Inimigo Revelado P1

4094 Words
Achei que não seria trouxa... Fui trouxa. Uma voz no meu subconsciente pontuou os meus níveis de desastre pessoal e minha insólita sorte que nunca trabalhava a meu favor. Normalmente se costuma consolidar a superstição compartilhada das gerações anteriores para as atuais que, para que uma determinada passagem funcione como deseja, o rito a ser realizado provinha de iniciar a nova jornada com, literalmente, o famoso “pé direito”. E, seguindo as tradições crédulas dos antepassados, pisei firme, sem temer a nada e justamente nessa simples ação que cometi um erro gravíssimo. Maldita Lei de Murphy! Meu corpo se projetou abruptamente para frente o que, por consequência, me preparou para a queda inevitável que me fez entender totalmente que estava perto da morte pífia — quase beijando algum ceifeiro de almas. Senti um solavanco com o braço forte serpenteando minha cintura e impedindo a meu ingresso só de ida para o Além encomendada em uma sala vazia e sem, literalmente, chão. Dante facilmente se lançou a um ponto seguro comigo em estado de choque. A garota tinha acabado de nos atrair, sorrateira, para uma armadilha e caímos ingenuamente nela. Ela gargalhava satisfeita e orgulhosa com sua proeza maldosa. O caçador me colocou cuidadosamente no chão e sacou Rebellion, cortando a porta ao meio com um movimento simples, bem articulado e sem muita paciência. Observei tudo com cara de paisagem sem compreender o contexto do seu ataque, a respostas para essa dúvida surgiu segundos depois do ato inesperado, pois o estranho feitiço sobre a sala se desfez. Com uma lógica sensata, decidi que me guiaria com as instruções de Dante por ele possuir mais experiência e conhecimento desse mundo e nunca, somente em algumas exceções, iria questioná-lo quanto a suas atitudes e permitiria, sem grandes interferências, que as coisas possam fluir sem grandes problemas. — Isso foi muito rude! — esbravejei nervosa devido o susto. — E assustador. Quase fui dessa para melhor! — repousei a mão no peito. Meu coração martelava com violência contra as costelas e estava sendo uma tarefa complicada acalmar os batimentos. — Aquela pirralha. — Dante resmungou, guardando Rebellion. — Cadê ela? — esquadrinhei o local fervorosamente, atingindo os picos mais elevados de ansiedade. — Vamos achá-la, fique perto. — pediu, tomando a liderança da busca pela pequena e terrível bruxinha. Me distrai com um ruído que ecoou atrás de mim, olhando diretamente para densa escuridão, como se tolamente achasse que minha restrita visão humana se adaptaria o suficiente para ser presenteada pela capacidade de enxergar nas sombras — o que não aconteceu. Esses segundos desperdiçados foram o bastante para perder Dante de vista, um desserviço providenciado, convenientemente, pelo meu azar e pela minha falta de atenção. Tenho certeza que, em uma possível vida passada, cometi um crime imperdoável e tudo que estou sofrendo é um pacote do carma. O sinuoso corredor parcamente iluminado não incutiu boas impressões, principalmente pela quietude opressora. Meus passos vacilantes reverberaram pelo espaço vazio, fazendo com quem interpretasse aquilo como uma clara, além da desvantagem de terreno, um alerta de que não era tão bem-vinda quanto acreditava ser. — Esse lugar está cheio de armadilhas. Berrei com a aparição repentina de Alexander. — Céus! Você quase me matou de susto! Não sabia se ocultar a presença e emergir do nada fazia parte da natureza dos fantasmas, porém, não gostei nem um pouco de ser abordada daquela maneira. — Sinto muito, não foi minha intenção te assustar. — Alexander franziu o cenho. — Seja cautelosa por onde anda e toca. — Pode deixar comigo, sou muito cuidadosa! — escancarei uma porta e, se não fosse o reflexo rápido de Alexander mandando eu me jogar pra um lado, teria virado churrasco. — Tudo bem... Talvez não seja tão m*l assim... — Não arquitetaram tudo isso com propósito recreativo, então se for ser descuidada vai acabar ferida. — Não deveria ter confiado naquela menina. — suspirei longamente. — Agora estou perdida, em um lugar potencialmente perigoso e longe do Dante. Tem como