Capítulo II
(Loren Casterra)
Desde que Marie morreu, eu parei de rezar. Não conseguia mais fazer parte de toda aquela hipocrisia. As irmãs pregavam que devíamos preencher nossos corações com o amor e nos abster do pecado, que devíamos perdoar para sermos perdoados, no entanto não pensaram duas vezes antes de entregarem Marie aos elfos.
"nós a perdoamos, mas ela precisa ser purificada pelas chamas da justiça, para que sua alma alcance o descanso eterno" – Foi o que a irmã Ursulina falou enquanto eu esperneava, tomada pela loucura.
Não existe perdão no meu coração, nem para as irmãs, nem para a abadessa. Elas são as pecadoras de almas sujas. Quando a ira divina descer sobre a terra, espero que recebam suas punições.
Meus joelhos estão dormentes e minha alma vazia, nunca desejei tanto que a abadessa viajasse como desejo agora. Eu m*l consigo respirar, sufocada pela ansiedade que me aperta.
"se o senhor existe e ainda me houve, eu lhe imploro, me dê uma chance de fugir" – eu me peguei rezando após estar horas ajoelhada na madrugada da vigília.
Despertei ainda ajoelhada no salão de oração, com o barulho dos sinos em meia a madrugada. Algumas irmãs, estavam em prantos.
- O que houve? – Perguntei ficando de pé, em um pulo desajeitado por causa das câimbras, com o coração apertado de pavor, mesmo sem saber o motivo do alvoroço.
- Contenha-se irmã Ursulina, não podemos lamentar a decisão divina. Isso é blasfêmia! – A irmã Carlota falou com o semblante duro, em um tom frio e autoritário.
- Quem morreu? – Perguntei quase gritando, olhando para as irmãs que tentavam reprimir os choros.
- Ninguém morreu! – a irmã Carlota me engoliu com o olhar – Não existe morte para aqueles que andam em santidade! – Ela olhou para as outras irmãs que a fitavam com os semblantes perturbados, transpassados pela dor – A nossa cara e excelentíssima irmã Piedade, era uma rosa perfeita no jardim do sofrimento e da tormenta desta terra impura. Ela finalmente foi agraciada pela colheita do jardineiro fiel, que a levou para a sua glória – a irmã Carlota deu um sorriso satisfeito – Ela se foi sorrindo!
Eu disse que as odiava e que não as perdoaria, então por que estava chorando?
- Loren! – Lídia, uma noviça me chamou, avisando que a abadessa me aguardava na sala dela.
Os corredores estavam frios e pouco iluminados, meus ossos doíam e as pontas dos meus dedos e nariz estavam dormentes. A irmã Piedade era a mais velha do monastério, havia dedicado toda a vida em sua vocação. Era pavoroso pensar que se eu não fizesse nada, teria o mesmo fim que ela.
- Não acredito que está chorando! – A abadessa me engoliu com os olhos incrédula. Sua feição fria se refletia através das tímidas chamas da vela sobre a mesa. Ela parecia cansada e bem desperta, como se não houvesse dormido nos últimos dias.
- Amanhã iremos para Lapur com o corpo. O sacerdote Luiz era irmão de Piedade e quer se despedir antes do enterro, como ele não pode entrar aqui, teremos que ir até lá – Ela explicou descontente, enquanto meu coração saltava no peito, se enchendo de ansiedade ao vislumbrar uma grande oportunidade, que se desenhava diante de mim – Soldados elfos estão chegando a qualquer momento para nos escoltar – ela me avaliou com atenção – Muito cuidado para não chamar atenção, os elfos são muito sistemáticos e farejam bruxos por toda a parte.
Bastou a abadessa falar dos soldados elfos, para toda a minha alegria se abalar, dando lugar a um medo tenebroso, que ameaçou dissolver as carnes de minhas pernas, que lutavam para se manterem firmes por baixo das saias.
- Isso garota estúpida, faça essa cara de culpada e será queimada viva antes do velório! – A abadessa apertou minhas bochechas com uma das mãos, tomada de raiva.
- Recomponha-se! – falou com desprezo me empurrando para longe – está mais pálida que o cadáver que vamos carregar!
Suspirei fundo, ela estava certa, se continuasse com toda aquela covardia, viveria confinada naquele mausoléu eternamente.
- Só fiquei surpresa com tudo o que aconteceu! – Engoli o medo e me recompus.
- Não saia de perto das garotas. Estarei de olho em você!
- Sim senhora! – Concordei como se considerasse a atitude dela normal, porém eu sabia que alguma coisa havia acontecido. A abadessa nunca concordaria em me tirar do monastério, mesmo se todas as irmãs fossem veladas ao mesmo tempo. Algo a estava afligindo e perceber isso me deixou perturbada. Eu nunca a tinha visto tão relutante e buliçosa.