Lucas Andrade
Estou sentado à beira da lagoa, observando a superfície calma da água, que reflete o céu acinzentado como um espelho silencioso das minhas próprias emoções. A briga com Camilly ainda lateja em minha mente, cada palavra dita ecoando como se não tivesse passado mais de um minuto. Cada expressão magoada dela… cada lágrima… tudo me atinge como um golpe certeiro.
Eu não queria machucá-la. Nunca. Mas minha impulsividade, minha confusão interna — aquele turbilhão constante que me acompanha desde que perdi Marisa — tomou conta de mim. E acabei dizendo coisas que não deveria.
Passo a mão pelos cabelos, tentando aliviar a tensão acumulada no pescoço. Mas nada alivia. Nada silencia o peso da culpa.
Pego o celular e disco o número de Sabrina. Se existe alguém capaz de me trazer de volta ao eixo, é minha irmã. Ela atende no segundo toque.
— Lucas? Aconteceu alguma coisa? — A preocupação na voz dela é imediata.
— Não… nada grave. — Pelo menos não fisicamente. — Eu só… preciso de um conselho.
— Claro. Fala, o que houve?
Respiro fundo, tentando não transparecer o desespero.
— Eu discuti com a Camilly. Disse coisas horríveis e ela saiu chorando. Sabrina… eu não queria. Não queria mesmo. Mas… aconteceu.
Há alguns segundos de silêncio. O tipo de silêncio que antecede a bronca.
— Lucas, — ela começa devagar, mas firme — a Milly está destruída. Você sabe disso. Ela não precisava de mais um golpe. Você tem que pedir desculpas. Agora.
Fecho os olhos, apertando o celular contra a orelha.
— Eu sei… mas como? Como eu me desculpo por insinuar que ela fugiu do casamento? Como conserto algo assim?
Sabrina suspira do outro lado, e posso quase ver a expressão impaciente dela.
— Sendo sincero. Sem dramatizações, sem se esconder atrás da culpa. Diga que errou e que se arrepende. Ela é compreensiva, Lucas. Sempre foi.
Ela respira fundo antes de acrescentar:
— E, pelo amor de Deus, você acredita que o Fred está espalhando por aí que a Camilly fugiu porque estava traindo ele?
A raiva na voz dela me pega de surpresa.
— Eu juro, amanhã mesmo vou atrás dele. Vou quebrar a cara daquele i****a. Ele nunca teve caráter. Pensei que tivesse mudado por causa da Milly, mas… ilusão. Ele só queria machucá-la.
Fecho a mandíbula com força. O ódio que subitamente brota em mim é quase palpável.
— Então eu preciso protegê-la, murmuro.
— Exatamente. — Sabrina afirma com firmeza. — E isso começa pedindo desculpas. Vai, Lucas. Vai cuidar dela.
Desligo a ligação com o coração acelerado. Sabrina está certa — ela sempre está. Preciso pedir desculpas. Preciso consertar o que estraguei.
Mas encarar a dor nos olhos de Camilly novamente… isso me apavora. A ideia de vê-la sofrer por minha causa faz meu peito apertar num nível quase insuportável.
Ainda assim, levanto-me. Dou um último olhar para a lagoa, que permanece serena mesmo quando tudo dentro de mim é tempestade, e começo a caminhar de volta para casa.
Quando entro, encontro Camilly sentada no sofá da sala, abraçada às próprias pernas. Ela olha para um ponto fixo no chão, como se estivesse tentando segurar o mundo para que ele não desmorone mais uma vez.
As marcas de lágrimas secas em seu rosto são como punhais cravados em mim.
— Camilly… — chamo suavemente.
Ela levanta o rosto com lentidão. Seus olhos ainda estão vermelhos, inchados. A tristeza que vejo ali faz meu estômago despencar.
— Eu… — minha voz falha, mas tento de novo. — Eu sinto muito. De verdade.
O silêncio que se segue é pesado, quase sufocante. Ela apenas me observa, sem piscar, como se tentasse decifrar se minhas palavras são verdadeiras ou apenas mais uma ferida disfarçada de perdão.
E eu deixo que ela veja — toda a culpa, todo o arrependimento, tudo.
— Eu nunca deveria ter dito aquilo. — Engulo seco. — Eu estava chateado, mas isso não é desculpa. Eu fui injusto. Eu… errei.
A expressão dela muda lentamente. Primeiro dor. Depois surpresa. E então algo mais suave… compreensão.
— Lucas, — ela sussurra — você também está sofrendo, não está?
Aquilo me desmonta por dentro. De todas as pessoas, de todo mundo ao meu redor, só ela enxerga isso. Só ela percebe as rachaduras que tento esconder.
Eu apenas assinto. Não consigo mentir para ela.
— Fred está espalhando mentiras sobre você. — digo com a voz firme. — E isso… isso me deixa…
Raiva. Fúria. Ódio.
Mas não consigo completar.
— Eu não vou deixar que ele te machuque mais.
Minha voz sai baixa, quase uma promessa.
Camilly parece surpresa. Depois, um pequeno sorriso nasce em seus lábios — frágil, mas real.
— Obrigada, Lucas. Eu também sinto muito pelo que aconteceu. Nós dois estávamos machucados. Nós dois falhamos um pouco. Mas… podemos tentar de novo. Conversar. Nos ouvir dessa vez.
Um peso imenso cai dos meus ombros. Sinto, pela primeira vez em dias, a possibilidade de respirar sem dor.
— Eu estou aqui por você. — digo com sinceridade absoluta. — E vou continuar aqui. Não importa o que aconteça.
Ela sorri de leve, um gesto tão suave e bonito que algo dentro de mim se aquece pela primeira vez em meses.
— Vamos levar um dia de cada vez, Lucas. — Ela toca minha mão com delicadeza. — E vamos curar isso juntos.
Sentamo-nos lado a lado no sofá, em silêncio, mas não um silêncio desconfortável — e sim um silêncio que nos envolve como um cobertor leve, quase acolhedor.
E percebo uma coisa que tentei ignorar até agora:
Há mais entre nós do que apenas lembranças de infância.
Há mais do que apenas a amizade que sempre existiu pela proximidade dela com minha irmã.
Há uma ligação crescendo ali, silenciosa, profunda.
Algo que me assusta… e me atrai.
Prometo a mim mesmo, naquele instante, que vou protegê-la.
Que vou ajudá-la a se recompor — mesmo que isso exija ignorar minhas próprias feridas.
Porque Camilly merece alguém ao seu lado.
Alguém que a trate com gentileza.
Alguém que cure, e não destrua.
E, se ela permitir… eu quero ser esse alguém.