Nem tudo é o que parece, certo? P2

4435 Words
– Finalmente você apareceu, onde esteve? – escutei uma voz feminina perguntar quando Dante entrou primeiro. – Negócios. – respondeu vago. Sem querer holofotes, me escondi atrás de Dante que sua altura e corpulência me cobria perfeitamente, um esconderijo vivo. – Seu negócio envolve mulheres? – me encolhi, recostando timidamente nas omoplatas do caçador. – Dante. O que eu disse sobre trazer suas aventuras pra cá? Esse lugar não é motel barato, sabia? – Tem razão, mas é a minha casa. Aqui sou eu quem dita as regras. – retorquiu com acidez comedida. – Eu não sou um caso dele não, ok? – repliquei não muito afim de sair da minha zona de segurança. Dante saiu da minha frente para que os presentes tivessem uma melhor visão de mim. Basicamente me entregou de bandeja aos lobos para que me examinassem e me dissecassem. – É só uma criança. – falou a loira mais boazuda dos jogos, a Trish. Para os leigos de plantão, Trish – ou mais conhecida como a loira demoníaca sensual da franquia – é um clone feito exatamente como a mãe de Dante, como dizem: esculpida em carrara. Mundus – o rei do submundo na época – a criou como uma forma de mexer com o psicológico do nosso caçador favorito no primeiro jogo. – Eu não sou criança não! – berrei indignada. – Tenho dezoito anos! Dezoito! – O que está fazendo com ela, Dante? – arqueou a sobrancelha inquisidoramente. – Longa história. – se estirou no sofá sem ligar muito em explicar a situação, apoiando a cabeça sobre os braços. Lady se cercou a nós, me analisando de cima a baixo. Não sabia definir a relação de Lady com Dante, e, de acordo com os jogos e as demais mídias fontes de conteúdo rico e interessante, eles trabalhavam juntos em alguns momentos. Comparado com Trish que era oficialmente sua parceira, Lady se tratava mais de uma negociante e uma colega de serviço. – Elas são confiáveis? – a voz cautelosa de Alexander fluiu até mim, causando um tremor em minha nuca. – Não me parecem muito receptivas. – Elas só estão sendo cuidadosas. – dei meu melhor sorriso amarelo. – Meu nome é Diva. – comecei incerta. – E eu meio que acidentalmente vim a esse mundo... E conheço vocês porque são personagens de um jogo no qual eu amo. Inclusive tenho a edição de colecionador do quarto game que vem com uma caixa de pizza da série. – tagarelei empolgada. – E nela também teve a DLC com as duas jogáveis... Adoro jogar com você, Lady, a Kalina Ann é uma arma bem apelona... – Doçura, se concentre só no principal. – Dante interrompeu meu devaneio, rindo. – Elas já entenderam o recado. – Desculpa, acabei me excedendo. – fitei as duas caçadoras perplexas num misto de euforia e pânico. Para garantir que não terminaria indo à algum centro de emergência, escapuli estrategicamente para perto de Dante. – Acho que posso dizer que já ouvi de tudo. – Lady comentou. – Então... Você é de outro mundo? Assenti. – E nele somos personagens? – Trish completou. Assenti novamente. – Como podemos acreditar na sua palavra? – Lady indagou desconfiada. – Pode muito bem estar inventando. – arregalei os olhos quando ela apontou uma pistola para mim na maior frieza. – Sendo objetivo: ela claramente não é favorável a um diálogo. – Alexander exclamou e não tinha como não concordar. – Eu não tenho motivo para inventar! Principalmente com alguém prestes a me pipocar! – gritei apavorada, as pernas mais bambas que gravetinhos. – Ela está falando a verdade. – Dante se levantou, intervindo na conversa. Lady abaixou a pistola e a guardou no coldre, o que me fez respirar aliviada. Por um breve instante, um segundo há mais, teria ocorrido um acidente deveras vergonhoso. – Não ligue para a falta de cortesia da Lady, ela não costuma agir assim. Exceto