Para Blake, pular aquele muro durante a noite era mais fácil do que respirar. O homem subiu no parapeito de um dos prédios que ficavam ao lado do muro e pulou por cima dele, aterrissando com agilidade após rolar nas folhas secas duas vezes para amortecer o impacto da queda. Ele ficou parado por trinta segundos, ouvindo os sons que reverberavam pelo pequeno bosque para tentar descobrir se havia algum cachorro alí dentro, mas ele não escutou absolutamente nada à não ser o som dos galhos roçando uns contra os outros.
Nos últimos quinze dias, Blake já tinha decorado cada um dos horários do seu ratinho assustado. Ele ainda não sabia o nome dele, mas sabia que ele saía de bicicleta antes das seis da manhã e retornava pouco depois das seis da tarde. Ele com certeza morava sozinho, pois nas últimas duas semanas, Blake não viu mais ninguém saindo da propriedade. O homem dava uma passadinha rápida durante a maioria das noites, mas estava ocupado o suficiente com seus chefes para nunca atravessar o muro.
Até aquele dia.
Blake andava de forma silenciosa pelo bosque mesmo que o chão estivesse cheio de folhas secas. O segredo era não apoiar os coturnos inteiros no chão de uma só vez. Primeiro ele colocava o calcanhar, depois o meio do pé, depois os dedos, tudo com bastante suavidade. Invadir propriedades era praticamente o que ele fazia de melhor, então andar silenciosamente como um gato não era algo que ele precisava forçar ou se concentrar, e sim algo completamente natural para ele.
Já passavam das duas da madrugada e uma brisa fria fazia os galhos das árvores balançarem. Blake puxou o capuz do casaco para trás e saboreou a brisa fria, retirando um baseado e um esqueiro de um dos bolsos da sua calça cargo. Ele levou o cigarro até os lábios e o acendeu rapidamente, ainda caminhando em direção a velha mansão à sua frente. A construção com certeza já havia visto dias melhores. A tinta escura estava descascando em alguns pontos, além de que haviam trepadeiras subindo livremente pelas paredes, indo até quase o terceiro andar.
O homem deu uma tragada profunda no cigarro e sentiu a fumaça preencher os seus pulmões, enquanto ele ficava no limite do bosque e observava o casarão com calma, absorvendo cada um dos detalhes mais importantes. Blake segurou a fumaça por alguns segundos, antes de expirar lentamente pela boca, sentindo a fumaça do baseado começar a fazer efeito quase que instantaneamente. As únicas lâmpadas acesas eram a do hall da casa, mas ao analisar com mais calma as janelas do segundo e do terceiro andar, Blake percebeu que havia uma pequena luz vindo daquele quarto que tinha uma sacada circular, enquanto todas as outras janelas de vidro estavam completamente escuras.
O homem riu baixinho e deu um passo para a frente, saindo do limite do bosque escuro e sendo iluminado pela luz que vinha do hall da casa. Qual era a chance do quarto do seu ratinho fofo ser justamente aquele mais fácil de ser escalado, enquanto aquele lugar deveria ter no mínimo uns vinte quartos? Blake não se considerava um homem se sorte ou que acreditava no destino, mas definitivamente ficou satisfeito ao ver que as chances estavam ao seu favor, não que ele achasse difícil escalar até qualquer outro daqueles quarto.
Blake caminhou até o hall da casa, tragando o baseado até ele não passar de uma pequena bituca, que rapidamente foi descartada. Ele percebeu que todas as fechaduras, tanto das portas quanto das janelas, haviam sido trocadas recentemente, o que o fez ficar bastante satisfeito, porque indicava que o seu ratinho era bastante cuidadoso, e Blake definitivamente não gostava de ter ninguém mais observando aquele rapaz deslumbrante à não ser ele. Mas aquelas fechaduras novas não iriam impedi-lo de entrar caso quisesse, pois Blake conseguiria facilmente destrancar qualquer tipo de fechadura em um piscar de olhos. Trabalhar para a máfia exigia aquele tipo de coisa, além de também exigir ter destreza, sangue frio e saber matar e torturar alguém das piores maneiras possíveis. Não era um trabalho limpo, mas honestidade e honra não era algo com que Blake se preocupava.