piorar? — Essa frase é um chamariz para problemas. — Alexander anuiu categórico, estudando a área com a sagacidade de uma águia. Uma pulsação misteriosa trespassou-me e latejou por meu corpo — uma sensação distorcida semelhante a uma pressão sonora que atordoava o canal auditivo a ponto de despontar uma vertigem incapacitante. O estalo bruto, uma pisada poderosa no assoalho que soava como se esmigalhasse a madeira conforme se aproximava, reverberou até onde eu e Alexander paramos e, por um instinto primitivo, enfoquei no escuro abissal que se estendia infinitamente atrás de nós. Retrocedi, buscando freneticamente uma rota de fuga, dependendo exclusivamente do meu senso de direção e da minha intuição para me auxiliar. A respiração vaporosa surgia em meio as sombras opressoras enquanto aquilo que se mantinha recôndito adquiria uma forma mais concreta para que meus olhos pudessem distingui-lo no mar opaco de trevas, me apavorando por completo. Sem Dante, estava a mercê do monstro, totalmente indefesa. — Corra, Diva! — Alexander instruiu imperativo. Sem qualquer oposição, forcei minhas pernas cambaleantes a sair do torpor proporcionado pelo choque inicial, esbarrando estupidamente nas paredes. Meus músculos doeram pelo esforço que ultrapassava meus limites, travando gradativamente pela exaustão. Ao contrário de mim que definhava em cansaço, a criatura prosseguiu ferozmente em meu encalço — um predador implacável se assomando sobre sua presa. — Merda! — praguejei, ofegante e nas piores condições físicas possíveis e me desgastando ainda mais a medida que a corrida se intensificava. Uma pancada forte atingiu minhas costas com tudo e caí feito uma boneca de trapos no chão. — Diva? Você está bem? — Alexander indagou em alarde. — Já estive melhor. — Tossi, arfando com as dores. O grunhido animalesco congelou meu corpo e o pânico entorpeceu minha razão, operando no piloto automático. O monstro rugiu e antes que seu ataque mortal se desdobrasse, estendia a mão e, em resposta ao meu gesto, um campo de força se projetou entre mim e a criatura. Desconcertada, rastejei para fora do epicentro da reluzente parede que bloqueava os avanços do ser estranho. Fitei minhas mãos com um turbilhão de pensamentos se embaralhando e um fantasma bastante perplexo me mirava. — Você viu isso, Alexander? Viu o que fiz? — gaguejei eufórica. — Tenho poderes! Tenho mesmo poderes! Passado a adrenalina e o entusiasmo pela surpreendente descoberta, a ficha caiu com a constatação: — Céus, eu tenho poderes desde quando? Que raios está acontecendo? — gritei desesperada, principalmente com a b***a estilhaçando o campo de força. — Diva, fica calma. Precisa se controlar. — Alexander murmurou prudente. Desajeitadamente, me levantei vacilante, reunindo coragem, estiquei as mãos esperando que os tais poderes recém revelados surtissem algum efeito que nocauteasse o monstrengo... Mas nada aconteceu. Nem faíscas. Nem um brilhinho fraco. — Essa não é hora de falhar! Desmoronei, vulnerável e aterrorizada, colando o corpo contra a parede com tanto empenho que quase seria capaz de me fundir a ela. — Não desista! Corra, vou tentar distraí-lo! Alexander gesticulou suavemente, como se suas mãos dançasse no ar a medida que desenhava padrões no nada, invocando uma espécie de círculo mágico que imobilizou o ser. — Fuja! Assenti e, aos tropeços, destranquei uma porta aleatória com cautela, torcendo para que ela me levasse a um lugar seguro e, de preferência, com Dante. Entretanto, para terminar de esmagar minha última fagulha de esperanças, no momento que a abri, fui atingida no centro do peito pelo que parecia ser uma energia azulada. Não doeu, só testemunhar o golpe traiçoeiro e assistir aquela coisa vibrando igual uma flecha fosforescente, tudo ao mesmo tempo, me desconcertou a um ponto que desmaiei. — Ei, bela adormecida, acorde. — o tom brincalhão familiar murmurou, tão hipnótico e trazendo-me a realidade. — Dante? — balbuciei sonolenta. Minha cabeça girava e meu corpo tremia com um brilho que circulava sobre mim que faziam-me lembrar estrelas. Pisquei ao notar que encontrava-me nos braços seguros e fortes de Dante, causando