se tiver com ciúmes. – Trish debochou. – Ciúmes de quem? A loira deu de ombros. Um ronco embaraçosamente alto reverberou pelo escritório – e era um ruído bem característica de um cachorro rosnando e vinha do meu estômago vazio. A vergonha não cabia em mim, pois, além de descobrirem que abrigo um monstro, no sentido figurado, na barriga, ele era bem ruidoso. Até demais. – Fome? Assenti derrotada. — Acho que foi o timing perfeito. Se depender de Dante vai viver de pizza e sundae. Não tinha como negar a verdade quanto aos, nem um pouco saudáveis, hábitos alimentares dele. – E qual é o m*l nisso? – Dante objetou. — Diabetes, Dante. – Trish balançou a cabeça descrente. – Vem, vou fazer algo decente para você. Dante deu de ombros com a provocação a respeito de sua alimentação. Lady permaneceu na sala com ele e eu segui no encalço de Trish. Ouvi o telefone tocar e ser atendido após a segunda chamada. — Com a fome que estou, nem recusaria uma pizza. — Não seria o mais adequado — Trish comentou. — Os humanos são muito influenciados pela alimentação. Nisso tinha que concordar com ela, o metabolismo humano e demoníaco eram distintos nesse sentido. — Quando se está faminta, tudo que vier é lucro. – disse com veemência. — Dante é um péssimo exemplo nesse caso. Pigarreei discretamente, sem o intuito de contestá-la. Dei uma olhada na sala, vendo Lady parcialmente encostada na mesa de bilhar. Alexander passeava pelo escritório como se estivesse inspecionando-o para saber se era uma boa residência – apesar dos trejeitos de uma pessoa de grandes aquisições, ele tinha modos mais modestos em comparação com Ace. – Esse lugar está cheio de energia demoníaca, mas... Não é maligna. – Alexander sorriu ternamente. — Enquanto vocês brincam de casinha, tenho um trabalho pra fazer. — Dante anunciou pegando Ebony e Ivory, ajeitando Rebellion em suas costas. — Cuidem bem da nossa convidada. O meio-demônio fez um gesto de despedida, piscando pra mim ao desaparecer porta afora. Não pude conter o sorriso com o ato dele para comigo, enchendo meu coração com um calor suave e agradável. — Ei, ei. Cuidado para não babar — engasguei com a brincadeira de Trish e, de imediato, recuperei a compostura. – Eu não estava babando... Minha língua é que estava suando muito. O cheiro dos ovos com bacon invadiu minhas narinas, abrindo meu apetite, meu estômago roncou bravamente. Fiquei impressionada observando-a cozinhar. Voltei para sala, meio que estranhando um pouco Lady e ficando a uma distância segura dela. Trish depositou um copo de suco de frente para mim e sentou ao meu lado. Saboreei meu “café da manhã” real com animação. Com o corpinho nutrido, o leve m*l estar esvaneceu como uma mera lembrança. — Pode me contar melhor essa historia? — pediu assim que eu terminei minha refeição. Alternei meu olhar entre as duas caçadoras. Alexander franziu o cenho, também entretido com o rumo da conversação. — Ah, claro. Eu estava arrumando meu quarto, empacotando meus pertences, aí achei o jogo Devil May Cry 4, no qual vocês todos são parte integrante, coisas estranhas começaram a ocorrer e nisso fui atacada por um cara e um ser estranho e vim parar aqui. Basicamente nessa sequência. — despejei sem dar tempo de ser interrompida durante os dois segundos de narração. — É incomum até para meus padrões. Lembra como era a criatura? — Trish questionou. — Parecia um esqueleto de armadura. A caçadora cruzou os braços. — Aparentemente é um demônio de classe baixa. As caçadoras se olharam, provavelmente abismadas com a existência de uma realidade na qual demônios e feras terríveis provinham unicamente das mídias fantasiosas. Cogitei acrescentar Alexander na jogada, porém não ousei muito porque já era complicada toda