Harry tentou voltar a focar na conversa, tentou ouvir Brooks reclamar do chefe, do trânsito, da vida… mas, pela primeira vez naquela noite, seu cérebro simplesmente se recusou a obedecer.
Ele estava distraído.
Completamente.
O olhar dele era puxado, como por um ímã, para a direção em que a garçonete tinha ido.
Ela se movia entre as mesas com naturalidade, o bloco de pedidos na mão, mas parecia ser de um mundo diferente das outras funcionárias do bar.
As outras eram discretas, rápidas, quase invisíveis treinadas para não chamar atenção.
Ela, por outro lado…
Ela sorria.
E não um sorriso profissional, mas um sorriso genuíno, luminoso, que surgia fácil nos lábios.
Falava com os clientes com uma proximidade leve, natural, como se tivesse sido feita para lidar com pessoas. Sua risada surgia aqui e ali, espontânea, e até isso tinha aquele ritmo melódico, quase cantado, que mexia com a atenção de Harry como nada mais estava conseguindo fazer naquela noite.
— Harry? — Brooks estalou os dedos na frente do rosto dele. — … você voltou pra órbita ou ainda tá pairando?
— Eu… — Harry piscou, desviando o olhar rapidamente. — Eu tô ouvindo.
Brooks olhou para onde ele olhava e abriu um sorriso malicioso.
— Ah. Entendi perfeitamente.
Harry franziu o cenho.
— Não começa.
— Eu nem falei nada, mas você acabou de confessar — Brooks disse, rindo. — Tá encarando a coitada faz uns cinco minutos.
Harry pigarreou, desconfortável, e tentou se justificar.
— Não estou encarando. Estou… observando o ambiente.
— Claro. E o “ambiente” tem cachos e um sorriso bonito.
Harry bufou, mas não negou.
De onde estava, conseguia ouvir fragmentos da voz dela quando atendia as mesas próximas. Ela falava com duas mulheres que riam alto, pedindo mais drinks. A garçonete respondia com aquele sotaque melodioso, onde as palavras subiam e desciam como ondas calmas:
— Mas esse aqui tá fraco é nada, viu? Eu trago outro mais docinho pra vocês. Um minutinho só, flores.
Aquilo… aquilo arrancou um quase sorriso de Harry.
Flores.
Quem falava assim em uma cidade onde tudo parecia seco, sério, formal demais?
Ela.
As palavras dela soavam macias no ouvido, mesmo ditas a outros. Havia algo acolhedor ali, algo que ele não sabia nomear apenas sentia.
Brooks percebeu o olhar pensativo dele e cruzou os braços com satisfação.
— Já vi esse tipo de expressão antes. — Ele comentou. — Geralmente quando você olha um novo contrato que quer fechar. Só que agora… é mais grave.
— Vai te catar. — Harry disse, sem força real na voz.
Brooks sorriu, vitorioso.
— Tá curioso.
Harry demorou três segundos antes de admitir, baixinho:
— …O sotaque dela é… diferente.
— Diferente, hein? — Brooks riu. — Pode chamar de bonito. Não te mata dizer isso.
Harry não respondeu.
Mas continuou olhando.
Só que agora, não com irritação ou dor e sim com um tipo de curiosidade nova, inesperada, que estava abrindo um espaço dentro dele que ele achava que tinha sido fechado depois de Olívia.
A garçonete virou para outra mesa, os cachos balançando com o movimento leve da cabeça.
Quando ela sorriu, a luz azul do bar refletiu nos olhos dela de um jeito que Harry não conseguiu ignorar.
E ele percebeu que, pela primeira vez em muito tempo, algo ou melhor, alguém conseguia atrair sua atenção sem esforço.
Como se puxasse os pensamentos dele para longe de tudo aquilo que o sufocava.
Do pai.
Da empresa.
Da pressão.
E, principalmente, do passado.