Capitulo I

1692 Words
Capítulo I                                    Loren Casterra                A areia branca deslizava lentamente, ainda havia uma boa quantidade dela na ampulheta, mas o triste e solitário tilintar do sino, anunciava o toque de recolher. Olhei para as frestas esculpidas nas pedras da parede, já não havia mais luz do lado de fora. O silencio imaculado do salão de oração, foi corrompido pelo barulho de meus vestidos, meus olhos imediatamente procuraram por ela, a abadessa, na certeza de me deparar com a reprovação certeira. Não me decepcionei, eu nunca errava quando se tratava dela. A abadessa Marieta pesou seus olhos sobre mim. Cerrei meus dentes irritada por não a ter simplesmente ignorado. Cresci neste monastério, talvez até tenha nascido aqui e mesmo assim ainda consigo fazer barulho com minhas vestes quando levanto. Suspiro irritada, ignorando seu olhar e essa é mais uma violência ao imperioso silencio desta clausura.             Movimento-me silenciosa como um fantasma, pelo corredor comprido, totalmente esculpido em pedras, sem cor, sem flores, sem vida. Apenas frio, mesmo estando iluminado pelas tochas de fogo que se estendem pelas paredes. As vezes tenho a impressão de que até o fogo daqui é gelado. Subo as escadas de pedras, empaladas por paredes pesadas e firmes, paredes que nunca conseguirei derrubar, paredes que sobreviverão a todas as gerações. Estamos sobre a montanha de Khoar, onde os ventos chicoteiam sua ira, arrancando até mesmo as arvores mais antigas, mas a sua fúria não passa de sibilos tímidos, contra essas pedras que pesam mais que os grilhões dos piores prisioneiros.             O andar dos dormitórios está vazio e completamente tomado pela escuridão, fui a primeira a obedecer ao toque de recolher, olho para as escadas e percebo que ainda estou sozinha, então ergo minha mão e com um sutil abrir e fechar dos dedos, acendo todas as tochas do corredor. Se a abadessa me visse usando magia assim, de forma desnecessária, arriscando ser descoberta por puro descaso, me puniria com pelo menos três chicotes, mas não posso resistir, preciso sentir meu corpo esquentar um pouco, com a pequena travessura. Sigo para o quarto de Andressa, ela está trancada há três dias, por ter comido fora de hora, na semana do jejum. Observo o corredor e apenas sussurro com os lábios "otkrivaitsia", e a porta se abre. Andressa levanta da oração em um pulo. Coloco a mão na boca e começo a sorrir. - Meu senhor amado, uma hora você me mata do coração! - Ah, então agora você reza? Achei que tivesse me dito que era ateia. - Você conseguiu comida? – Ela pergunta desesperada, avançando na pequena trouxa de pano que tiro de debaixo das saias. - Eu estava rezando para que todas elas sejam acometidas pela peste e morram de fome! – Ela fala tentando se desentalar, levando o jarro de água a boca – demônios, isso que são, demônios, os piores que já vi.            Andressa é uma comum de pele amarela e olhos caídos, os pais a enviaram para o monastério pois não tinham dotes para duas filhas, ela como era a mais desprovida de beleza, ficou confinada a entregar sua vida a igreja e rezar pelo bem da família. Pelo menos foi essa a história que me contou. As irmãs dizem que ela teve uma gravidez sem estar casada e que matou a criança ainda no ventre. Os pais não sabiam mais o que fazer com ela e a mandaram para o monastério. Quem sabe qual é a verdadeira história? Pra mim, nenhuma das duas parece boa, então prefiro nem pensar sobre o assunto. Já tenho a minha própria vida para me preocupar, que nem de longe é melhor do que a dela. Se por algum motivo as irmãs sonhassem que tem uma bruxa convivendo de baixo desse teto sagrado, seria queimada em praça pública por unanimidade.              Antigamente eu não acreditava nessas histórias, de que seria morta se descobrissem que eu era uma bruxa, achava que a abadessa dizia isso para me amedrontar. Ela me mostrava as escrituras, fazendo com que eu mesma visse o que escreviam sobre os bruxos, mesmo assim, eu duvidava. Havia praticamente nascido ali, junto com as irmãs, não conseguia acreditar que elas pudessem permitir que eu fosse queimada em uma fogueira, eu praticamente era filha delas, parte dessas paredes, mas para provar que eu estava errada, a abadessa colocou objetos de feitiçaria entre as coisas de minha irmã, digo assim por que Marie era como uma irmã, tínhamos quase a mesma idade e havíamos crescido juntas.              Marie nunca havia mexido com bruxaria, ela não era bruxa, eu mais do que qualquer pessoa sabia disso, mas a abadessa precisava mostrar em que mundo eu vivia. Era pouco viver confinada a essas paredes, ela precisava me mostrar quão sombrio e c***l eram os corações daquelas pessoas. Hoje acredito que Andressa está certa. Elas não são irmãs, são a própria reencarnação do demônio. Marie morreu queimada diante dos meus olhos, enquanto eu esperneava e gritava, sem fazer nada para impedir.             