uma descarga intensa que, por consequência, me fez corar. — Já estava considerando beijá-la para ver se despertava. — brincou. Ele firmou-me no chão com extremo cuidado, me apoiando em si mesmo. — Que bizarrice toda foi aquela...? — esfreguei a testa para atenuar o desconforto. Mais consciente e ligeiramente energética, tateei meu peito para verificar o dano ocasionado pelo projétil ou o que fosse aquela bizarrice, sem encontrar nada. Nem um vestígio. Agradeci mentalmente por nada ter ocorrido e que, em tese, estava bem plena. — Nossa, você nem vai acreditar, eu fui atacada e ficou alojado uma coisa em mim... Escutei um pigarreio. Após cair a ficha finalmente reparei em quem tinha mais presentes no local quanto imaginei. — Relaxe agora, doçura. — O mestiço afagou carinhosamente minha cabeça, o que frisava mais nossa diferença gritante de altura. Pequeninas e reluzentes esferas rodopiaram ao meu redor, atraindo minha atenção — quase podia jurar com veemência que tratavam-se de criaturas vivas pelo modo que se comportavam. — Onde estamos? — murmurei a ele para evitar expor minha dúvida. — Encontrando a pessoal certa. — respondeu efusivo. — Vocês são muito bobos se acharam que deixaria falarem com minha irmã tão facilmente. — a menina de antes cruzou os braços. — De qualquer modo, foi como minha irmã previu. Um pouco conturbado por conta dos demônios, eles realmente não cansam de invadir a propriedade alheia. — a menina comunicou. — Tive que dar um jeito neles. — Demônios sempre estão onde tem o que lhes interessa. — anuiu, o eco da voz compassiva reverberando. Abracei meus braços instintivamente. Estar em um recinto no qual residia uma — teórica — bruxa, não me permitia ficar muito relaxada. Haviam numerosos fatores que adicionava em minha lista, como o ataque e todo resto. Fomos recebidos por uma mulher por volta dos vinte nove ou até trinta anos — uma idade que batia com a de Dante — em uma cadeira de rodas adornada por pequenos cristais e símbolos, seu corpo estava todo envolto por faixas e seu cabelo era de um tom de loiro claro. — Fiquem a vontade. A garotinha nos encaminhou a cadeiras de assento acolchoado com cortesia, como se cumprisse um papel de suporte. Sentamos rapidamente, tentei me acomodar sem ser interpretada como desleixada, Dante, ao contrário, de mim ficou totalmente descontraído. Arrumei minha postura, não sabendo onde olhar sem ficar incomodada. Uma parcela de mim sentia muita paz naquele pequeno cômodo, entretanto a outra ainda não conseguia tirar da mente aquela sensação desagradável que só crescia a medida que os minutos passavam. Alexander se ajustou em um canto mais recluso de nós. — Sejam bem-vindos e agradeço que tenham vindo até mim. — entoou com ternura materna. — E sinto muito pelo duplo ataque, Diva. — O quê? — me alterei, porém modulei o tom para não gritar. — Você que me atacou? O que raios foi aquilo? — Foi uma Magia de Análise, um pouco invasiva, mas efetiva. Franzi a testa, vagamente irritada. Não quis transparecer volatilidade pela experiência traumática, especialmente após um duro e frio ponderamento, priorizando o objetivo da nossa vinda. — Só tem gente estranha nesse mundo. — balbuciei conformada. — Lamento pelas travessuras da minha irmã. A garota virou a cabeça com ar petulante. — Ela quase nos matou... — acusei, o que fez a menina rir. — Enfim... Vamos logo ao que interessa. — Foi uma brincadeirinha bem bobinha — ela argumentou com vivacidade cínica. Bufei. — Lady me informou que viriam. — Eryna disse com suavidade. Seria uma comparação estranha, mas o modo como articulava suas palavras e mantinha a vocalidade terna, me lembrava muito os vídeos de ASMR que costumava escutar para estudar — o que geralmente acabava comigo dormindo. — Lady tem um dedo podre para amigos. E apesar das pessoas que ela recomenda sejam de índole duvidosa, não tivemos muitas opções. — Dante exclamou com sua sinceridade um tanto quanto inconveniente. A jovem garota fechou a cara com os modos do meio-demônio. — Mostre um pouco de respeito. — proferiu indignada. — E você quem seria? — questionou sem interesse e com uma pontada de desdém. — A advogada