Yara respirou fundo antes de apertar o ligar.
Seu coração batia tão alto que ela quase não ouviu o trim-trim do outro lado da linha.
— Harry Bakserville falando. — a voz dele veio firme, profunda, com aquele sotaque britânico que parecia sempre calmo… até quando não estava.
Yara engoliu seco.
— Oi… é a Yara. Do bar.
O silêncio de um segundo foi quase palpável um silêncio de sorriso.
— Yara. — ele disse, como se fosse um nome que ele vinha repetindo mentalmente. — Fico feliz que tenha ligado. Então… aceitou o jantar?
Ela hesitou apenas o suficiente para parecer humana.
— Aceitei. Mas só pra ouvir essa proposta direito, viu? Sem promessa de nada.
— Claro. Sem pressão.—Ele parecia realmente satisfeito.—
— Eu passo aí pra te buscar, qual o endereço?
— Não! Não, não… — Yara respondeu rápido demais, quase tropeçando nas palavras. — A gente se encontra lá mesmo. No restaurante. É melhor assim.
Do outro lado, Harry deu uma risadinha curta, suave.
— Tudo bem. Qual lugar você prefere? Posso fazer reserva no Le Montclair. É discreto. Ótima comida.
Yara quase engasgou.
— Le Montclair? Aquele que você tem que vender um rim pra pedir a entrada?
— Bom, nunca precisei vender órgãos— ele riu.
— Acho melhor não.
Se ela fosse lá e desse r**m, ela ia ter que lavar pratos até os 50.
— Então… — ela disse devagar, tentando parecer casual. — Tem um restaurante brasileiro ali na esquina da Marylebone Road… ‘Brasa & Cia’. Tem uns pratos que eu tô morrendo de saudade.
Harry ficou em silêncio por dois segundos.
— Brasa & Cia. — ele repetiu, analisando o nome. — Você gosta de lá?
— Gosto. E… eu confio no cardápio.
Ela não falou que confiava também porque ali não tinha risco de ela ter que pagar 350 libras em uma entrada.
Harry não hesitou:
— Então será Brasa & Cia.—a voz dele parecia sincera, quase animada.— Oito horas?
— Oito tá ótimo.
Mais um segundo de silêncio… o tipo de silêncio que parecia carregar um sorriso.
— Estou ansioso pra te ver, Yara. — disse ele, com aquela calma calculada.
Yara sentiu o rosto esquentar, mesmo sozinha no quarto.
— É… então tá. Até mais tarde, Harry.
— Até mais tarde.
Ela desligou, largou o celular no colo e ficou parada.
Beatriz apareceu na porta com um pacote de biscoito na mão:
— E aí?
Yara respirou fundo, ainda meio zonza.
— Eu… marquei. A gente vai num restaurante brasileiro. Às oito.
Beatriz arregalou um sorriso imenso.
— AIIIII MEU DEUS É AGORA!
Yara só conseguiu rir… nervosa.
Mas no fundo, bem no fundo, ela sentia algo diferente uma sensação que misturava medo, curiosidade, e uma pontinha de esperança de que aquela noite… talvez mudasse tudo.
Yara estava de toalha na cabeça, sentada em frente ao espelho pequeno do quarto, enquanto Beatriz andava em círculos como uma personal stylist desesperada e dedicada.
— Yara, escuta a estilista aqui: a gente vai de bonita sem esforçar. Entendeu? Nada de vestido que parece que você tá indo assumir a presidência do Brasil. Você quer passar “sou natural, mas chique”.
—Beatriz abriu o guarda-roupa com um gesto dramático. — E esse é o momento em que sua fada madrinha entra em ação.
Yara riu, nervosa.
— Bia, é só um jantar de conversa… de trabalho.
— Aham. — Beatriz cruzou os braços. — E eu sou a Beyoncé.
Depois de uns dez minutos revirando roupas, Beatriz tirou um vestido que Yara raramente usava:
Um vestido midi azul petróleo, simples, elegante, que valorizava o corpo sem parecer chamativo.
— Esse.
— Bia… sério? Esse?
— Você quer parecer profissional, linda e impossível de ignorar? Então é esse.
Yara respirou fundo.
— Tá… vou confiar.
— Ótimo. — Beatriz pegou uma paleta de sombras e um pincel — Agora senta que eu vou fazer sua make. Nada de exagero.O resto, Deus faz.
Yara riu, relaxando um pouco.
Beatriz trabalhou nos cachos com cuidado, depois passou um gloss nude e iluminador leve.
Quando Yara se levantou pronta, Beatriz até colocou a mão no peito.
— Minha filha… se esse homem não ficar de joelhos hoje, ele não tem coração.
Yara ficou vermelha.
— Para, Beatriz!
— Tô falando sério!
— Para!
Harry deixou a caneta sobre a mesa, levantou da cadeira e passou a mão pelo cabelo um gesto que só fazia quando estava nervoso, embora não admitisse isso para ninguém.
Ele pegou o celular.
Discou para Brooks.
O amigo atendeu na terceira chamada:
— Diz pra mim que você tá me ligando porque finalmente entendeu que precisa de férias.
— Ela aceitou. — Harry cortou, direto.
Silêncio.
Depois uma risada escandalosa de Brooks.
— A garçonete? A do sotaque cantado? A que você ficou encarando como se tivesse visto um cometa?
Harry revirou os olhos.
— Sim, Brooks. Ela.
— MEU DEUS, HARRY! — Brooks gritou no viva-voz de algum lugar movimentado. — Isso é ótimo! Fantástico! Quer que eu passe aí pra escolher sua roupa amiga ?
— Vai se fuder — Harry suspirou. — É só um jantar. Vou explicar o acordo. De forma profissional.
— Aham.
—Dava para ouvir o sorriso debochado do amigo.
— Só profissional. Com uma mulher linda, inteligente e totalmente diferente de todo mundo que você conhece. Claro. “Só profissional”.
Harry ignorou a provocação.
— Ela quis escolher o restaurante, um tal de Brasa&Cia.
— Interessante, nunca ouvi falar.
— Nem eu.
Brooks riu.
— É...parece que o príncipe de gelo tem um encontro, finalmente. Vou vender a notícia pra algum site.
Harry não conseguiu evitar um pequeno sorriso.
— Filha da p**a.
— E outra… — Brooks acrescentou. — Se você estragar isso, eu próprio te enterro.
— Não vou estragar. — Harry disse, sério.
— Ótimo. Então veste um terno bonito, passa perfume e não tenta parecer menos interessado do que você está. Porque você é péssimo em disfarçar.
Harry soltou um tch irritado.
— Até mais, Brooks.
— Vai lá, Romeu. Me manda mensagem depois.
Harry desligou, respirou fundo e ficou parado, encarando o próprio reflexo no vidro da sala.
Ele não sabia explicar… mas estava mais nervoso do que deveria estar.
Muito mais.
E ao mesmo tempo, ansioso.
Ridiculamente ansioso.
A noite prometia para os dois.