O garfo de Donna congelou no ar. Ela ergueu o olhar, tentando manter a expressão neutra, mas o nervosismo era palpável em cada traço do rosto.
— E…? — ela perguntou, a voz um pouco mais fraca do que pretendia.
Vittorio deixou o garfo repousar suavemente sobre o prato, limpou os lábios com o guardanapo e a fitou com intensidade.
— Ele me contou sobre a negociação com Lorenzo Falco. Disse que foi muito bem conduzida.
Donna soltou um suspiro contido, quase audível, como se todo o ar de seus pulmões tivesse ficado retido naquele instante.
— Sim… foi ótima. — Ela sorriu com uma pontada de alívio. — Mas não poderia ter sido diferente sem a ajuda do Jake.
Jake, que estava sentado na primeira cadeira à direita da cabeceira oposta, ergueu uma sobrancelha e deu um sorriso de canto.
— É, mas foi você quem foi até Andaluzia e matou os três sócios, Donna — disse Vittorio, com um brilho de orgulho e empolgação na voz. — E deixou a cena perfeita. Impecável. Discreta. Fria. Como deve ser.
Jake cruzou os braços, inclinado para trás na cadeira.
— Eu também poderia ter feito isso… se o senhor me deixasse. — A provocação estava ali, com uma leve ponta de ressentimento.
— Eu sei que sim, Jake. Você é capaz de muitas coisas, mas Donna foi lá e fez. E fez bem. Um feito e tanto. — Ele se virou novamente para a filha, os olhos escuros vibrando com intensidade. — Como pensou em tudo aquilo?
Antes que Donna pudesse responder, Ellis, que até então apenas observava, pigarreou alto e firme. Imediatamente, todos na mesa voltaram os olhos para ela.
— Estamos tomando café. — A voz dela era suave, mas carregava firmeza. — A regra é clara: nada de discutir negócios durante as refeições.
Vittorio olhou para a esposa, um meio sorriso surgindo nos lábios, admirado com a força tranquila dela. Ele ergueu as mãos num gesto de rendição.
— Você tem razão, amore mio. Me empolguei. Mas é que foi incrível o que ela fez — disse, voltando os olhos para Donna. — E ainda voltou para a reunião e acabou com Lorenzo Falco. Uma obra-prima.
Donna abaixou o olhar, modesta, e disse:
— Como eu falei, pai… não fiz isso sozinha. Tive ajuda do Jake.
Jake ergueu a xícara de café e murmurou:
— Eu só redigi o contrato — disse ele, tentando parecer indiferente.
— Ainda assim, era a parte mais importante — respondeu Donna, lançando um olhar sincero ao irmão.
— Rifle! — Vittorio, num tom empolgado. — Ela matou usando um rifle!
— Vittorio — disse Ellis, dessa vez com mais firmeza.
— Va bene, va bene — riu ele, erguendo novamente as mãos. — Vamos falar de outra coisa.
A mesa caiu em silêncio novamente, como se todos esperassem o novo rumo da conversa. Foi Marco quem rompeu o silêncio. Ele se inclinou ligeiramente sobre a mesa, os olhos curiosos voltados para a irmã mais velha.
— Eu gostaria de escutar sobre o que aconteceu em Andaluzia.
Ellis soltou um suspiro audível e revirou os olhos, como uma mãe exausta de disciplinar seus rebentos.
— Não. Nada de negócios. — Ela olhou de um a um, certificando-se de que fosse ouvida. — Existem assuntos mais interessantes e importantes a tratar.
— Como o quê? — perguntou Vittorio, com uma pitada de provocação nos olhos.
— Como o aniversário de Marco e Jason — respondeu Ellis, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Vittorio franziu o cenho, confuso.
— O aniversário dos meninos é daqui a… quase um ano.
— Quase um ano — repetiu Ellis, enfatizando. — E não um ano. Ou seja, temos muito a planejar. Então é melhor começarmos a falar sobre isso.
Jake disfarçou um riso atrás da xícara. Jason e Marco trocaram um olhar divertido, mas contido. Marco murmurou:
— É só um aniversário…
Ellis virou-se lentamente na direção dos gêmeos.
— É o aniversário de dezoito ano de vocês. E todos sabem o que isso significa.
O silêncio que se seguiu foi respeitoso. E cheio de significado.
