Demorou dez longos dias para Tobby constatar que estava sendo vigiado. Ele sempre havia sido um rapaz inteligente e observador, e definitivamente alguém que não acreditava em fantasmas ou coisas do tipo, então aquela, sem sombra de dúvidas, era a única resposta para isso.
— J-John, eu acho que tenho um stalker. — Tobby disse assim que seu amigo atendeu a ligação. Eram pouco mais de oito da manhã de uma sexta-feira. John iria aparecer alí por volta das duas da tarde, mas ele queria ligar para o amigo antes disso.
— Bom... Por que você acha isso? — John perguntou. Tobby conseguia escutar o amigo mexendo em algumas coisas, o som parecia de uma geladeira sendo aberta.
— Você sabe como eu sou meio psicótico com limpeza, e se cada coisa não estiver exatamente no mesmo lugar em que eu deixei, com certeza vou saber. — Explicou ele, sentindo um calafrio de medo percorrer seu corpo. Nos primeiros dias Tobby achou que era coisa da sua cabeça, mas definitivamente não era. O rapaz gostava de colocar o seu velho notebook alinhado perfeitamente com o canto da mesa; sempre arrumava seus travesseiros sobre a cama de modo com que ficassem um mísero centímetro longe um do outro; gostava de deixar as cortinas levemente abertas... Essas pequenas coisas com que ele se importava sempre irritavam os seus pais, mas caso não fizesse justamente isso, ele quem iria ficar irritado pelo resto do dia. Tobby percebeu depois de algum tempo que suas coisas estavam levemente fora do lugar, embora a pessoa fizesse de tudo para deixar tudo exatamente como estava antes. Ele percebeu quando voltou da cafeteria e viu que seus travesseiros estavam encostando um no outro, percebeu quando uma jarra d'água da geladeira estava com a alça/asa virada para trás, e ele definitivamente jamais deixava a alça para trás. Percebeu quando o seu notebook estava um centímetro mais afastado da borda da escrivaninha do que ele costumava deixar. O rapaz notou tantas coisas esquisitas que passou os últimos dias completamente paranóico, analisando cada centímetro da sua casa.
Além disso, Tobias passou a encontrar várias bitucas de cigarro espalhadas pelo quintal, e ninguém que fumava entrou naquela propriedade desde que ele havia se mudado para lá (pelo menos não alguém que tenha entrado legalmente). Enquanto as evidências eram apenas coisas levemente fora lugares, Tobby poderia fingir que nada estava acontecendo e que tudo aquilo não passava de coisas da sua imaginação, mas aqueles pedaços de cigarro eram provas concretas, e isso o fez ficar com mais medo ainda.
— Se você tem certeza, liga pra polícia. — John disse.
— Não quero ligar pra polícia sem provas. Eles vão vir aqui, revirar a casa e não vão achar absolutamente nada. Mas se eles fizerem isso, o meu stalker vai saber que eu já sei que ele vem aqui frequente! E se ele resolver que chega de brincar e me matar?! — Tobby Exclamou, observando o copo de vidro que estava sobre o balcão, onde ele estava colocando as bitucas dos cigarros que encontrava pelo quintal. Eram quatorze no total, e embora não conhecesse nenhum tipo de droga ou coisa do tipo, ele sabia muito bem que aquilo era maconha.
Tobby pegou uma bituca de dentro do copo e a observou de perto, engolindo em seco ao constatar que a boca do maluco que o estava perseguindo já havia tocado alí. Será que era alguém que ele já tinha visto antes? Alguém que o viu na cafeteria? Que o seguiu até ali? Os dedos de Tobby começaram à tremer quando ele lembrou que aquele cara conseguia abrir todas as portas com uma habilidade assustadora, por mais que o rapaz checasse a tranca de cada porta e cada janela de todo o casarão.
— Você tem razão, Tobby. Mas acho que você precisa dar o fora daí, se realmente tem certeza disso. Sabe o quanto eu tenho medo dessa sua casa, principalmente com esse bosque aí na frente. — John disse, e antes que Tobias pudesse responder, ele continuou: — Quer vir para o meu apartamento? Não é muito grande, mas vai acomodar você sem problemas pelo tempo que precisar.
— Obrigado, John, mas eu tenho meu emprego aqui. Não posso sair dessa forma. — Tobby soltou um longo suspiro e devolveu a bituca para o copo, antes de caminhar até a porta da cozinha e olhar através dela. Durante a manhã e todo o dia aquele pomar repleto de árvores e flores era simplesmente magnífico, mas durante a noite, como John gostava de dizer, ele assumia uma aura meio sombria.
