Capítulo 5 — Sophia

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Acordei com o cheiro de café fresco invadindo o quarto, aquele aroma bom que só quem foi criado em casa cheia sabe o que é. Por um segundo, pensei que fosse meu pai fazendo o café como sempre, mas a voz da minha mãe falando baixo na cozinha logo entregou tudo. A primeira dama do morro a dona Melissa, minha mãe tava em casa. Plantão folgado. Sorri sozinha. Raro ela conseguir estar ali no café da manhã. Levantei devagar, ainda meio sonolenta, amarrei o cabelo num coque bagunçado e desci pro cômodo onde a gente fazia todas as refeições. — Bom dia, família — disse num tom manhoso, me espreguiçando no batente da porta. Meu pai já tava sentado, camisa branca cavada e aquele olhar que misturava respeito e medo nos outros, mas que pra mim sempre foi só cuidado. Ali era só meu pai, do jeito dele. Minha mãe mexia o café, de avental por cima da roupa do postinho, rindo de alguma coisa que ele tinha acabado de falar. Minha mãe, médica, elegante, linda. Toda certinha. Como esses dois se apaixonaram eu ainda não sei direito. Vicente tava largado na cadeira, celular na mão e expressão de sempre: fechado. A testa franzida, como se tudo ao redor irritasse ele. Meu irmão era meu maior problema e minha maior proteção. Um saco, mas um saco que eu amava. — Ih, chegou a neném — meu pai falou, ajeitando a postura. — Já ia te chamar. Hoje a gente vai resolver esse negócio aí. — Que negócio, papai? — puxei a cadeira e me sentei, já desconfiada. Ele olhou pra minha mãe e depois pra mim, um sorriso torto surgindo no canto da boca. Quando ele fazia aquela cara, eu já sabia que vinha bomba. — Teus dezoito tão chegando, né? Quero fazer uma festa pra você. Grande. Na quadra, se tu quiser. Ou quem sabe um baile só pra você. — Ai, pai… — balancei a cabeça, sem graça. — Nem precisa disso tudo. — Não precisa? Tá maluca? Minha filha mais nova, mulher feita agora, vai ser homenageada como merece. Minha mãe riu baixo. Ela me olhou com aqueles olhos castanhos claros de quem enxerga a alma da gente. Sabia que eu não curtia esse tipo de coisa, não gostava de holofotes. Mas sabia também que aquela ideia era mais do meu pai do que minha. — Deixa ela pensar com calma — Melissa disse, com a voz macia. — Ainda tem tempo. Vicente soltou um suspiro irônico e finalmente largou o celular. — Melhor tu decidir logo, Sophia. Senão ele vai meter o baile sem nem perguntar mais. Revirei os olhos e enfiei um pedaço de pão com manteiga na boca pra não precisar responder. A verdade? Festa nenhuma me animava. Não porque eu não gostasse de comemoração, mas… o que eu queria mesmo, de verdade, era uma coisa que eu não podia nem cogitar pedir de presente. Herus. Era só o que eu queria. Um único presente: ele me enxergar. De verdade. Não como a amiga de infância, não como a irmãzinha do Vicente, nem como a princesinha do morro. Como mulher. Como alguém que queria ser dele. Mas isso era papo proibido. Nem nos meus sonhos eu podia dizer isso em voz alta. Na escola, as coisas continuavam como sempre. Eu estudava no asfalto, numa das melhores escolas da cidade, cercada de gente que m*l sabia o que era pegar dois ônibus pra chegar ali. No intervalo, encostei na mureta que dava pro jardim, sentindo o sol bater nas costas. Milena falava alguma coisa animada sobre o ensaio do coral, mas minha cabeça tava longe. Eu sentia. Sentia o olhar dele em mim. Levantei os olhos devagar e encontrei exatamente o que já sabia que ia encontrar. Herus encostado na parede do outro lado do pátio, como sempre com o uniforme meio aberto, corrente prata brilhando no pescoço, as tatuagens aparecendo pela gola. Ele ria de alguma piada que um dos meninos contou, mas os olhos… os olhos eram meus. O olhar dele era diferente hoje. Eu estava de calça hoje. E o olhar dele não era aquele olhar de quem quer provocar, só pra irritar irmão mais velho. Nem o olhar debochado de quem gosta de ver o circo pegar fogo. Tinha alguma coisa ali. Alguma coisa que me fazia querer correr e ao mesmo tempo me grudava no chão. — Tá me ouvindo? — Milena cutucou meu braço, me tirando do transe. — Hã? — pisquei, meio sem graça. — Desculpa. Tô meio aérea. — Tá na TPM, né? — ela disse rindo. — Fica assim mesmo. Sorri sem graça. Não era TPM. Era outra coisa. Era ele. Na saída da escola, Milena precisou ir embora com o pai, coisa rara. Ela sempre fazia questão de me levar quando o José Vicente não podia vir, mesmo ela não morando no morro. Mas naquele dia fiquei sozinha no portão, com a mochila pendurada num ombro só, sem muita pressa. Foi quando vi ele chegando. Não Herus. Outro “ele”. — Oi… você é amiga da Milena, né? Me virei devagar e quase perdi o ar. Ele era alto, loiro, olhos azuis claros, sorriso aberto e postura confiante, mas sem ser convencido. Bonito demais. Mas bonito daquele jeito educado, sabe? Não era o tipo perigoso, era o tipo que se vê em propaganda de banco. — Sou sim… — respondi baixo, ajeitando a alça da mochila, sem saber muito o que fazer com as mãos. Ele riu de leve. — Eu sou o Guilherme. Irmão dela. — Ah… prazer. Eu sou a Sophia. — Eu sei — ele disse, e o sorriso dele ficou ainda mais bonito. — Ela fala de você o tempo todo. Fiquei sem saber o que responder. Eu? Ela falava de mim? Desde quando? — Cadê ela? Si cedo hoje e vim buscar ela... — Ele disse olhando ao redor a procurando. — Ela já foi, seu pai a buscou hoje. — Eu disse e ele fez um gesto de frustração. — Bom… vou indo, senão perco o busão — falei meio atropelado, já dando dois passos pra trás. — Espera aí. Eu te acompanho até o ponto. Ele disse com tanta naturalidade que não consegui dizer não. Fomos caminhando devagar. Conversa boba, nada demais. Mas pra mim era um mundo novo, trocamos @ e tudo. Ninguém me tratava daquele jeito. Sempre era “princesa do morro”, “filha do Falcão”, ou só “irmã do Vicente”. Com ele, era só… eu. Chegando no ponto, ele parou. — Prazer te conhecer, Sophia. A gente se vê mais por aí, né? Assenti, sorrindo tímida. Não sabia muito bem o que responder, mas pela primeira vez em muito tempo, não era Herus que tava dominando meus pensamentos. Ou era? Porque quando levantei os olhos e vi, do outro lado da rua… lá estava ele. Herus. Parado em cima da moto, capacete no braço, me observando com a sobrancelha franzida. Fumaça saindo da boca, o olhar duro, expressão que eu não consegui decifrar. Frio percorreu minha espinha. Pela primeira vez, eu não sabia o que tava acontecendo. Nem o que ia acontecer depois. Mas senti, no fundo, que aquilo ali… era só o começo. ME AJUDE: DEIXANDO COMENTÁRIOS BILHETE LUNAR SEGUINDO MEU PERFIL DREAME Se desejar siga no insta: @crisfer_autora
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