dela? Já começou m*l quando tentou nos enganar lá atrás. Mordi o lábio inferior para não rir. — Não te ensinaram bons modos? — E não te ensinaram a não se intrometer nos assuntos dos adultos? — replicou. A garota ficou sem argumentos para contra atacá-lo, embora ficasse nítido o quanto a rispidez sarcástica de Dante a irritou. — Não seja rude com os convidados. — Eryna repreendeu a menina. Isso é embaraçoso. O rosto da garotinha se retorceu em contragosto. — Você tem dados interessante, Diva — Eryna focou em mim, cuja voz era doce e harmoniosa ao falar diretamente comigo me acalmou, como se quisesse transmitir tranquilidade etérea. — Obrigada? — franzi a testa sem saber o que responder. — Dezoito anos, tipo sanguíneo O negativo, portadora de um mana fraco comum a humanos e... — Você soube de tudo isso só com esse feitiço? — Claro que sim! — a menina interferiu na conversa com um sorriso convencido em relação as primorosas habilidades da irmã. — Minha irmã é uma bruxa poderosa, assim como eu também serei. — se gabou. — Oh! Impressionante! — arfei ligeiramente surpresa e intrigada. — Essa parte até explica o ataque, só que e o monstro? Encarei minhas mãos com a dúvida flutuando para longe — não tinha nada de diferente em minhas mãos e conseguia a proeza de criar um campo de força. — Dante, eu tenho poderes! — me virei pra ele em uma explosão de energia. — Poderes de verdade! Uou! Eu consegui me defender da criatura! Dante riu da minha animação infantil e tocou minha testa com delicadeza, me desarmando completamente. Ruborizei. — Só agora notou que tinha algo de diferente? — roçou o polegar em um específico ponto em minha testa. — Ficou bastante óbvio quando se curou bem rápido. Toquei minha testa exasperada. As duas orbes ametistas de Alexander irradiava um fulgor fraco, quase perdido e inerte. Pelo meu panorama, ele não somente se eximia da conversa como também suas ações destacavam certa apatia, uma visão tão contraditória do seu eu pacífico, reservado e sensato. Ao cruzar nossos olhares, nos meus haviam preocupação e nos dele melancolia, ele desviou perturbado com o contato e como nos conectamos por um breve momento. O perfume adocicado que permeava o ambiente se modificou para um aroma pútrido e Eryna inclinou vagamente a cabeça para o ângulo no qual eu também fitava, uma luminosidade sutil se manifestou por um dos olhos cobertos dela. — Espero que esteja livre para se unir a nós. — pronunciou com clareza e probidade. Todos no recinto, exceto Dante e o próprio Alexander, arquejaram com a astúcia e a percepção apurada da bruxa — sendo eu a mais afetada com sua assertividade. — Você consegue vê-lo? — indaguei atônita. — Achei que somente eu podia... O Dante e as outras pessoas que encontrei também não o vêem. Eryna alternou sua atenção entre ele e eu. — Vocês possuem uma energia semelhante. — concluiu com seriedade. — A aura dele entra em ressonância com a sua, isso lhe atribui tal capacidade. — E isso significa algo? A pausa na cadência ritmada de suas afirmação me encheu de ansiedade. — Que ele é ligado a você. — murmurou categórica. — Eu estou curiosa a respeito da sua natureza, criança. Se importa se fizesse um teste? — Não viemos aqui para perder tempo em jogos. — Dante arqueou uma das sobrancelhas. — Teste? — repeti, entrelaçando os dedos inquietos. — Você não precisa fazer isso, doçura. — Dante me deteve com olhar de contrariedade e advertência. Percebi que o mestiço estava tenso, de bônus, não conseguia projetar frases de conforto. O histórico dele era muito mais consistente que o meu em critérios de confiança. — Eu também gostaria de saber mais. — sorri tentando convencer ele e a mim mesma. — Então o que... — minha frase fora cortada pela metade com a paralisia brusca e inexplicável que me travou no lugar, experimentando uma sensação de choque impactante, assistindo várias imagens em uma sequência rápida demais para assimilar. A vertigem fez o mundo ao meu redor girar. Dentre todas, a mais terrível: uma figura sombria amorfa imóvel, deslocou-se passivamente e ganhou uma forma mais humanóide. Exatamente como se as trevas tivessem uma aparência humana e