— Tem alguma coisa que eu possa fazer por você? Não posso ficar por muito tempo aí, mas posso te arrastar pra cá se for necessário.
— Na verdade... Tem sim. Será que você poderia comprar duas câmeras portáteis e trazer para cá? Vou te pagar quando chegar aqui. Eu poderia comprar na sss, mas demoraria uns seis dias para chegar. — Disse o rapaz, também pensando em comprar lâmpadas e prender nas árvores, assim como colocar alarmes nas portas e nas janelas, mas isso demoraria mais tempo por precisar de um profissional.
— Claro! Vou passar no shopping é compro pra você. Chego aí antes das duas da tarde para montar com você. — John confirmou, fazendo Tobby soltar um suspiro aliviado por saber que logo logo não estaria mais sozinho alí, mesmo que fosse por um curto período de tempo.
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John realmente antes das duas horas da tarde, e como ele tinha uma cópia das chaves do portão, não precisou ficar esperando lá fora, buzinando até Tobby ir abrir. Ele observou aquela velha caminhonete vermelha seguir pela estrada de tijolos hexagonais que cortava o pequeno bosque e parar de frente para o casarão, antes que o carro fosse desligado e John saísse de dentro dele.
— Hey! — Tobby colocou a mão na frente do rosto para criar sombra e proteger seus olhos do sol, enquanto ele observava seu amigo se aproximar com duas sacolas brancas e pequenas nas mãos. John tinha vinte e um anos, ele usava óculos e tinha roupas engomadinhas que o deixavam parecendo com um mórmon, principalmente por ele ser branco e sempre usar suéteres, já que pessoas negras geralmente não eram muito bem-vindas nas igrejas dos santos dos últimos dias convencionais. Fazer tal comparação em voz alta era o mesmo que lhe dar uma facada.
— Oi amigo. — John se aproximou, vestindo um jeans preto e um suéter cinza que destacava o seu cabelo escuro e os olhos esverdeados. Tobby deu um rápido abraço no seu amigo, revirando os olhos ao senti-lo brincar com o seu cabelo crespo.
Os dois entraram no casarão e começaram a andar em direção a cozinha, enquanto Tobias explicava cada um dos motivos para ter certeza de que havia alguém indo alí, e como jamais havia sumido absolutamente nada, não era um ladrão. Ele observou John arregalar levemente os olhos à cada palavra dita sobre as minúsculas coisas coisas que estavam fora do lugar. Muitas pessoas poderiam achar besteira, mas John conhecia muito bem as manias de limpeza e organização do seu amigo.
Tobby viu John ficar ainda mais espantado quando mostrou para ele o copo com os cigarros.
— E-eu trouxe duas mini câmeras para você. Também trouxe algumas ferramentas para montar. — John Explicou, tirando de dentro das sacolas duas pequenas caixinhas de papelão. Ele as colocou em cima do balcão e começou a abrir as embalagens, jogando tanto o plástico bolha quanto os pedaços de isopor que estavam dentro delas na lixeira que Tobby mantinha debaixo da sua pia.
As câmeras eram pretas e pouco menores do que um dedo mindinho, além de parecerem girar em 360° graus.
John e Tobby resolveram que o melhor lugar para monta-las era na varanda e na sala principal (onde ficavam as escadas que levavam para os outros andares). John subiu em cima de uma daquelas poltronas malignas que haviam no hall da casa e tentou encontrar o melhor lugar para colocar a câmera, de modo com que ela conseguisse filmar de um lado ao outro do casarão e do bosque. Por fim, os dois rapazes resolveram colocar a câmera do lado de fora do hall, escondida num cantinho discreto, sob as telhas do telhado do hall.
Não havia como filmar a parte dos fundos do casarão, pois só haviam duas câmeras, mas John resolveu colocar a outra na sala justamente para filmar caso alguém entrasse. Se alguém invadisse pela porta da cozinha e não quisesse ficar isolado apenas dentro dela, iria aparecer na gravação assim que colocasse os pés alí na sala.
A segunda câmera foi escondida em cima do painel da TV, onde também seria impossível avista-la. Depois de toda a instalação (que durou pouco mais de quarenta minutos), John pediu o celular e o notebook de Tobby para baixar o aplicativo por onde ele iria acompanhar em tempo real tudo que as câmeras captavam.
