O aeroporto de Heathrow estava movimentado naquela manhã cinzenta. Aviões decolavam sob nuvens pesadas, e o vento gelado parecia combinar com o clima silencioso entre os Ashbourn.
Adrian segurava a mochila nova azul-marinho, com detalhes prateados presente de Clara. Ela dizia que parecia “científica”, como ele gostava.
Richard mantinha a mão firme no ombro do filho. Já havia tomado centenas de decisões difíceis em sua vida empresarial, mas nenhuma se comparava a essa.
Clara se ajoelhou diante de Adrian para ajustar a gola da camisa. Seus olhos marejaram, mas ela sorriu.
— Lembre-se do porquê você está indo, meu amor. Não porque queremos distância… mas porque queremos que você voe mais alto do que nós jamais pudemos e agora....agora podemos proporcionar a você.
Adrian assentiu, sem conseguir falar por alguns segundos.
— Eu prometo que vou fazer valer a pena.—murmurou ele.
Richard o puxou para um abraço forte,apertado.
— Mostre a eles quem é Adrian Ashbourn.
Clara o abraçou em seguida, demorando mais do que pretendia. O cheiro do filho, o calor, a altura… tudo estava mudando rápido demais.
Quando o último aviso de embarque soou, Adrian sentiu o coração bater perto da garganta.
Ele respirou fundo.
— Eu vejo vocês logo.
— Vamos contar os dias.—respondeu Clara.
E então ele se virou… e caminhou.
Não olhou para trás. Adrian Ashbourn jamais olharia para trás.
Ao sair do aeroporto de Tucson, Adrian sentiu o mundo mudar.
O ar era quente e seco, completamente diferente da umidade fria de Londres. O céu, tão azul, parecia infinito. Montanhas avermelhadas surgiam ao longe, como gigantes silenciosos.
Um motorista da escola o aguardava com um cartão escrito “BASIS”.
A viagem até o campus foi um choque de cores e sensações: o deserto, os cactos altos, o vento quente, o sol quase branco. Tudo ali era enorme, silencioso, estranho.
Quando chegou, o campus era mais intimidador do que qualquer mansão que ele já visitara.
Moderno. Linhas retas. Vidro, metal, laboratórios que brilhavam ao sol. O dormitório ficava em um prédio de três andares, com uma bandeira americana balançando preguiçosamente.
Uma coordenadora, a Sra. Miller, o recebeu com entusiasmo.
— Adrian Ashbourn? Seja bem-vindo à BASIS Tucson! Estamos muito felizes em ter você conosco.
Adrian sorriu timidamente.
Ela o guiou pelos corredores.
— Aqui é o prédio de Ciências Avançadas. Temos laboratórios de química, física, eletrônica, robótica…
Adrian quase tropeçou de tanto olhar para tudo.
— Posso ver?
Ela riu.
— Vai ter bastante tempo pra isso. Primeiro, vamos ao dormitório.
O quarto dele era simples: duas camas, duas mesas, duas estantes. Um aroma neutro de limpeza. Seu colega não estava.
Adrian largou a mochila, respirou fundo e encostou a mão sobre a superfície lisa da mesa.
Agora é real.
A rotina começou às 6h00 da manhã.
O despertador tocou. O Arizona parecia acordar cedo demais.
No refeitório, tudo era diferente: panquecas, ovos mexidos, suco de laranja fresco. Mas o que mais impressionou Adrian foram os alunos:
Jovens de 12 a 18 anos falando sobre mecânica quântica,
Meninas discutindo competições de robótica,
Garotos resolvendo cálculos de física como se fossem jogos.
Ele se sentou sozinho, observando tudo em silêncio. Não era tímido… só não sabia por onde começar.
A aula de Ciências Avançadas foi seu verdadeiro despertar.
A professora, uma mulher de cabelo preso e olhar atento, olhou para a turma e perguntou:
— Quem aqui já montou um circuito simples?
Várias mãos se levantaram.
— Quem já montou um circuito complexo?
Menos mãos.
— Quem já tentou criar um sistema próprio de controle elétrico?
Nenhuma mão.
Até que…
A de Adrian subiu, hesitante, mas firme.
A sala inteira virou para ele.
A professora sorriu, surpresa.
— Interessante. Conte-nos, então.
Adrian engoliu seco. Mas começou a falar e quando falava sobre engenharia, ele se transformava.