vontade própria. — Doçura? — Dante estalou os dedos. O toque firme e cálido de Dante em meu ombro suscitou uma reação que acabou me imergindo mais na complexa ilusão no qual não conseguia sair. A figura de preto estava há uns bons metros de distância, não esboçava uma ação ou vocalizava. Simplesmente permaneceu congelado, mirando-me. O desconforto familiar rastejavam pela minha pele, como se existisse uma outra consciência dizendo para fugir dali. Girei com os calcanhares, ansiosamente para encontrar uma a******a, notando que o meio-demônio já não estava. E a presença obscura o substituía, tão próximo de mim que m*l podia ministrar o ato mais normal que era o exercício de respiração. Arquejei em absoluto pânico, recordando dos numerosos pesadelos no qual um ser desconhecido me perseguia implacavelmente. E ele estava bem na minha frente. Era real. Retrocedi, esbarrando em algo que, como um gatilho, me fez berrar como nunca antes — tão alto e assustado que minha garganta ardia com o esforço. Não nasci com o timbre mais elevado a ponto de que minha voz se sobressaísse dentre tantas mais imponentes, entretanto, naquele instante, tinha, certamente, superado todas elas. Um pequeno círculo formou-se sob meus pés com desenhos estranhos em uma coloração azul reluzente que desfez a entidade. — Diva? — Dante... — sussurrei, resistindo a ânsia de chorar, embora as primeiras lágrimas já rolassem pelas minhas bochechas. O abracei trêmula, sendo prontamente retribuída, algo que, mesmo aflita pelo ocorrido, me surpreendeu. — Já passou, doçura. — me alentou, afagando minhas costas com toda paciência. Esfreguei gentilmente minha testa como se estivesse prestes a lembrar alguma coisa, porém, também sentia como se todo meu ser empurrasse essa lembrança de volta para seu devido lugar: esquecido nos confins da minha mente. — Maya, pode levar Diva para tomar um pouco de ar? — Claro, irmã. Relutei um pouco para romper o gesto carinhoso com Dante. — Eu não quero ir. — Não se preocupe, vai ser uma conversa rápida e logo você me terá só para você. — o meio-demônio provocou com o sorriso convencido que suavizando meu terror. O olhar solene e calorosamente confiante de Dante me encorajou a sair, embora estivesse um pouco tensa com a ideia — dar espaço para que os dois dialogassem se tornou a única opção viável para as circunstâncias. Infelizmente não me encontrava em posição de recusar tampouco de teimar com a proposta, de certa maneira, era uma encruzilhada. Me recostei na parede, teorizei sobre os possíveis tópicos que me obrigaria a ser excluída disso. Achei piamente que as pessoas desenvolveram uma função básica de me expulsar das dinâmicas. Após a arrebatadora experiência do tortuoso pseudo teste — se é que posso chamar de um —, minha tolerância a comportamentos estranhos se reduzira drasticamente e a lolita me admirava com muita insistência e o rubor subiu com a constante vigilância e em um período relativamente longo. Seus olhos bicolores se prendiam a mim de um jeito um tanto medonho. À princípio acreditei que ela fosse aprontar uma de suas perigosas peripécias como fizera antes, sobretudo pela alegria que transluzia de sua face com uma maquiagem tão bem feita que causaria inveja em profissionais mais antigos no mercado. Entretanto, com o passar dos minutos, sua aparente devoção se mostrava bastante legítima, ela mordia os lábios rosados com notável inquietude. Domada pela curiosidade, pressionei a orelha levemente na porta para captar o menor som que fora emitido dentro daquela sala. — Nem adianta, se minha irmã quiser nem com todo esforço e improvisação vai conseguir escutar algo. Suspirei frustrada. Cogitei solicitar uma mãozinha fantasmagórica de Alexander para espionar por mim, mas ele estava imerso em algum monólogo extremamente complexo e não ousei atrapalhá-lo. Sem muitas alternativas, decidi puxar papo com a garota para extrair informações mais relevantes e passar o tempo mais produtivamente. — Ah... Bem... — balbuciei desorientada. No que tange as relações fundamentais de socialização, podia afirmar com clareza que não detinha as melhores habilidades. No geral, achava que minha