Capítulo 6. Mundos diferentes

1292 Words
Os meses na BASIS Tucson passaram mais rápido do que Adrian imaginava. O clima quente, o céu sempre azul, o deserto imenso… tudo era diferente, quase estranho. Mas, dentro dos laboratórios, ele se sentia completamente em casa. O campus, antes intimidante, tornou-se seu território. Adrian nunca foi expansivo mas a BASIS era um lugar onde pessoas como ele não eram vistas como "nerds". Lá, curiosidade era uma língua comum. Sua primeira amizade surgiu na aula de Física Avançada. Lincoln Wu, quinze anos Magro, olhos puxados, cabelo sempre despenteado. Falava rápido, tinha raciocínio ainda mais rápido, e vestia camisetas de clubes de robótica que ele mesmo desenhava. — Você é o novo inglês, não é? O que desmontou um circuito de controle quando tinha onze? — perguntou Lincoln no primeiro intervalo. Adrian piscou, um pouco surpreso. — Quem te contou isso? — A professora Keller. Ela só fala de você agora. É irritante. Mas tudo bem, posso aceitar um rival inteligente. — E sorriu. Foi o suficiente. A partir daquele dia, começaram a sentar juntos. Nadia Reyes, quinze anos Mexicana-americana, pequena, sorriso fácil, mas com notas tão impressionantes quanto sua coragem de chamar qualquer um de “querido” sem cerimônia. Ela se aproximou quando viu Adrian corrigindo discretamente um exercício na lousa que o professor havia resolvido errado. — Você é corajoso, disse ela. — Corajoso? — Adrian achou estranho. — Apontar erro de professor? Aqui? No primeiro mês? Nunca vi alguém fazer isso antes. Adrian sem graça. — Eu… não queria, é que… estava errado… Nadia deu risada. — Eu sei. Mas gostei de você. Senta com a gente no almoço. Assim começou o trio inesperado, mas harmonioso. A BASIS não brincava com excelência acadêmica. Em Cálculo Integrado, Adrian resolvia problemas na metade do tempo. Em Robótica, conseguiu programar um protótipo básico antes mesmo da equipe começar. Em Engenharia Elétrica, tornou-se o favorito da professora Keller, que o deixava mexer nos equipamentos mais complexos. Ele não era apenas bom. Ele era o aluno. Os comentários começaram a circular: — Você viu o inglês novo? — Ele entende circuitos como se fosse adulto. — É o Ashbourn, né? O pai dele é bilionário. — Não importa, o garoto é um gênio. A reputação cresceu mais rápido que ele podia acompanhar. Foi em uma competição interna de projetos, típica da BASIS. Os alunos de 12 a 16 anos precisavam criar um protótipo funcional que demonstrasse algum conceito de engenharia. O tempo: 48 horas. Lincoln fez um mini-drone. Nadia criou um sensor de proximidade. Adrian… fez mais. Ele construiu um sistema de iluminação autônomo, capaz de regular intensidade de luz com base na variação de energia térmica do ambiente. Algo que nenhum aluno daquela faixa etária jamais havia tentado. Quando ele apresentou, o laboratório inteiro ficou em silêncio. Era inovador. Complexo. Elegante. A professora Keller olhou para ele como se estivesse diante de um prodígio. — Adrian, isso é nível universitário… como sabe fazer isso? Ele deu de ombros, tímido. — Eu… só pensei em como otimizar o uso de energia no dormitório. À noite fica quente demais… então… Lincoln cutucou o braço dele. — Você acabou de criar algo ecológico e eficiente só porque o dormitório é abafado? Adrian sorriu de canto. — Acho que sim. Ele ganhou o primeiro lugar. E, mais importante ganhou respeito. À noite, no entanto, quando o deserto ficava silencioso e o calor se transformava em vento seco, Adrian ainda sentia o mesmo aperto no peito. A genialidade o fazia brilhar. As amizades o faziam pertencer. Mas a distância… ainda estava lá. Ele não dizia a ninguém, mas às vezes, antes de dormir, olhava para a pequena foto que guardava na gaveta: Uma foto tirada em Genebra, com ambas as famílias juntas. Ele estava de braços cruzados, sério. E ao lado dele… Eleonora sorria para a câmera, radiante como sempre. Ele não entendia por que sempre olhava para aquela foto antes de fechar os olhos. Mas fazia. Sempre. Enquanto