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Passei
pelo mesmo jardim já familiar, analisando o lugar que tanto significou para mim um dia. As flores pareciam se abrir mais à medida que as tocava, era estranho conseguir sentir a textura e o perfume delas. Se era apenas um sonho, por que eu sentia? Seria a nostalgia de ter passado grande parte da infância naquele lugar?
Óbvio, o verdadeiro campo estava morto, apenas uma terra seca sem nada além de árvores cortadas e nunca mais replantadas. Desmataram a área depois que fui embora, há anos ninguém nem mesmo pisa lá, sem coragem de reviver um terreno perdido. A esperança se foi em mim também, morta como o jardim.
Mas era aconchegante estar novamente ali, mesmo que na realidade eu estivesse dormindo serenamente em minha cama.
Arranquei uma rosa branca, cheirando seu perfume suave. Era como sentir o vento bater nas narinas, meus cabelos loiros voavam em contraste e uma risada ecoou em meus ouvidos, a risada inocente e alegre de uma Mina de sete anos, que sempre voltava do jardim com uma rosa para sua mãe. Eu amava presentea-la com flores, principalmente rosas. Ela amava rosas cor-de-rosa, principalmente quando sabia que seu significado era de admiração e amor. E eu admirava minha mãe mais do que tudo.
— Sabia que rosas brancas significam a pureza? - uma voz soou atrás de mim, como um anjo cantarolando.
Virei lentamente para Bryan Collors, minha única companhia naquele jardim dos sonhos. Ele, o homem de cabelos pretos como a noite e como suas roupas, a pele pálida em contraste com os lábios pequenos e vermelhos. Tinha uma expressão triste ainda, mas naquele dia parecia mais calmo, os olhos não estavam mais inchados.
— Não me aprofundo no significado das flores. São só flores - argumentei, ainda segurando a rosa branca.
Eu sabia apenas o significado da rosa cor-de-rosa por causa da minha mãe. Apenas por serem as favoritas dela.
Bryan soltou uma risada baixa, se aproximando de mim. Não desviei o olhar dele nenhum segundo, observando enquanto o mesmo tomava a rosa de minha mão e tocava suas pétalas.
Se sentir a textura das flores era estranho em um sonho, sentir o toque e o calor de Bryan era ainda mais. As flores eu conhecia o toque, o cheiro, era algo que já senti.
Mas por que também sentia ele?
— Rosas brancas são usadas com frequência em casamentos, para significar a pureza, a inocência e a delicadeza da noiva - o moreno disse enquanto acariciava as pétalas da flor.
— Iria usá-las no seu casamento com Suzane? - perguntei baixinho, temendo machuca-lo com a lembrança.
O rapaz mordeu o labio para esconder a vontade de desabar à menção da noiva morta.
— Minha noiva não gostava de rosas. Preferia lírios - seu sorriso triste voltara, perdido nas memórias.
Abaixei a cabeça, temendo dizer mais algo que o fizesse chorar.
Não sabia como consolar alguém, minha zona de conforto era lidar com a dor sozinha.
— E você, Minah? - o ouvi perguntar e reparei ainda cabisbaixa que a flor branca agora repousava no chão, enquanto as outras estavam em suas raízes — gosta de rosas?
Respirando fundo, levantei a cabeça até encontrar seus olhos amendoados.
— Aprendi a gostar por causa da minha mãe.
Ele assentiu, sem saber mais o que dizer sobre.
— Gostaria de andar um pouco? - apontou para longe, mudando o assunto.
Dei de ombros e deixei que ele comandasse a caminhada, aproveitando a ventania calma.
Os dois caminhavam em silêncio, perdidos em seus mundos solitários.
— Eu gostei da história que você está lendo para mim - Bryan comentou após alguns minutos mais em silêncio.
Esbocei um sorriso pequeno, mas que não era visível a ele graças ao meu cabelo que caia sob meu rosto, escondendo minhas expressões. Eu permanecia cabisbaixa desde o começo da caminhada.
— Acho que o homem-tigre do livro combina comigo: o rapaz solitário e condenado a viver eternamente num tipo de prisão - ouvi o moreno suspirar ao meu lado, aparentemente olhando para o céu — a prisão dele é o corpo de tigre. A minha, é esse sonho, a inconsciencia. Não consigo me libertar sozinho assim como ele - a tristeza em seu tom me dobrava.
Sem pensar, segurei sua mão, tentando trazer conforto.
Ele a apertou, mostrando que recebia.
— Você vai acordar. Só precisamos saber como - refleti, deixando o calor de nossas mãos reconfortarem ambos enquanto caminhavamos na direção do pequeno rio de águas brilhantes.