essa bagunça, incluí-lo pioraria as coisas – e ele não fazia tanta questão. — Vendo por esse ângulo, significa que alguém o enviou ao seu mundo justamente para caçá-la. Um frio percorreu minha espinha. — Seria uma coincidência estranha se fosse um acidente ao acaso. — Faz sentido. — murmurei reflexiva. — É bizarro saber que somos considerados personagens de jogo no seu mundo. — Lady anuiu, sentando no outro sofá. Ambas trocaram olharem e voltaram sua atenção para mim. — Ao menos vocês tem fãs. — sorri constrangida, querendo amenizar o impacto da novidade. Como eu queria estar em casa, acordar na minha cama e ver que tudo não passou de um sonho. — Acho que conheço alguém que pode ajudar... Ou tentar. — Lady comentou para Trish, depois disso, elas pareciam estar debatendo telepaticamente, então Lady continuou: — Eryna é bastante sábia, ela possui o conhecimento de tempos antigos. Talvez ela forneça informações para explicar isso. — concluiu. — Será que ela aceitaria ajudar a garota? — Não sei, mas não custa tentar. Posso falar com ela. Por que sinto que estou sendo excluída da conversa? Ah, é... Estou sendo e sou a principal envolvida... — Acho que preciso de um banho. – murmurei. – E um bem longo para desestressar. As deixei debater entre elas e peguei tudo que era necessário, fui até o banheiro e tranquei a porta. Suspirei relaxada com a água quente que escorria livremente pelo meu corpo dolorido. Fitei a água verter pelo ralo dispersa, enxergando meu reflexo borrado. Minha cabeça estava mergulhada em um mar caótico de eventos estranhos sucessivos e totalmente ilógicos, ignorando as leis físicas para a metafísica. Não sei quanto tempo fiquei imersa, assim que reparei que meus dedos já estavam ficando enrugados decidi que era hora de sair. Sequei-me e vesti uma calça jeans simples e uma regata branca. Nunca me senti tão em paz. O escritório estava tomado com o mais temível silêncio, como se tivesse abandonado. — Cadê as duas? – Elas saíram, faz poucos minutos. – Alexander respondeu prestativo. – E deixaram pra você esse bilhete na mesa Vi um pedaço de papel e o li: “Desculpe sair assim, docinho. Enquanto estava no banho recebi um telefonema, sabe, negócios. Tem um prato pra você na geladeira, Dante chegará em breve, não precisa se preocupar. Trish” Se Trish saiu, Lady deve estar com ela. Estou sozinha. Ou quase. Beleza. Ficar enfurnada no escritório não me soava um ótima programação para o resto do dia. — Ninguém disse que não poderia sair agora. — Conclui com a atenção na entrada. – Não acho que seja uma boa ideia. Se existe algo ou alguém atrás de você, sair seria como se induzir ao perigo. – Alexander murmurou compassivo, seus olhos de incomum tonalidade púrpura se comprimiu em perspicácia. – É um passeio rápido, se for comigo pode ser mais cômodo. – sugeri, andando distraidamente até a porta, me certificando se estava trancada ou não — o que surpreendeu pelo fato de não estar. A abri por curiosidade para ver um pouco mais do lado de fora da agência, o fim da tarde projetava uma luz fraca sobre a rua pouco movimentada. As pessoas que passavam por mim agiam como se fizesse parte daquilo, claro que era bobagem minha acreditar que ter vindo de outro mundo automaticamente me tornaria uma alienígena ou algo do estilo. São mundos diferentes, ainda com suas evidentes semelhanças. — Você trabalha na Devil May Cry, mocinha? — Um senhor de meia idade com bigode questionou. — Eu? — distraída, apontei para mim mesma. Não soube ao certo como proceder, só que achei melhor inventar que sim, na pior das hipóteses viverei um tempo por lá mesmo. — Sim, sim. Sou... Secretária, faxineira, enfim, um pouco de tudo — sorri para demonstrar simpatia. — Finalmente Dante deu um