Donna então se inclinou levemente para o pai. A expressão dela havia se tornado mais séria, e o tom da voz era cuidadoso.
— Papà… depois, eu gostaria de conversar com o senhor, no escritório.
Vittorio a encarou por alguns segundos, seus olhos escuros tentando decifrar o que se escondia sob aquela solicitação. Mas ele apenas assentiu.
— Claro. — Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. — Eu vou adorar escutar o que você tem a dizer.
Donna acenou discretamente e voltou ao seu prato. Enquanto a conversa migrava para bolos, convidados e se festas de aniversário com temas eram ou não apropriadas para jovens quase adultos, Donna apenas observava. A risada espontânea de Jason por causa de um comentário bobo de Jake, a paciência de Marco ao ouvir as sugestões excêntricas de Ellis para a decoração, e o modo como Vittorio a encarava de tempos em tempos, com aquele olhar de quem reconhecia algo que talvez tivesse passado anos negando: que ela não era mais a filha perfeita que partira.
***
Depois do café da manhã, aos poucos, os filhos de Vittorio e Ellis foram se levantando da mesa. Um a um, se aproximaram dos pais para dar a benção, curvaram-se respeitosamente diante de Vittorio, que repousava as mãos sobre suas cabeças com um murmúrio de aprovação, e beijaram a face de Ellis. Em seguida, cada um deles depositou um beijo afetuoso na bochecha de Donna, que permanecia sentada, as mãos entrelaçadas sobre o colo, os olhos firmes no pai.
Vittorio se levantou por fim e alisou o paletó com um gesto automático.
— Donna, venha comigo até o escritório.
Donna assentiu, mas antes que ela pudesse dar o primeiro passo, Ellis se ergueu também.
— Eu vou com vocês.
A sobrancelha de Vittorio arqueou em surpresa. Era raro Ellis interferir em assuntos que ele claramente separava como "negócios da casa". Donna se virou para a mãe e disse com uma calma quase ensaiada:
— Não precisa, mamma. Está tudo bem.
Ellis hesitou, olhando de Donna para Vittorio. Seus olhos castanhos brilharam com uma preocupação silenciosa.
— Tem certeza?
— Tenho — insistiu Donna.
Vittorio cruzou os braços, curioso.
— De fato, não há necessidade — ele disse, como quem testa o terreno — Ou há?
Donna sustentou o olhar do pai. Por um segundo, houve tensão no ar, mas ela respondeu com firmeza:
— Não. Só nós dois mesmo.
Vittorio a estudou em silêncio. Então assentiu com um leve movimento de cabeça e se virou. Enquanto caminhavam, Ellis permaneceu imóvel, os dedos apertando o pingente de Santa Ágata pendurado em seu pescoço, os lábios se movendo em uma prece muda.
Quando chegaram ao escritório, Vittorio abriu a porta para que a filha entrasse primeiro. Assim que ela o fez, ele fechou a porta atrás de si, girando a chave na fechadura — um hábito antigo, que parecia mais simbólico do que necessário. Ele seguiu até sua mesa, caminhando devagar, sem pressa, os olhos fixos em Donna. Ela usava jeans escuros, botas e uma blusa preta de gola alta.
Ele parou entre ela e sua imponente mesa de carvalho maciço, recostando-se casualmente na beirada.
Ele sorriu.
Aquilo soou tão deslocado que Donna franziu o cenho imediatamente.
— Por que está sorrindo?
— Porque… — ele olhou para a filha, o sorriso quase nostálgico — Essa é a mesma roupa que você estava usando quando entrou aqui pela primeira vez e me disse que passou na Università di Bologna.
Donna baixou os olhos para a blusa preta de gola alta, ajustada ao corpo, e passou a mão distraidamente pelo tecido.
— É mesmo?
— Sim — respondeu ele, confiante.
Ela ergueu os olhos, e a expressão dela mudou.
— Não foi, pai.
Vittorio inclinou a cabeça, como quem tenta entender.
— Claro que foi, eu me lembro como se fosse on.…
— Não. — Donna o interrompeu. — Você só está dizendo isso pra criar uma lembrança emocional comigo. Uma tentativa de me conectar a um momento feliz, de conquista… pra ver se eu desisto da decisão de pedir demissão do escritório do Don Roberto.