— Você... Tem certeza de que não quer ir comigo, Tobby? Você sabe que não precisa ficar aqui, não é? É perigoso pra caramba se realmente tiver alguém vigiando você. Pensa nas inúmeras coisas que esse doente pode tentar. — John agarrou os antebraços do amigo e o fez encarar seus olhos enquanto ele falava isso.
— Eu vou ficar bem, juro. — Respondeu ele, mordendo levemente o lábio inferior. Tobby não se considerava alguém corajoso ou algo do tipo, mas era cético o suficiente para simplesmente não dar no pé ao menor sinal de problema. Aquela casa era dele. Ele passou três anos trabalhando sem parar para comprar os móveis e mandar concertar as coisas quebradas. Tobias definitivamente não iria embora dali só porque um maluco achava que poderia assusta-lo daquela forma.
John ficou no casarão até pouco mais das cinco da tarde, quando precisou retornar para sua própria casa.
— Eu dei uma pesquisada no Google e vi que tem uma delegacia a uns quinze minutos daqui. Deixe o número deles salvo no seu celular e ande sempre com ele no bolso. — Aconselhou John, enquanto se despedia do amigo com um abraço.
Tobby soltou um suspiro longo enquanto observava a caminhonete vermelha do amigo seguir por aquela pequena estrada, que era tão retinha que ele conseguia ver do hall da casa enquanto John descia do carro para abrir o portão. Depois de mais algum tempinho, quando finalmente estava sozinho novamente, Tobby entrou no casarão e trancou a porta logo atrás de si, resolvendo que antes de ir dormir iria empurrar o sofá e deixá-lo contra ela.
A barriga do rapaz roncou assim que ele fez menção de subir as escadas, então Tobias mudou de direção e caminhou até a cozinha, pretendendo fazer alguma coisa rápida para comer pela terceira vez naquela tarde (fora o jantar, que aconteceria umas duas horas mais tarde).
[•••]
Durante a madrugada, Blake pulou o muro da propriedade, como vinha fazendo quase toda noite. Olhar o seu ratinho dormir era um dos seus melhores passatempos, além de que ele conseguia se acalmar depois de um dia longo fazendo coisas que definitivamente o iriam colocar atrás das grades em um piscar de olhos.
Os passos sobrenaturalmente silenciosos de Blake eram tranquilos, não sendo rápidos ou devagar demais. O homem sabia exatamente o tipo de aura que transmitia, e talvez fosse por isso que boa parte das mulheres com quem cruzava queriam ficar com ele (porque afinal, quem não gosta de um criminoso sexy e assustador ao mesmo tempo?).
Blake sentiu o peso do isqueiro em um dos bolsos, mas ele iria deixar para fumar dali alguns minutos, quando subisse a sacada para observar Tobias dormindo. Ele não era viciado nem nada do tipo. Na verdade Blake passava o dia inteiro sem ao menos pensar em fumar.
O homem sequer estava preocupado com os arredores, mas assim que deu um passo para fora do limite das árvores, onde a luz das lâmpadas já poderiam alcança-lo, Blake parou bruscamente. Ele ainda só estava vivo por sempre, sempre, sempre, confiar na sua intuição. Era como se fosse um sexto sentido, mais aguçado até que os sentidos convencionais.
Blake analisou cada centímetro do casarão, não vendo absolutamente nada a princípio, mas depois de alguns segundos, um pontinho de luz vermelha acendeu e apagou tão rápido que a visão do homem quase não acompanhou, vindo do canto do hall, quase debaixo das telhas. Blake continuou observando por mais alguns segundos, apenas para ver a luzinha acender e apagar novamente em determinados intervalos de tempo.
Câmeras. Constatou ele. Câmeras que definitivamente não estavam ali desde a última vez que havia invadido o casarão.
Blake riu baixinho e deu um passo para trás, ficando fora de vista novamente, completamente imerso na escuridão do bosque. Não havia como ele saber se havia sido filmado ou não, mas se haviam câmeras ali, isso só significava que Tobias já desconfiava (ou já tinha certeza) da sua presença ali.
Depois de pensar por uns segundos, Blake resolveu ir embora e desistir da tentativa de ver Tobias (pelo menos daquela vez). Ele pulou o muro de volta e começou a andar pelas ruas desertas, sem conseguir evitar o sorriso que crescia no seu rosto.
Pelo visto o seu ratinho era bem mais esperto do que Blake imaginava, e agora que tinha sido notado, as coisas definitivamente iriam ficar mais interessantes a partir dalí.