jeito de se organizar. — o homem soprou a fumaça do cigarro. — Eu passaria para dar um Olá, mas tenho trabalho a fazer. E espero que ter você para auxiliá-lo, possa pôr juízo na cabeça dele. — Eu posso ser faz-tudo, só que não faço milagres — brinquei, o senhor riu e saiu. – Ainda não cheguei nesse nível. Ele riu e, sem estender o diálogo, partiu. Aquele era o Morrison? – Algo errado? – Alexander indagou, disperso da minha reação. – Não, nada. – me virei para confrontá-lo. – Aproveitando o momento, diz aí, como é estar morto? Alexander arqueou uma das sobrancelhas com o questionamento. – Isso é relevante? Estudando-o tão próximo, pude vislumbrar mais como suas feições eram bem desenhadas em seu rosto en destacavam sua beleza com os cabelos longos esvoaçantes emitindo uma vaga luminescência dourada sempre que a uma luz refletia neles. Seus maneirismos eram fluídos e articulados, neles decifrei uma parcela de suas emoções nesse curto intervalo. Ele não se incomodava com o tema “morte”, contudo, não entendia muito a minha mórbida curiosidade. – Você saberá quando chegar sua hora. – respondeu paciente. – Espero que não tão cedo. Naquela área exata o fluxo de pessoas não era dos mais intenso, então, instigada pela vontade de conhecer mais a fundo a região, resolvi dar uma rápida explorada. Só para desfrutar do que essa dimensão tinha a oferecer: vaguei pelas ruas nas proximidades, admirando as comodidades extravagantes e as comuns presentes por ali. — Realmente não é muito diferente do que imaginava. — murmurei, olhando para as vidraças de um loja aleatória. — Melhor eu voltar, afinal nada de bom acontece se ficar sozinha em um mundo que não pertenço. Uma canção sussurrada se amalgamava a brisa ligeiramente fria, rodopiando ao meu redor. Me enrijeci ao distinguir a melodia e era a que Nilin cantava quando a conheci. – Diva? – Alexander chamou. Fechei os olhos, concentrada no ritmo da música. – O que estou fazendo? Chacoalhei a cabeça para afugentar o encanto inesperado. Corri rapidamente de volta com a estranha impressão de estar sendo vigiada. Dei uma última olhada nos arredores antes de fechar a porta. — Deve ter sido coisa da minha cabeça. Sem alternativa de distração, perambulei pelo saguão-recepção: arriscando no bilhar, lendo as revistas jogadas na mesa e usufruindo da liberdade de repousar na cadeira de Dante imaginando como a rotina dele como caçador era corrida. Aproveitei para vasculhar os cômodos existentes na agência-moradia, evitando lugares na qual a escuridão predominava soberana conforme a luminosidade das janelas diminuíam. Tomei em mãos o cartão que Amara me entregou e que jazia na mesa de Dante no meio de uma papelada que não me atentei muito. Ergui o pedaço de papel e sob a luz, revelando-se como uma película quase transparente. – O que é isso? – mirei Alexander sem ter uma resposta em mente. – Eu posso ver? Entreguei o cartão para ele e, para meu assombro, não somente o pegou como também imitou meu ato anterior. Fantasmas podiam fazer isso? – Isso parece... – bruscamente se aquietou, seus olhos opacos e perdidos. – Tome, melhor não deixá-lo jogado. Franzi o cenho com uma reação tão aleatória, guardando o cartão onde lembraria mais facilmente. Do lado de fora, pela janela, podia ver que que o manto da noite já recaíra. Quase consegui experimentar novamente a incapacitante e sufocante náusea se enraizar em minhas entranhas com o medo sugestivo e crescente. Para mim, independente de onde, sempre haveria um entidade rastejando furtivamente entre as sombras. Milhares de pensamentos intrusivos me invadiram e não conseguia mais encontrar uma linha de raciocínio segura que não me lançasse contra uma paranóia crescente. Meu ímpeto fora fugir, entretanto