Ivan estava acompanhado de Lis e Pablo eram soldados fiéis e a mulher conhecia bem a região, no passado tinha sido uma das vítimas do tráfico humano, mas agora era alguém que lutava com todas as forças para que outras meninas não passassem pelo inferno que havia experimentado na juventude.
Quando entraram no porão o cheiro de podridão deixou Pablo enjoado, mas Ivan estava acostumado e seguiu até um espaço que se assemelhava a um canil público, pequenas gaiolas abrigavam mulheres nuas que seriam leiloadas, o andar de cima estava limpo, todos os envolvidos naquela barbárie haviam sucumbido, mas as marcas deixadas naquelas garotas, provavelmente permaneceriam ali para sempre.
Algumas meninas pareciam sob o efeito de alguma substância entorpecente, outras imploravam por ajuda, mas foi a menina de olhos azuis como o céu que mais chamou atenção do chefe. Ela não chorava, nem pedia por ajuda, estava sentada abraçando as próprias pernas em um canto da gaiola. O lugar não permitia que elas ficassem em pé, e não tinha nada além de um balde para que as meninas fizessem suas necessidades.
Lis usou um alicate para abrir os cadeados, mas Ivan estava abaixado próximo a grade que o separava de Ayla.
- Como é seu nome, criança?
O capô usou espanhol para tentar se comunicar, mas a resposta veio em inglês.
- I don't speak your language, sir.
Eu não falo o seu idioma, senhor.
Não seria um problema, Ivan era o presidente do conglomerado empresarial Bianchi, havia sido educado desde a infância para ter fluência em todas as línguas comerciais e assumir o lugar do pai. Respondeu tentando usar uma voz gentil, tinha consciência de que sua aparência era assustadora, o homem havia enfrentado o inferno e sobrevivido, mas saiu da guerra com marcas que o faziam parecer com um monstro.
- What's your language, child?
Qual o seu idioma, criança?
- Hebrew, sir
Hebraico, senhor.
Ivan não falava hebraico, não era considerada uma língua importante para contatos comerciais, mas percebeu que a menina falava bem o inglês, por isso continuou.
- Can we continue speaking, English?
Podemos continuar usando o inglês?
Ayla olhou para o homem pensando que se ele fosse seu comprador, ela não teria nenhuma chance de escapar, mas pelo menos ele ainda não tinha sido violento.
Lis se aproximou e rompeu o cadeado da gaiola, estendendo a mão para a menina.
Assim que ela se ergueu, uma espécie de lençol foi posta sobre seus ombros cobrindo a nudez que antes Ayla protegia com os braços.
Ivan enviou cada uma das garotas de volta para seus países de origem com uma boa quantia, o valor seria mais do que suficiente para que as meninas pudessem se manter sem nenhum apoio por mais de um ano, mas Ayla se agarrou ao braço de Lis.
- Não posso voltar para casa, meus pais não me aceitarão, pela Torá não sou mais digna de um casamento e serei a ruína da minha família. Na minha terra ter uma mulher como filha é tido como fraqueza, se essa mulher for contra a Torá pode ser executada para servir como exemplo e meus irmãos nunca conseguirão se casar, ficarão sujos pelo meu pecado, por favor, não o deixe me mandar de volta.
Ayla estava chorando de joelhos aos pés de Lis, agarrada em seu braço como uma criança. Aquilo que era o mais esperado para todas as outras meninas, era a maior angústia para Ayla.
Yael Ayla era israelense, sua família compunha a comunidade judaica ultraortodoxa e as mulheres eram vistas como impuras caso saíssem nas ruas sem peruca, conversassem com outros homens que não fossem da família, ou se relacionassem com alguém fora da religião.
A menina sabia que seus pais a amavam, mas também lamentavam o fato de Javé ter-lhes enviado uma menina.
Retornar a Israel seria sua morte e ruína da família, preferia permanecer na Espanha, com sua liberdade poderia trabalhar e até conseguir alguma dignidade. Ayla sabia que no ocidente mulheres eram autorizadas a trabalhar e até podiam receber salários.
Ivan interveio quando viu a menina implorando a Lis.
- Levante-se, criança, virá com a gente para o Brasil, receberá o mesmo valor que as demais, mas também poderá trabalhar e tirar seus documentos, não somos os vilões aqui, não te mandaremos para onde não deseja estar.
E foi assim, que a jovem israelense ficou devendo a vida a um homem desfigurado por fora, mas incrivelmente belo por dentro. Ivan se tornou seu benfeitor, a ajudou em todos os detalhes e em pouco tempo, tinha se tornado alguém que Ayla confiava e admirava.
Foi levada ao Grupo Bianchi e apresentada como nova secretária da vice-presidência, no entanto, quando conheceu Marco, sentiu que estava presa novamente, não mais por jaulas, mas pelo próprio coração.
Os primeiros dias na empresa foram de descobertas, a menina estudou a língua oficial do país, organizou os documentos, leu todos os arquivos tentando se inteirar dos temas da empresa, mas sentia um aperto no peito que não era capaz de nomear todas as vezes que Lia atendia ao vice-presidente. Era uma relação estranha e Ayla lembrou dos avisos do pai.
“No ocidente as mulheres são meros objetos”.