
Ele queria que o chefe da máfia ficasse, que "cuidasse" de outra mulher, uma amiga de longa data, uma mulher que ele considerava especial. Ele não queria isso de fato. Ele queria que eu me casasse com a filha dele. A proposta era um teste, uma forma de ver se o chefe da máfia se importava mais com o poder ou com a vida. Ele esperava que a resposta fosse a segunda opção, mas no fundo, ele sabia que a vida, para ele, era apenas mais uma peça em seu tabuleiro de xadrez.
— Caio é o meu braço direito, somos praticamente irmãos, Luiz. Sabe que ele vai cuidar da sua filha como eu cuidaria — a minha resposta não o agradou.
— Não me leve a m*l, Gregório...
Dei um sorriso enigmático. Sabia que o pai de Cassandra estava em uma encruzilhada: não podia negar uma ordem minha, mas queria me persuadir a fazer a sua vontade. Ele podia ter tudo o que queria, mas o preço a pagar era a vida de sua filha. A questão era que, na visão dele, Cassandra estava destinada a se casar com o homem errado. Ele queria que eu fosse noivo da minha menina.
Eu acreditava que ele não se importava de fato, na verdade, a vida era apenas mais uma peça em seu jogo. Ele via a situação como uma oportunidade, uma chance de demonstrar seu poder e sua influência.
— Está parecendo outra coisa, Luiz — o homem deu um passo para trás. — Parece que quer tomar o meu lugar e ditar as regras da minha máfia. — Ele engoliu seco. — Dei a minha palavra a Caio de que ele se casaria com Cassandra, e isso vai acontecer. — Eu disse, firme. — Fora que não volto atrás nem fico explicando ordens dadas.
— Agora, mais do que nunca, quero me casar com ela, faço questão — Caio debochou, e eu revirei os olhos.
— Na nossa máfia ela está segura. Se ela se casar com um aliado, eu não vou poder cuidar dela. É isso que quer? Que um homem que eu não tenha cem por cento de certeza que cuidará da sua filha fique e acabe com ela? Eu não posso e não quero me casar com sua filha. Você tem que entender isso.
— Senhor...
— Então, pronto! — Eu olhei para Caio. — Você fica com sua noiva e cuida dela — Caio sabia exatamente o que eu queria. Eu ficaria de olho em Cassandra e Luiz a partir daquele momento.
— Como? Por quê? — Luiz ficou desesperado.
— Porque eu quero. Tenho certeza de que amanhã ela acorda e volta para suas obrigações. — Luiz me olhou e depois olhou para Caio, sem saber o que falar. — Está decidido. Volte para sua casa, vá cuidar da mãe de Cassandra.
Saí do quarto, começando a acreditar que nem todos eram fiéis a mim como eu imaginava.