Não havia nenhuma árvore próxima o suficiente do casarão para que ele conseguisse subir, então o homem teve que usar uma das colunas circulares para conseguir chegar até a sacada do segundo andar, escalando silenciosamente e agarrando a borda da mureta de proteção, impulsionando seu corpo grande para cima logo em seguida.
Blake pulou a mureta e percebeu que o quarto não tinha uma janela de vidro, mas sim uma parede inteira, com uma estreita porta do mesmo material do lado esquerdo dela. Ele precisou se controlar para não rir de novo, porque o acaso definitivamente estava ao seu favor.
Havia uma cortina azul escuro tampando boa parte da parede de vidro, mas havia uma pequena fresta onde as duas cortinas se encontravam, possibilitando-o ver através dela. Blake deu dois passos silenciosos para mais perto da parede e olhou através do vidro, percebendo que a pequena luz que ele havia visto quando estava na floresta vinha de um abajur que estava em cima de uma escrivaninha.
O quarto estava um pouco escuro, era bem organizado e simples. O olhar de Blake recaiu sobre o corpo magro deitado na cama, completamente envolvido pelo cobertor grosso, que deixava apenas a cabeça do ratinho assustado do lado de fora. A cama ficava a menos de dois metros da parede de vidro, e como o jovem estava com o rosto virado para a direita, o homem do lado de fora conseguia ver perfeitamente o seu rosto sereno, apesar da pouca luz. Ele estava completamente calmo, inspirando e expirando lentamente.
Dormindo, ele parecia ser mais novo e delicadalo do que quando estava acordado. Blake sabia que ele tinha no mínimo vinte anos, apesar de parecer ter uns dezessete. O homem achava impressionante como eles eram completamente diferentes, mesmo que ele próprio só tivesse vinte e três. Era como se tudo que ele já havia vivido o envelhecesse mais do que a idade que ele realmente tinha.
Blake retirou outro baseado do bolso e o acendeu sem pressa alguma, apoiando o corpo na parede de vidro e observando o rosto sereno do seu ratinho. Ele permaneceu alí na sacada por mais alguns minutos, antes de soltar um suspiro e resolver ir embora.
[•••]
Dois dias depois, Blake retornou ao casarão, de dia dessa vez, durante a tarde. Ele calculou rapidamente quando tempo faltava para seu ratinho retornar, e como ainda faltavam mais de duas horas para isso, ele tinha tempo de sobra.
Como estava de dia, ele deu a volta na propriedade para pular o muro dos fundos, pois apesar da pouca movimentação daquela velha rua, ainda passavam carros de vez em quando. O muro da parte de trás era cheio de vinhas e líquens, tornando-o meio escorregadio, mas Blake conseguiu pular facilmente, apesar das suas unhas curtas ficarem repletas de sujeira.
O dia estava nublado, como a maioria dos dias eram naquela fatídica cidadezinha, que era tão perto, mas tão longe da capital ao mesmo tempo. Blake aproveitou que estava mais próximo da porta da cozinha, então foi justamente até lá. Aquela fechadura e a porta eram bastante antigas, mas resistentes pra c*****o. O homem sacou o seu canivete suíço e enfiou a ponta fina no buraco da fechadura. Uma pessoa que não sabia o que fazer não conseguiria absolutamente nada com isso, mas para Blake, bastou um pequeno giro no ângulo certo para aquele "click" característico da fechadura sendo destrancada ecoar pelo ar. Ele abriu a porta rapidamente e adentrou na espaçosa cozinha bem iluminada.
O cômodo tinha um gigantesco armário de parede feito com madeira de cerejeira, feito sob medida para caber perfeitamente na cozinha. Ele estaria em perfeito estado caso a primeira parte do armário não estivesse um pouco lascada, como se alguém tivesse tentando arranca-lo inutilmente da parede e desistido depois de ver que não daria certo. A cozinha também tinha uma geladeira branca e um balcão partindo o cômodo quase ao meio. O fogão era acoplado ao balcão de mármore, onde também havia um microondas e um escorredor de louças, cheio de xícaras, copos, talheres e pratos.