Descreveu o projeto que havia iniciado aos onze anos: um modelo rudimentar de sistema de corrente alternada adaptado para brinquedos.
A turma ficou em silêncio.
A professora concluiu:
— Bem-vindo à BASIS, Sr. Ashbourn. Acredito que você se sentirá em casa aqui.
E naquele instante, o medo que ele carregava desde Londres diminuiu.
Ele pertencia àquele lugar.
Mas quando o sol deixou o deserto cor de ouro e sangue, e o campus ficou silencioso, a realidade o atingiu.
No quarto vazio, com as malas ainda fechadas, ele finalmente sentiu:
— A distância.
A falta dos pais.
De Londres.
De tudo que era familiar.
Por um segundo, pensou em chorar.
Mas Adrian respirou, ergueu o queixo e abriu seu caderno de desenhos elétricos.
— Eu vim aqui para ser o melhor.
E continuou a desenhar mesmo que o coração ainda estivesse apertado.
O salão do hotel em Genebra estava iluminado por lustres de cristal, e o evento anual da MonBourn Motors reunia empresários, investidores e famílias de ambas as partes do império. Era tradição. Todos os anos, Richard e Jean celebravam conquistas, apresentavam projeções e reforçavam a força da parceria.
Este ano, porém, algo estava diferente.
Eleonora, caminhava entre as mesas com a elegância natural herdada de Amelia. Vestido azul-claro, cabelos loiros soltos, olhos curiosos observando cada detalhe. Eventos já eram parte do seu mundo mas havia sempre algo que ela esperava ver neles.
Ou melhor: alguém.
Adrian.
Ele era sempre mais quieto, mais isolado, mas Eleonora se acostumara à presença dele nos cantos dos showrooms, analisando motores, fazendo perguntas improváveis ou simplesmente observando o movimento.
Mas naquela noite… ele não estava.
Ela procurou discretamente primeiro perto dos carros em exposição, depois na área reservada aos filhos dos convidados, depois perto do buffet onde ele costumava ficar com um copo de suco nas mãos enquanto encarava algum manual técnico.
Nada.
Eleonora não perguntou.
Não demonstrou.
Mas algo dentro dela estranhou profundamente.
Ela não admitia mas a ausência dele deixava o evento mais silencioso, mais...chato. Eleonora tinha amigos presentes ali, mas Adrian deixava um vazio, ela sempre..sempre pelo menos o abraçava, e agora nada.
Enquanto Eleonora observava o palco, tentando se distrair, Jean Montreuil se aproximou de Richard e Clara Ashbourn com o sorriso diplomático de sempre.
— Richard, Clara. Estávamos sentindo falta de vocês. Mas também… — ele olhou ao redor — … de Adrian, nosso pequeno prodígio.
Amelia. chegou logo atrás.
— Sim! Onde está nosso menino? Ele sempre corre para ver os lançamentos primeiro.
Richard e Clara trocaram um olhar rápido, orgulhoso e nostálgico ao mesmo tempo.
Clara foi quem respondeu, com um sorriso suave.
— Adrian não está mais na Inglaterra. Ele está estudando nos Estados Unidos agora.
Amelia arqueou as sobrancelhas.
— Estados Unidos? Em que escola?
Richard respirou fundo era uma resposta que o enchia de orgulho, mas também de saudade.
— Na BASIS Tucson, no Arizona. Um internato de ensino intensivo. Ele foi aceito no programa avançado de engenharia. É… extraordinário.
Havia um orgulho legítimo em sua voz. Um orgulho ferido pela distância.
Amelia colocou a mão delicadamente no peito.
— Meu Deus… que conquista! Mas isso significa que ele… mora lá?
— Sim, —respondeu Clara— Ele só volta nas férias. Está longe… mas feliz. É o ambiente perfeito para o talento dele.
Jean sorriu, admirado.
— Admirável. Mas devem sentir falta.
Richard deu uma pequena risada amarga.
— Mais do que imaginamos. A casa ficou grande demais sem ele.
Amelia suspirou.
— Os filhos crescem tão rápido…
Eleonora, a poucos passos de distância escutando sem querer, sentiu um aperto no peito.
Então era por isso.
Adrian estava em outro país. Outro continente.
Internato.
EUA.
Férias.
Ela ficou imóvel por alguns segundos, absorvendo a informação.
Não perguntaria. Não deixaria transparecer. Mas a ausência dele, antes apenas estranha, agora ganhava um peso silencioso.