Inimigo Revelado P2

1331 Words
BURBURINHOS ESTOURARAM timidamente pela lanchonete, o zumbido de várias vozes se propagavam mesclado com os ruídos de passos apressados das garçonetes que acompanhavam diligente e competentemente os pedidos nos quais lhe foram designados. Naquele horário o fluxo de pessoas parecia razoavelmente menor — que não sobrecarregava o trabalho das duas jovens que atendiam — nos permitindo escolher os assentos mais cômodos. Meus dedos tamborilaram na mesa tediosamente enquanto assistia a iluminação da rua, uma luz parca em um poste precário e decadente, piscar freneticamente em seus últimos suspiros de sua vida útil. Conforme a noite estendia seu manto escuro no céu, menos gostava da ideia de ficar parada em um lugar só. Peguei o chá que fora servido há poucos minutos e mexi em seu conteúdo rosado, hipnotizada pela forma que o líquido se balançava sob minha influência. Dante estava no balcão esperando sua pizza sem azeitonas, ocasionalmente olhando-me de soslaio para checar se estava bem. Seu zelo em relação a meu estado de espírito me animava, ainda que a razão gritasse que seria uma má ideia alimentar um sentimento por ele. Chacoalhei a cabeça para jogar os pensamentos para uma parte esquecida da minha mente. Um pequeno grupo de jovens entrou no local e se ajeitaram nos assentos atrás de mim. Dois deles deram a volta para me abordar sem mais nem menos. Revirei os olhos para obviedade de suas ações, deve estar estampado na minha testa “alvo fácil” por ser uma garota sozinha em um estabelecimento parcialmente cheio. Conhecia o truque e não tinha paciência para lidar com bobagens hormonais de desconhecidos. Antes que abrissem a boca para declarar suas intenções, Dante se acomodou do meu lado. — Nem dá pra acreditar que me fizeram esperar tanto por uma pizza. — Ele encarou os dois rapazes com escárnio, seu olhar vagou deles para mim com a compreensão dos fatos. — Estão te aborrecendo, querida? Arregalei os olhos pela maneira exageradamente afetuosa que falou comigo, assumindo uma postura mais divertida. — Finalmente, achei que me deixaria sozinha. — Imprevistos. — esticou o braço sobre o encosto do meu assento. — Posso ajudá-los? Prontamente os dois rapazes saíram sem dizer uma palavra enquanto o restante do grupo se dissolvia em gargalhadas pela abordagem frustrada. — Obrigada. — dei uma breve risadinha. Dante acenou com a cabeça com o agradecimento. Beberiquei o chá, atenta ao Devil Hunter. — Como está se sentindo agora? — perguntou, limpando um pouco as mãos. — Um pouco cansada. — bocejei. — A propósito, o que conversou com Eryna? Dante parou de comer, reflexivo. Seu silêncio durou pouco, pois assim que expus minha dúvida, ele me fitou e cruzou os braços. — Era uma conversa de adultos. Franzi o cenho com uma resposta tão evasiva. — Você não vai contar, não é? — Não é nada que você deva se preocupar. — disse com segurança. — Confie em mim. Não tinha muito o que protestar, então peguei uma fatia da pizza e comi com vontade, não desperdiçando nada. Ao mordiscar o queijo, me dei conta de um detalhe imprescindível: que Alexander não estava em canto nenhum. Desde que ele se uniu a mim, sua figura diáfana nunca se afastava tampouco sumia — ou o que seria ficar na dele quando se trata de uma alma errante. Fiquei preocupada com seu paradeiro, mas assegurei a mim mesma que ele não passaria tanto tempo longe, somente o necessário para espairecer. Enquanto minha mente matutava a respeito do fantasma perdido, observei em contemplação tácita Dante em sua apreciação degustativa das últimas fatias de pizza. Disfarcei a risada enxergando uma fagulha de positividade nesse mar de frustração e que, talvez, não fosse tão r**m ficar naquele mundo com o Devil Hunter — e minha paixão platônica. Sorrindo com minha resolução, experimentei uma mudança no ambiente que arrepiou-me dos pés a cabeça em um instante. Poderia descrever como uma poderosa onda fria que soprava pela área que, teoricamente, não deveria