capacidade de interação era a mais medíocre e, se tivesse uma classificação, estaria nas mais baixas, portanto desqualificada. — Como se chama? — Sou Maya! — os olhos dela tremeluziram de eufórica contemplação. — Seu nome é Diva, certo? — Sim, sim. Aproveitando a deixa, por que enganou a gente? — Oh. — Maya assumiu uma postura menos implicante e mais dócil. — Tenho que proteger minha irmã, obviamente. A mulher que utilizou de métodos pouco ortodoxos para descobrir coisas sobre mim carecia de proteção? — De que exatamente? Sua irmã parece ser bem poderosa para se cuidar sozinha. Maya desviou o olhar, então percebi que tinha cavoucado em terreno delicado. — Desculpe, não quis ser invasiva. — Não se preocupe, está tudo bem. — saltou para perto de mim com destreza, me assustando um pouco com sua velocidade incomum para alguém tão jovem. — Aquilo que você fez foi incrível! Corei com o elogio a minha performance um tanto desastrosa e com a mudança brusca do tom — Você está meio crua, mas nada que um treinamento não resolva. Tomar consciência de ter capacidades sobrehumanas era como uma afronta ao racional, entretanto, negar a realidade e que eles se manifestaram seria, no mínimo, uma tolice. Além disso... Achava legal ter alguma magia. Redirecionei minha atenção na porta, mais esperançosa e preenchida com altas expectativas. Apoie-me parcialmente nela para que, assim que fosse destrancada, pudesse tomar a dianteira e tentar descobrir no que tanto discutiam que necessitava tanto segredo. Me espreguicei contra a estrutura de madeira no justo segundo que ela se abriu, muito antes da minha previsão, desencadeando o uma sequência rápida que me derrubaria em uma queda patética e vergonhosa. — Algo me diz que sua tendência é de cair nos meus braços, doçura. — Dante proferiu com aquele sorriso galanteador, que arrepiava até a alma e confundia minha mente, ao me resgatar pela sei lá quantas vezes ele me salvou de cair desde que cheguei. Esses acidentes aleatórios facilmente me classificariam como desajeitada em toda extensão do termo — com um número recorde de tropeços — e uma potencial desastre ambulante. — Obrigada. Me aprumei e espiei atrás de Dante que cobria parcialmente o meu campo de visão. — Vamos, doçura. Não teremos respostas aqui. — pisquei atordoada. — Mas... — sem alternativa para por escusas em permanecer ali, cedi e me permiti ser guiada por Dante para fora. — Espero vê-la novamente, Diva! — Maya exprimiu alegremente, suas bochechas levemente rosadas. — Eu também, Maya. — repeti o nome mentalmente para me certificar que ainda lembrava. Dei um sorriso amarelo. — E quanto a você, feioso, espero nunca mais ver essa sua cara horrível! — Maya provocou, mostrando a língua para Dante. — Pena que você acha isso, Diva tem uma opinião bem diferente da sua, não é, doçura? — Dante me puxou para perto dele. Maya ficou vermelha, só que de raiva. E eu corei. — Morra, seu maldito! Oficial e desoladamente aprisionada. Prostrada no meio de uma rua deserta no intrigante e sufocantemente mortal mundo no qual — por um mero acidente ao acaso — me transportei inconsciente, avaliei os planos disponíveis, demarcando mentalmente os que fracassaram antes de serem executados. Não tínhamos obtido informações relevantes ou evidências que nos proporcionasse uma resolução no caso, era como se vagássemos às cegas e sem rumo. Encarei Dante que andava preguiçosamente há uma distância razoável, o sedoso cabelo claro balançava suavemente e seus passos, embora despreocupados, transmitiam confiança — um bálsamo no epicentro do caos. Acho que fiquei nessa posição por mais tempo que previ, pois Dante se virou com a fisionomia interrogativa e a linguagem corporal muito receptiva — pelo menos para mim. — Sei que falei que não vejo problema que fique me admirando, mas que seja enquanto andamos para poupar tempo, sim? — acelerei o passo para me unir a ele após o comentário jocoso. — Decepcionada? Suspirei. — Um pouco. Difícil definir meus sentimentos nesse momento. — Antes de voltarmos para a loja, vamos ver uma última possível pista. — Dante informou.
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