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— Em que posso ajudá-la, senhorita? - o homem do outro lado do balcão respondeu enquanto eu me aproximava.
O primeiro passo para achar a família de Suzane Dantes era ir até o departamento de registros da cidade para encontrar algo na certidão de nascimento ou em registros telefonicos. Tudo isso era guardado na prefeitura, um lugar que sempre achei muito bem construído. Era dividido por vários departamentos, todos separados por um longo corredor que servia como sala de espera.
— Preciso de registros sobre Suzane Dantes - afirmei, endireitando a postura para afastar a dor nos ombros. Dormi em uma péssima posição.
O homem assentiu e me estendeu um documento de autorização, indo até sua gaveta enquanto eu assinava meu nome.
— Tenho poucos documentos sobre a moça aqui, era apenas uma estrangeira tentando transferir a cidadania - o funcionário voltou e jogou uma pasta fina e transparente no balcão.
— E ela não conseguiu concluir? - perguntei enquanto lhe entregava a autorização que precisava assinar para ter posse do documento.
O mais velho assentiu e suspirei ao concluir o resto. O casamento com Bryan agilizaria seu processo de transferência, mas o acidente pôs um fim a tudo.
Agradeci o homem e guardei os documentos na mochila, saindo às pressas dali.
Mas esqueci que o cadarço do meu tênis havia soltado e acabei caindo na calçada. Por sorte minha mochila não saiu das costas.
— d***a - suspirei ao sentir minha mão arder por um pequeno arranhão.
As vezes eu conseguia ser uma grande desastrada.
— Moça! - ouvi alguém se aproximar e me levantar pelos ombros — está tudo bem? - a voz grossa perguntou.
Assenti fraco antes de me virar e encontrar um rapaz alto e moreno. Um pouco de seu cabelo caia na testa, molhado. Pelas roupas amassadas ele estava claramente atrasado para algum lugar.
— Obrigada, tive apenas um arranhão na mão mas está tudo bem - agradeci com um sorriso para o mesmo, que pareceu aliviado.
O mesmo olhou para baixo, vendo a causa da minha queda.
— Seu cadarço está desamarrado, por isso caiu - e sem pedir permissão ou avisar, o jovem se abaixou e deu um nó no meu tênis.
Sorri com a gentileza.
— Bem, obrigada novamente - observei enquanto o rapaz se endireitava — qual o nome do meu herói? - brinquei.
O mesmo percebeu o tom de humor e achou graça.
— Sou Alexander. E você, moça do cadarço desamarrado? - devolveu no mesmo tom, me fazendo rir abertamente.
— Sou a Minah - estendi a mão para um cumprimento mais formal, no qual ele devolveu.
— Então, Minah, o que fazia tão apressada? - o mesmo começou a caminhar e achei que seria certo acompanha-lo já que íamos pelo mesmo caminho.
— Estou procurando a família de uma garota. É importante para um amigo - respondi brevemente, tentando ser discreta. Era um assunto bem delicado.
Alexander assentiu, entendendo minha discrição. Ele parecia ser uma boa pessoa.
— Eu estou um pouco apressado agora mas pode me passar seu número? - me espantei com aquele pedido e ele percebeu a surpresa em meu olhar — queria te conhecer melhor, sei lá, podemos ser amigos, te achei uma pessoa simpática - o sorriso dele era lindo.
Me recuperando do susto, soltei a respiração e pensei se seria uma boa idéia. Alexander era uma pessoa simpática e divertida aparentemente e havia me ajudado.
Talvez tentar uma nova amizade com ele não seria r**m.
— Está bem - sorri em resposta e peguei seu celular para gravar meu número, dando o meu para que ele repetisse o mesmo.
Talvez as coisas estivessem começando a mudar na minha vida monótona.
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Leon secava a louça enquanto eu lavava e contava sobre meus sonhos recentes com meu paciente. Meu melhor amigo era a única pessoa que sabia sobre essa estranha ligação que eu tinha com o rapaz.
O mesmo gostava de jantar comigo nos dias de folga, era uma companhia que ambos precisávamos. Pegamos esse costume na universidade e permaneciamos até agora.
— Seus sonhos estão cada vez mais estranhos, Minah - comentou e eu não podia discordar. Ainda era tudo surreal demais.
— Eu sei, queria saber porque isso acontece - já estava no último prato da louça.
Leon deu de ombros enquanto guardava os pratos já limpos.
— Talvez vocês tenham alguma coisa em comum - sugeriu enquanto eu lhe entregava o último prato.
Queria rir alto, mas acabou saindo fraco.
— Acho que é porque somos duas pessoas solitárias - arqueei uma sobrancelha enquanto organizava a pia.