tinha plena consciência de que o mundo, ao cruzar a porta, não era o meu e que não sobreviveria longe da vigilância de Dante — como se sair daquele lugar a noite significasse uma sentença de morte. – Diva? – o murmúrio expurgou a nuvem sombria de minha cabeça, resgatando-me do pânico. – Ei, Diva. Você está bem? A preocupação estampada em Alexander me comoveu. Sorri fracamente. – Escureceu bastante. – comentei aérea. – Se não fosse por você estaria sozinha e no escuro. Alone in the Dark?, pensei do nada, lembrando do jogo. Minha risada desinibida pelo meu raciocínio b***a ecoou sinistramente alto – um ruído muito claro para meus ouvidos. Depois que o som se propagou pela área e cessou, tão breve quanto um pensamento apreensivo que emergiu abruptamente, me detive e reparei como o escritório estava vazio e quieto, ausente de vida além de mim (Alexander nem vivo era, então não entrava no cálculo), e parecia um ambiente desconfortável. Mergulhado nas sombras onde os ruídos se ampliavam perigosamente e se transformavam em uma diminuta cacofonia. Com a série de acontecimentos, sem uma pausa para realocar minha mente e organizar tudo que não pude nesse ínterim, não tinha me dado conta do quanto estar ali, distante da minha preciosa família e amigos, era também solitário. Não conseguir evitar que o sentimento de tristeza quisesse se dissolver em lágrimas enquanto esquadrinhava o local com a visão borrada pelas primeiras lágrimas – o entendimento de que estava sozinha trouxe ainda mais um motivo para lamentar. Apesar da companhia do diáfano e fantasmagórico Alexander, havia pessoas pelos quais possuía laços e que, se não tivesse nenhuma sorte nessa empreitada, nunca mais veria. Repousei sobre a mesa com o corpo em espasmos de uma iminente crise de choro, uma parcela disso se cabia ao estresse e o medo e outras emoções divergentes, irrompendo pela minha garganta como um ganido áspero e derrotado. Não me importei com o espetáculo que exibiria ante a Alexander, cada minúscula parte do meu ser só desejava exprimir a tormenta que se abateu sobre mim, me desestabilizando com o choque de realidade. Ignorando as convenções de comportamento, cerrei os olhos mesmo as lágrimas derramando-se incontrolavelmente, agarrada a ideia de que seria um desabafo momentâneo. Solucei sôfrega com um sutil calafrio em minha nuca, elevando os olhos para a fonte de tal sensação: Alexander estendeu a mão até mim como um gesto mudo de carinho não efetuado como gostaria. Ficava nítido que a falta de composição física – um corpo – o incomodou, mas mesmo sem qualquer toque, só pela gentileza dele em querer me consolar já aquecia meu coração. – Minhas sinceras desculpas por não poder fazer muita coisa para lhe confortar. – ele encarou melancolicamente as próprias mãos. – Está tudo bem. – enxuguei as lágrimas no instante que a porta se abriu. — Cadê a festa de boas vindas? — brincou uma voz rouca e familiar, me levantei sobressaltada e vi Dante na soleira da porta com uma aura felina e divertida. Me restabeleci e mais recomposta corri para recebê-lo, aliviada e animada por seu retorno. — Que bom que chegou! — Sentiu minha falta, doçura? — Não é isso, ficar sozinha no escuro dá um pouco de medo. — confessei, ele ergueu as sobrancelhas suspeitosamente. — Mesmo? As melhores coisas acontecem no escuro, sabia? Abri a boca para retrucar, mas acabei me traindo ao corar de seu flerte descarado. — Engraçadinho você. – balancei a cabeça levemente, rindo timidamente. — A propósito, Trish e Lady saíram pra uma missão. — informei, fechando a porta. — Eu sei, elas deixaram um carinhoso bilhete para mim na porta. Dante me entregou o papel, quando li o que fora escrito entendi a razão do “carinhoso” sarcástico do