dois

1398 Words
Zara Antes de decidir seguir em direção ao Brasil, parei em frente ao espelho do banheiro de meu apartamento e por vários minutos olhando meu reflexo tentei sentir alguma coisa com a situação a minha volta, ou pelo menos deixar lágrimas silenciosas descerem por minha face, porém, nada aconteceu, a dor não veio, as lágrimas não desceram... E por um segundo, senti a culpa me envolver... O quão apática eu havia me tornado, se a morte do meu pai não me comovia o que poderia ser capaz de comover? Absolutamente nada! Me recriminei, me senti uma perfeita filha da p*ta, que mamãe me perdoasse onde quer que ela estivesse... Lavei o rosto, então, ainda ali em frente ao espelho, ri... Gritei em pleno pulmões, me repreendi… Não era justo comigo, não era nada justo… Ele quis assim, ele me afastou! Se eu não me sentia próxima o suficiente para sentir por sua perda, não havia culpado maior do que ele... Pois eu esperei por um longo tempo pelo seu pedido de perdão, por sua vontade de resgatar o tempo perdido… Na infância eu só esperava por sua presença, que ele aparecesse de surpresa, e dissesse que tudo ficaria bem, que ele me levaria para casa. Na adolescência, com um pouco do gosto amargo do ressentimento, ainda esperei por ele, mas havia algo a mais, eu esperava explicações, um pedido de desculpas… Dessa forma, o tempo passou, e nada desses momentos criados por minha mente aconteceu. Ainda assim, frustrada, decepcionada… eu o esperei. Quando me formei no internato que ele me trancafiou por mais de dez anos, eu o esperei… ansiava que ele viesse ao meu encontro, que dissesse que entendia minha dor, rebeldia... Mas tudo que ele fez, foi ligar, dizer que não poderia vir ao meu encontro, e anunciar que havia criado uma conta para mim nos Estados Unidos, que me matriculou em uma das melhores faculdades, e esperava que não o decepcionasse... Ou seja, ele outra vez me despachou. Eu ri, e no fim chorei por várias horas... E quando a raiva tomou conta de minha desolação, sai, extravasei, e me envolvi na primeira polêmica americana, não demorou muito, ligaram-me ao magnata do entretenimento brasileiro, é claro que meu pai veio me dar um sermão, bem, ele na verdade mandou seu assistente fazer o trabalho sujo que baseava-se em ameaças, ou eu me tornava uma aluna nota máxima, ou ele me deserdaria... Por um segundo, cogitei tirar as piores notas possíveis ou melhor, simplesmente não aparecer no curso que eu nem mesma escolhi, mas em meu âmago, eu sabia que no fundo, era isso que ele esperava de mim, que eu fracassasse, que ele prontamente viesse concertar meu erros, assim, superei me, não só isso, assim que concluí minha graduação administrativa, fiz uma pós em inteligência empresarial, é claro que ele surpreendeu se, apesar de ainda não estar feliz com meu estilo de vida nada oculto, no entanto, não tardou para que me pedisse pela primeira vez em anos para voltar ao Brasil, eu tive o prazer de negar, um dia ele não me quis, mas atualmente era eu… aquilo foi um bálsamo momentâneo. Parte boba, sonhadora minha, ainda queria acreditar que ele eventualmente me acolheria, mas ela havia se tornado vestígios quase invisíveis em mim, e eu não daria a satisfação para ele, ver-me voltar com o r**o entre as pernas como se nada grandioso tivesse acontecido, submeter me às suas vontades.. Não mesmo! Mas agora aqui estava eu, de volta ao Brasil… E eu afirmava a cada segundo que não se tratava dele, mas sim de mim… Tudo que um dia foi exclusivamente dele, agora era meu por direito, e eu estava aqui para os reivindicar como uma boa herdeira. *** Diante ao caixão de meu genitor, não conheci muitos rostos, na verdade apenas conheci meus avós, pais de minha mãe, que eu tinha certeza que estava ali mais para aparecerem na mídia do que por meu pai em si, não poderia me importar menos… não sabia ao certo como eram suas