Leon balançou a cabeça, apoiando os braços no encosto da cadeira. Minha sala de jantar era pequena, mas não era apertada.
— Você não é solitária, Minah. Tem a mim, a Celeste, sua família adotiva - citou, contando nos dedos para enfatizar.
Sustentei um sorriso fraco, mas tinha certeza que era uma expressão triste.
— Você e Celeste têm sua vida - defendi, secando as mãos e o encarando — e meus pais adotivos só me ligam uma vez na semana inteira, fora a minha irmã querida que me odeia - Leon riu da careta que fiz ao menciona-los.
A família Sanchez me adotou alguns poucos anos depois que cheguei ao orfanato, à procura de uma menina para fazer companhia a sua pequena filha, Charlotte. De início me receberam bem e fomos amigas inseparáveis, até a mesma crescer e se tornar horrivelmente mimada e arrogante. Hoje ela prefere esquecer minha existência até nas reuniões de família. Não que fosse algo que me incômodasse mais, aprendi a me acostumar com o passar do tempo.
— Ela só te humilha porque foi m*l educada - o meu amigo revirou os olhos — ninguém liga se ela está noiva de um lutador famoso de taekwondo - completou, entendiado com as histórias que eu contava sobre minha "querida" irmã adotiva.
Os dois se casariam no fim do próximo mês e os preparativos já estavam sendo feitos. Obviamente só fui convidada para a cerimônia, não para participar dos preparativos e nem para um título maior como o de madrinha da noiva. Esse Charlotte deixou para a melhor amiga igualmente mimada dela.
Segui para o sofá e Leon me acompanhou, aconchegando-se na poltrona à minha frente. Já eu me estiquei no sofá, focando o olhar em sua cor rosa desbotado pelos anos que já o tinha.
— Estou bem assim, de verdade — defendi — eu amo o trabalho no hospital, amo passear com você e Celeste. Até fiz um novo amigo hoje. Não estou totalmente sozinha.
Meu amigo cruzou as pernas e os braços enquanto me ouvia, parecendo um pai sério.
— Conte mais sobre esse novo amigo, quem sabe ele te faça não ser mais sozinha amorosamente - sugeriu, me fazendo rir alto. Minha cabeça até tombou para trás e bati um pouco no braço do sofá, mas não me incomodei.
— Não estou à procura de um namorado, Minho - rebati, vendo o mesmo revirar os olhos — o Alexander é legal, e bonito, mas já disse que estou bem assim.
O enfermeiro fez um barulho com a garganta, parecido com um suspiro de desdém.
— Você nunca se deu oportunidade de tentar viver um amor, Minah - pelo tom de pena, ele estava preocupado.
— E você se dá, solteirão do ano? - brinquei, me endireitando para sentar melhor, com as pernas bem fechadas.
O mesmo virou a cabeça para o lado.
— Não tenho namorada mas pelo menos eu saio para festas e beijo algumas garotas - levantou a sobrancelha na minha direção.
Ok, Leon, já entendi que sou completamente anti-social.
— Como eu disse, estou bem. Nem todos pensam em casar e ter filhos - argumentei, apesar de ser irônico uma enfermeira que cuida todo dia de bebês recém nascidos falar disso. Eu convivia todos os dias com pessoas que pensaram em casar e ter filhos, com algumas exceções de mulheres que tiveram por acidente, muitas delas adolescentes com pouca experiência de vida.
Leon apenas deu um sorriso fraco em resposta, a expressão sempre bem humorada ficando murcha.
O que estivesse pensando naquele momento, não era esperançoso. Estava com o olhar distante e triste, os lábios tremidos, as bochechas coradas. Parecia alguém que acabara de ter o coração despedaçado. Me recordou o olhar de Bryan nos sonhos.
Eu não sabia como confortar um coração partido, nunca tive experiência com amor. Meus beijos foram sempre vazios, meus encontros eram sempre casuais, a única vez que passei a noite com alguém foi apenas carência.
Eu não conseguia sentir nada, por mais que tivesse tentado algumas vezes. Minhas atrações sempre duraram poucos dias, mesmo que eu soubesse não ser uma pessoa arromantica. Eu apenas sentia que estava muito longe ainda de encontrar a pessoa certa, ou nunca encontraria.
Mas meu melhor amigo estava ali, tentando disfarçar a dor de seu coração partido, e eu não podia ajudá-lo. Quase me xinguei por ter tocado no assunto delicado que era amar e construir uma família. Foi isso que o deixara m*l.
E para compensar, só pude ir até ele e me sentar em seu colo, o abraçando.
Éramos como irmãos e estaríamos um do lado do outro, nos apoiando, para sempre.
Ele era a única família verdadeira que eu tinha. Ele e Celeste.