mestiço. Não dá nem pra comentar o que está escrito. — Amanhã vamos visitar uma velha amiga da Lady. — expôs vasculhando a geladeira. — Eryna? Ele assentiu, com um pedaço de pizza na boca. — Acha que ela pode me ajudar? — Não faço ideia, mas Lady diz que sim. Resta ir pessoalmente confirmar. — bebeu uma latinha com a figura de um tomate estampado na embalagem. — E como não tenho alternativa, vou ter que confiar nisso. — suspirei, jogando-me no sofá. – Esteve chorando? – sua indagação me surpreendeu. – O que estiver te incomodando, pode me falar. Não sou o melhor conselheiro, mas se quiser chorar no meu ombro estou a disposição. – Não era nada de mais, fica tranquilo. – mexi as mãos exasperadamente. Dante optou por não revirar o assunto, terminando sua bebida. Agradeci mentalmente por seu zelo em não insistir. Fechei os olhos, entediada. Eram duas horas de carro para percorrer todo o trajeto que Lady emendou. Chegamos ao que parecia um museu: uma construção enorme com três entradas principais com arqueovoltas, janelas compridas, finas e com vitrais multicoloridos e uma estrutura pontiaguda — digna de uma arquitetura gótica —, havia pequenos símbolos acima da entrada e as paredes claríssimas. Fiquei fascinada. — Os lugares desse mundo parecem mais grandiosos que os do meu. — Talvez seja o fator estético, aqui as coisas são... Complicadas. — Dante informou. Entramos no local e a primeira coisa que vimos foi uma imponente estátua de um homem de armadura brandindo uma espada que equivalia o seu tamanho como uma claymore – uma gigante espada escocesa de dois gumes. Não era difícil identificar quem seria a mítica figura que povoava o imaginário: o poderoso e benevolente Sparda. Em minhas conjecturas, pretendi comentar algo com Dante, todavia, tomada pelo bom senso, achei melhor ficar na minha. — Parece que temos companhia, doçura. — O quê? — perguntei sem entender nada, olhando em volta igual uma barata tonta. – Companhia? Onde? — A festa começou, baby. Mortificada, testemunhei o saguão se encher de uma razoável quantidade de demônios. Cada um mais sinistro que os outros, tinham vários tamanhos e formas, portando armas que dilacerariam qualquer infeliz que tivesse o azar de encontrá-los. Agarrei o casaco de Dante, apavorada. Ele se safaria dessa enrascada com facilidade e eu estaria meio ferrada. O meio-demônio se posicionou na dianteira, formando uma barreira entre mim e os penetras sanguinários. Um som de tédio escapou dos lábios dele, seus olhos acompanharam a movimentação das criaturas sem qualquer mera sombra de medo – sequer se impressionou com os números alarmantes de inimigos que fechava o cerco em nosso entorno. – Você está pronta para correr? – Dante arqueou uma das sobrancelhas com a indolência atrevida. – Se você não estivesse aqui, já estaria correndo. – resmunguei, encolhida. – As vezes esqueço que demônios existem nesse mundo. – Você esteve esse tempo todo comigo e não se deu conta? – o sorriso bem humorado de Dante me enrubesceu. Gritei assim que me pegou nos braços, esquivando velozmente dos múltiplos ataques que visavam nossas cabeças. — Se esconda, doçura. – pediu no instante que me firmou de pé. – Deixe o trabalho pesado comigo. — Ok! — concordei, correndo para trás de outra estátua das várias que compunham o acervo do lugar. Escondida e assistindo a luta desenrolar-se, percebi quanto Dante era ágil, seus movimentos eram precisos e fazia com que ele desviasse tranquilamente entre as criaturas que o atacavam com tanta desenvoltura que foi quase hipnotizante. O barulho de tiros, cápsulas batendo no chão e berros estridentes e animalescos encheram o museu. Algo afiado apertou rudemente meu rosto, me imobilizando e asfixiando o meu ganido