Um leve farfalhar de tecido soou pelo corredor, arregalei meus olhos para Andressa, que rapidamente escondeu a comida e voltou a rezar. Eu me pus atrás da porta e comecei a rezar também, se fosse pega ali, ganharia algumas chicotadas e ficaria trancafiada no quarto sem poder sair. d***a! A porta estava destrancada. Eu estava encrencada. O pulsar de meu coração, quase me deixou s***a, mas ninguém entrou no quarto. - Eu preciso ir, antes que alguém venha vê-la! Não se esqueça que está me devendo, assim que a abadessa viajar, irei com você para Lapur! - Eu sei! – Ela respondeu me enxotando com as mãos agoniada.            Com todo o cuidado, sai do quarto observando o corredor vazio, o coração ainda acelerado. Fechei a porta com um feitiço e retornei para o meu quarto. - Onde estava! – A voz da abadessa soou em seu tom frio e controlado de sempre, enquanto avaliava minhas anotações abertas na escrivaninha. - No banheiro – respondi no mesmo tom que o dela. - Suas traduções para o idioma élfico estão cheias de erros! – Ela me entregou as folhas com os textos. - Fiz o que posso! Nunca falei com elfos, como posso saber tudo? - Vou providenciar um encontro com um deles, para que possa praticar! Estudar sozinha não está sendo produtivo. - A senhora não se atreveria! – Ela me fitou com descaso. - Por que não? - Não arriscaria perder a última esperança dos bruxos! – garanto apavorada, não sei se conseguiria ficar de pé diante de um Elfo. - Por que não? se a profecia for verdadeira, não tenho por que me preocupar – Ela fechou minhas anotações e me observou com seu rosto velho e enrugado – Não acha que vai se tornar rainha dos sete reinos, escondida atrás destas paredes, não é mesmo? - Não acho que treinar idiomas com elfos adiante muito! – tentei não parecer apavorada ao pensar em que planos ela tinha para mim. - Seu tempo de treinamento acabou Loren, infelizmente você não o aproveitou como deveria, não matou o javali como eu ordenei, não trabalhou seus dons de forma adequada, independente do esforço que eu tenha feito, mas... – Ela relaxou os ombros com um suspiro – a profecia, é a profecia, não é mesmo! - Seu tom não escondia a descrença que tinha na profecia, mas se ela não acreditava, por que insiste em me atormentar? - Não estou pronta! – Falei com autoridade, eu sabia que implorar, não ajudava em nada, não com ela. - Nisso concordamos! Você está coberta de razão Loren, não está pronta e quanto mais tempo eu perco com você, mais isso fica evidente – as palavras dela estavam vestidas por decepção e isso só aumentou a minha raiva. - A senhora é uma ingrata! – falei respirando descompassadamente, lutando para as lagrimas não me humilharem – Eu me esforcei, vivi toda a minha vida trancada nessas paredes, apanhei, aprendi um monte de idiomas inúteis e me dediquei em treinar todos os feitiços, encantamentos, porções e o que mais me mandou treinar e agora vem dizer isso. - Foi você quem disse que não está pronta! - E não estou! Eu não quero ser rainha dos bruxos, quero ser uma comum, como os outros! – desta vez não escapei de uma bofetada na face. Funguei tremula, com os olhos cheios de lagrimas. - Eu sou humana, tenho minhas fraquezas e sonhos... – outra bofetada ainda mais forte me acertou no mesmo lugar e desta vez eu caí sentada na cama, o rosto pegando fogo, mas pelo menos não estava chorando. - Precisa de mais um t**a pra lembrar quem você é? - a voz cansada dela, soou iluminada pela satisfação de me humilhar. - Não! – Suspirando fundo fiquei de pé, com os olhos secos e frios. Estava com tanta raiva que mesmo que quisesse chorar, não conseguiria – Tem mais alguma coisa pra dizer? – Eu a fitei nos olhos como nunca havia feito antes e pela primeira vez, eu a vi relutar, como se de repente, ela não me reconhecesse. - Em alguns dias será levada para Lamuriel, para ser apresentada aos grão-magos – dito isso, ela deixou o meu quarto.              Sentei-me novamente na cama, o quarto estava iluminado por uma tímida vela sobre o porta vela de prata. Repensei em minha situação e esperei pelas lagrimas, após ser agredida pela figura mais próxima de mãe que eu tinha, mas as lagrimas não vieram. Talvez elas tenham secado de vez. Aprisionada e solitária! que vida mais miserável!  Levantei-me e abri a janela de madeira, ainda era verão, a noite estava fria, mas agradável. Sentei-me no parapeito da janela e admirei a noite majestosa, enfeitada com seus diamantes brilhantes no céu infinito. Não havia volta, fugiria para um lugar onde ninguém pudesse me achar. Não passaria o restante da minha vida, lutando para proteger ninguém, eu não tinha nem mesmo nascido quando a guerra entre os bruxos e os outros reinos aconteceu, nem mesmo cheguei a conhecer Fa Muthan, por que deveria ser punida pelos crimes dele? Um lunático infeliz que convenceu uma multidão a segui-lo em uma guerra ridícula. 
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