Adrian desbravava laboratórios no Arizona, Eleonora vivia em um mundo completamente diferente um universo onde estética, etiqueta e aparências tinham o mesmo peso que notas e comportamento. Filha de Amelia Montreuil, uma mulher que surgia em capas de revistas e eventos internacionais como um ícone de elegância, Eleonora crescera respirando uma perfeição quase coreografada. A escola de Eleonora era uma instituição tradicional de Paris, frequentada por filhos de diplomatas, executivos, artistas e herdeiros de famílias antigas. Um lugar onde status era tão evidente quanto os uniformes impecáveis. Eleonora acordava às 5h da manhã todos os dias. Não porque os pais exigissem, mas porque ela exigia de si mesma. Seu ritual era quase sagrado: Banho perfumado Secador cuidadosamente passado nos longos cabelos loiros Chapinha ou ondas, dependendo do humor Cremes, loções, perfume leve Maquiagem discreta, mas impecável: máscara de cílios, blush suave, gloss rosado Uniforme impecavelmente ajustado E, por fim, escolher um acessório, sempre um pequeno toque de elegância herdado de Amelia. Enquanto outras meninas saíam às pressas de casa, ainda sonolentas, Eleonora chegava como se estivesse entrando em um editorial de revista. Bonita, elegante, radiante. E todos sabiam disso. Mas perfeição tem preço. E o dela começava no primeiro período. A professora de História chamava: — Mademoiselle Montreuil? Pode ler o trecho da página 132? Silêncio. Eleonora estava com a cabeça apoiada na mão, os olhos semicerrados… dormindo. A sala inteira ria baixo; não de deboche, mas de costume. Eleonora dormia em aula todos os dias. Acordava assustada quando a amiga Aurélie cutucava seu braço. — Amiga… acorda. A professora tá te olhando. Eleonora piscava, ajeitava os cabelos e forçava um sorriso elegante. — Desculpe, Madame. Não dormi bem esta noite. A professora suspirava. Sempre suspirava. Não havia nada a fazer. Eleonora era educada, respeitosa, boa aluna quando não estava sonolenta, tirava notas decentes e era filha de uma das famílias mais influentes da Europa. Ninguém ousava fazê-la sentir vergonha. Eleonora não era burra nem de longe. Quando estava acordada, suas respostas eram afiadas, rápidas, cheias de observações sensíveis que impressionavam os professores. Mas ela não colocava a mente em primeiro lugar. Para Eleonora, o mundo era um palco. E cada dia, uma apresentação. O espelho era seu aliado. As revistas de moda, sua distração. Os desfiles de Paris, seu maior desejo, queria ser uma modelo famosa como sua mãe um dia foi. Enquanto Adrian desmontava circuitos, ela colecionava referências de estilo. Enquanto ele programava protótipos, ela experimentava novos penteados. Enquanto ele estudava até o sono bater… Ela acordava antes do sol para manter sua imagem impecável. E à noite, quando finalmente deitava, o corpo exausto desabava antes mesmo que pudesse pensar. Eleonora vivia rodeada de pessoas, mas algo dentro dela andava silenciosamente fora do lugar. Toda vez que ela passava pelos corredores da escola ou pelas vitrines das lojas, havia uma pontada de… ausência. Um espaço vago ao seu lado. Uma sensação de “era pra alguém estar aqui”. E às vezes, quando passava por um carro bonito na rua, imaginava por apenas um segundo o comentário que Adrian faria sobre ele. — Aerodinâmico, talvez. — Motor forte, talvez. — Econômico, provavelmente. Mas ela afastava a ideia rapidamente. Ele estava longe, mas bem, e ela também estava bem. Então por que aquilo a incomodava? Em um fim de tarde, voltando para casa no banco de trás do carro da família, Eleonora encostou a testa no vidro frio. A maquiagem estava perfeita. Os cabelos intactos. O uniforme impecável. Mas os olhos… Os olhos estavam cansados. Ela fechou as pálpebras por um segundo… e pela primeira vez, admitiu para si mesma: — Eu sinto falta dele. Não sabia explicar por quê. Não sabia se deveria. Mas era verdade. Uma verdade quieta, como ela raramente permitia que algo fosse.
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