ser influenciada pelo comportamento estranho do clima externo. Estremeci com o fluxo gélido que rastejava dolorosamente pela superfície deixando para trás um rastro insensível pela pele. O ar, que outrora mantinha uma temperatura aconchegante para terminar o dia, se convertia em uma névoa sutil que que flutuava sobre o chão. Dante me agarrou com tamanha velocidade que meu cérebro desacostumados não foi capaz de processar seu movimento surreal. Ele se muniu com a mesa para nos proteger com o jato congelante que jorrava direto em nós dois. Tudo ao redor se cobriu de gelo, um infindável tapete branco sobre tudo, exceto Dante e eu. No entanto, não me isentava dos primeiros sintomas de hipotermia em meu metabolismo. Não importava o quanto quisesse abraçar o que me restava de calor, ele se extinguia rapidamente como a chama de uma vela gasta. Grunhi com uma fisgada lancinante no abdômen, pressionando o braço de Dante numa vã tentativa de chamá-lo com a voz esvanecendo em gorgolejos sôfregos. Arfando, examinei a fonte da dor com horror ao deparar com um grande fragmento de gelo preso na lateral do meu abdômen. — Diva? Merda. — Dante rugiu abafado com minha lamúria com o ferimento, carinhosamente pegando minha mão. Um soluço escapou por entre meus lábios ressecados. — Aguenta firme, doçura. Vou terminar com isso rápido e procuraremos ajuda. — suas mãos aqueciam as minhas com tanta delicadeza que, mesmo em meio ao medo, me comovi. — Consegue segurar mais um pouco até lá? Fitei Dante com os olhos transbordando grossas lágrimas. A ternura e o zelo que transmitia naquela singular troca de palavras me imbuiu de coragem para suportar a dor. Assenti, reafirmando internamente meu empenho. — Você é uma garota forte, doçura. — em outras circunstâncias coraria com seu discurso incentivador. — Vou chutar o traseiro desse miserável em seu nome. — Desculpem meus maus modos. — uma voz desdenhosa pronunciou, limpando as roupas que trajava. — Vocês dois me deram bastante trabalho, estive quase perto de interceptá-la, minha cara. E como um rato ainda conseguiu escapar. O vento vergastando meu rosto não contribuía para minha melhor assimilação dos acontecimentos. — E novamente nos encontramos, filho de Sparda. É quase um prazer vê-lo. — Pena que não posso dizer o mesmo. — Dante retrucou com menos humor que o habitual. — Não ficou satisfeito com a surra que tomou antes? Ou gostou tanto que veio repetir a dose? — Que arrogante. — o estranho rapaz ruivo comentou indiferente. — Oh, vejo que a acertei sem querer. Ele balançou a cabeça como se estivesse se dando conta de uma ação m*l calculada. — Isso foi inesperado até para mim. — ajustou as luvas nas mãos displicentemente. — Meu propósito é levá-la com vida. Você é mais valiosa assim inteira. — Ela não é um objeto. Ou um brinquedo quebrado. — a voz imperativa de Dante vibrou e causou uma oscilação no lugar que me assustou um pouco. — Dessa vez vou me certificar que não se levante mais. Arrastei-me cuidadosamente para longe do embate e estagnei ao sentir dedos gelados em meu pescoço. — Não faça movimentos bruscos se ainda quiser manter a cabeça no lugar. — a voz rouca aconselhou, sendo prontamente silenciado com dois tiros de alerta próximo aos pés. — E sugiro que mantenha suas mãos longe dela. — Dante mirando o novo intruso com Ebony. — Dante. — sibilei com a escuridão engolindo tudo paulatinamente. — Diva! — Dante correu para me alcançar. Pisquei repetidamente para que meus olhos enxergassem nada além de escuridão inóspita e fúnebre. Não podia me mover e minha consciência resvalava entre a letargia e o choque profundo — temia o que resultou do ataque. Nem meus pensamentos frenéticos se aquietaram com o medo que se apossava de mim. — Eu avisei que você não sairia daqui. — arregalei os olhos com a silhueta familiar se projetando sobre a única fonte de luz no recinto. — Seja bem vinda de volta, Diva. — Ace... — suspirei desolada.
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