assustado. Amedrontada, me debati lutando para escapar do agarro violento. Continuei a me remexer frenética, com um hálito quente e rançoso expelido contra meu rosto. Balancei os pés e notei que não alcançavam o chão. Estava sendo levada voando – pra longe de Dante. — Oh, Dante! — gritei, contorcendo-me numa falha tentativa de liberdade. — Agradeceria se me desse uma mãozinha! — Que feio, o monstro tentando levar a donzela indefesa. — Dante apontou Ebony e Ivory para o demônio e atirou. Com o erro de cálculos, esbarrei com tudo sobre a estátua de Sparda, escorregando pelo mármore e emplacando na espada dele. A única coisa que me impedia de uma queda horrível era a força dos meus braços, já que estava pendurada – até me arrependia de nunca ter realizado exercícios para promover uma melhor condição muscular dos meus membros superiores. O pior de tudo é o meu medo irracional de altura – o que colaborou com a transpiração que deixavam minhas mãos lisas. — Droga... Dante... Podia ter me poupado da queda... — suspirei, sentindo meus braços fraquejarem com meu peso. Forcei meu corpo para cima, no entanto, não consegui sair do lugar e, de bônus, feri minha mão. — Aguenta firme, doçura. — Como se tivesse escolha. — esbravejei, estressada. – Se eu cair, viro pastel! Novamente testei minha força para me erguer, sem nenhum progresso. Arfei ao ver que dois demônios, com aparência grotesca, segurando foices vieram em minha direção, fechei os olhos aguardando a sucessão de dores violentas que nunca concretizaram-se, em resposta ao horror da possibilidade de morrer, um calor suave percorreu meu corpo e rugidos bestiais ressoaram. Sem forças para permanecer naquela posição desconfortável, acabei me soltando da estrutura, prevendo como o impacto me apagaria em segundos. Entretanto, quando acreditei que fosse cair e virar uma mancha no piso, Dante me pegou a tempo. Tive um vislumbre de algo se movendo entre os objetos assim que meus pés tocaram o chão. — ERIF! — uma voz proclamou, incinerando o grupo restante de demônios. — Que irritantes! Uma garota, muito mais jovem que eu, de cabelos loiros, trajando roupas bem estilo alternativo de lolita gótica. Ela bateu as mãos como se tirasse a poeira deles após seu ataque repentino. — E vocês, quem são? Visitantes? — Nós fazemos as perguntas aqui, baixinha. — Dante rebateu. — Olha como fala comigo, seu brutamontes. E não sou baixa! Tenho o tamanho normal para alguém da minha idade! — retrucou m*l humorada. Decidi intervir. — Nós estamos procurando uma mulher chamada Eryna. Você conhece? A garota franziu a testa, me olhando fixamente. — Está diante dela, é seu dia de sorte. Arregalei os olhos. — Lady tem pessoas estranhas como aliadas. — Dante coçou o queixo. — É difícil acreditar que uma criança... — Lady? — A jovem piscou surpreendida, cortando o mestiço. — Vocês são as visitas que... Bem, até que enfim chegaram, minha irmã estava esperando por vocês. — anunciou desfazendo a careta e sorrindo amavelmente. Uma completa divergência a sua atitude anterior. — Irmã? — inquiri sem entender. — Sim, eu não sou a Eryna, sou a irmã mais nova dela. Venham comigo, por favor. — instruiu com um sorriso mais tranquilo de todos. — Minha irmã os espera, sintam-se honrados. — Acha que devemos confiar? — sussurrei para Dante. Se for pesar no nosso julgamento o fato dela ter trapaceado e quase nos ludibriado, ficava difícil dar o voto de confiança. — Não, mas ela parece saber de algo importante. Na pior das hipóteses, estou aqui para chutar traseiros. Seguimos a garotinha, passando por um corredor m*l iluminado com um forte cheiro de canela e jasmim. — Entrem. — pediu, abrindo uma porta de madeira branca.
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