Estava bastante óbvio que o seu ratinho não comprava eletrodomésticos combinando uns com outros, mas sim buscando o mais barato. E após continuar explorando o casarão, Blake constatou que ele fazia exatamente isso com os móveis também. O homem sentiu uma súbita simpatia pelo seu ratinho, porquê apesar de ter dinheiro suficiente para comprar o que quisesse, Blake não costumava gastar com coisas que realmente não precisasse. Boa parte do seu dinheiro era gasto com carros novos, que ele descartava assim que percebia que os tiras estavam na sua cola. O r**m de fazer o trabalho sujo para a máfia era de que a culpa sempre recaia sobre ele, e não sobre os chefões da parada toda. Não que Blake se importasse com isso, pois ele vivia como nômade desde os dezoito anos, cinco anos atrás.
Enquanto subia as escadas de forma tranquila, Blake observava cada centímetro daquele enorme lugar, que era abusadamente limpo e tinha um cheiro curioso de lavanda, como se até o teto fosse lavado com detergente de flores tropicais diariamente (a primeira coisa que alguém pensaria ao olhar para aquele casarão antigo era que tudo ali tivesse um cheiro de velho, de madeira podre e de naftalina. Mas tudo alí e cuidadosamente arrumado). No primeiro andar haviam marcas quadradas levemente mais claras mas paredes, onde provavelmente haviam quadros que foram retirados depois de longos anos, mas o segundo andar tinha um ar completamente diferente por causa do papel de parede novo.
Blake calculou mentalmente qual era o quarto da sacada pela posição das portas (já que a sacada ficava exatamente em cima do hall da casa, que por sua vez ficava exatamente na extremidade do lado direito do casarão). O homem caminhou até a última porta do corredor e a abriu, revelando o belo e cuidadosamente arrumado quarto do seu ratinho fofo.
O cômodo tinha um cheiro cítrico e levemente doce que era tão delicioso que fez Blake respirar fundo repetidas vezes. Ele caminhou até a cama e se inclinou sobre ela, constatando que até os lençóis e os travesseiros tinham aquele cheiro bom.
Blake foi até o guarda-roupas logo em seguida, abriu as portas e começou a observar o interior cuidadosamente organizado. Em uma das pequenas prateleiras, o seu ratinho colocava antitranspirantes e perfumes, mas a maioria deles estava organizados bem no final da prateleira, enquanto apenas um estava mais para a frente. O homem pegou o frasco verde e retirou a tampinha metálica, levando-o até perto do nariz logo em seguida.
Ele abriu um pequeno sorriso ao constatar que aquele era o perfume que seu ratinho fofo gostava de usar, então espirrou um pouco do perfume no seu próprio pescoço, colocando de volta o frasco no armário logo em seguida.
Blake moveu a sua atenção para a escrivaninha ao lado da cama, onde havia alguns livros empilhados e um notebook. Ele caminhou até lá em passos silenciosos e abriu o notebook, ligando-o rapidamente nos segundos seguintes. Blake também era hacker e estava esperando precisar usar suas habilidades para burlar a senha, mas sequer havia senha no notebook.
Uma onda de exitação pura cruzou o corpo esguio e grande de Blake enquanto ele encarava a tela, que carregava lentamente, antes de ligar por completo e abrir a janela principal. O homem passou seu olhar rapidamente pelos aplicativos, sentindo os seus dedos formigarem com a vontade de abrir todas as pastas e checar todas as fotos, mas a primeira coisa que ele fez foi abrir o sss para checar o nome do endereço de email.
TobiasHamlet2862@g*******m
— Então seu nome é Tobias, ratinho. — A voz rouca de Blake ecoou pelo quarto, enquanto um sorriso felino surgia lentamente nos seus lábios. Ele sacou o próprio celular do bolso para salvar tanto o endereço de email quanto o número de telefone do seu Tobias, antes de desligar o aparelho e continuar vasculhando o notebook, passando todas as fotos, uma por uma, e observando os mínimos detalhes daquele rosto angelical e sorridente. Blake encarou aqueles olhos escuros por longos segundos, desejando vê-los pessoalmente logo logo. Não apenas vê-los pessoalmente, mas sim senti-los encarando de volta também.
Ele checou as horas e percebeu que ainda tinha uma boa meia hora antes de precisar dar no pé, e definitivamente pretendia fazer bom uso desses minutos.