relações, mas sabia que tanto eles quanto meu pai tinha o mesmo apreço por mim… Como bons avós, me abraçaram, disseram que estava ali por mim… os deixei me abraçar, não querendo criar cena, mas não devolvi a simpatia, não pronunciei uma sequer palavra, até que o advogado de meu pai se aproximasse… Ele era tão alto quanto meu pai, bem… pelo que eu me lembrava. O tom de sua pele era um n***o menos retinto, ele tinha cabelos bem baixinhos, e uma barba por fazer, estudei milimetricamente, desde sua expressão a mão esticada para mim em cumprimento. — Sinto muito pelo seu pai. — Disse assim que nossas mãos se uniram, eu assenti. — Obrigada… — Forcei um sorriso, então meu olhar vagou a nossa volta, pegando alguns olhares curiosos em minha direção, me fazendo ter certeza de que embora eu nunca tivesse ouvido falar da maior parte deles, eles não só sabiam de mim, como me acompanhava pelas colunas, pois os olhares de me olhavam com certo julgamento, eu sentia, eu sabia — Quando será o sepultamento? — Afastei minha mão de Alfredo, ele franziu o cenho, desviei outra vez o meu olhar, só que agora pairei o meu olhar sobre o corpo grande de meu genitor, sem vida em todos os aspectos… Óbvio, Zara, óbvio… ele está morto! Minha consciência exclamou, suspirei. — Em breve… — Respondeu — Por que não se aproxima um pouco mais… — Sugeriu, arqueei a sobrancelha, fitando-o, estudando sua sugestão. Ele parecia querer que eu demonstrasse o mínimo de afeto possível, mas eu me sentia incapaz disso, ainda assim, mesmo que não fosse tocá-lo, dei uma passo em direção a caixa amadeirada — Essas pessoas eram próximas ao seu pai, tudo bem caso… queira demonstrar sua perda… — Hum, certo? — Arqueei a sobrancelha, Alfredo forçou um sorriso, então afastou-se brevemente de mim. — Zara, você está enorme — A voz rouca, masculina, desconhecida ecoou, e meu ombro foi tocado com i********e, franzi o cenho, virei-me para a pessoa, assim, dei de cara com um homem poucos centímetros mais alto que eu, com um tom de pele pigmentado como eu, franzi o cenho, tentando me recordar dele, pois visivelmente ele me conhece desde criança… mas embora seu rosto não me parecesse desconhecido, eu ainda não conseguia me lembrar dele. — Hum, quem seria você? — Questionei com a sobrancelha arqueada, desvencilhando-me subitamente de seu toque. Os lábios carnudos do homem desconhecido curvaram-se em um sorriso, me parecendo absurdamente falso. — Me sinto um pouco ofendido, você costumava me chamar de tio… — Arriscou ser engraçado, mas falhou, nenhum músculo de minha face moveu, continuei a olhar com seriedade, algo em mim não gostava muito de seu comportamento, e ele não parecia abalado com o fato de meu pai estar deitado no caixão a nossa frente… eu sabia que era hipocrisia de minha parte exigir que ele tivesse algum sentimento relacionado a perda do meu pai quando nem eu mesma tinha, bem, não uma convencional… mas me senti assim, e me coloquei em alerta — Sou Gilberto, amigo, sócio de longa data de seu querido pai…— Sua mão pousou sobre a do meu pai, e seu olhar por um segundo manteve-se no corpo sem vida, antes de voltar-se para mim — Você costumava a brincar com Anthony… — Continuou a explicar-se, o que me confundiu um pouco mais. — E quem seria Anthony? — Arqueei a sobrancelha, Gilberto forçou um riso. — Meu filho… — Respondeu, eu apenas assenti, esperando que ele apenas parasse de falar. Através de um breve sorriso, sem dar a******a para estender o assunto, virei-me outra vez para o caixão — Quero que saiba que a minha família é sua família, Zara… Seu pai era querido para nós, e não será diferente com aquela que ele amava tanto. — Ele voltou a tocar meu ombro, um nó formou em minha garganta, e senti absurdamente tentada a ser um pouco menos sutil e me afastar dele, mas voltei a sorrir, olhá-lo pelo canto do olho. — Obrigada, Gilberto, mas creio que sou grandinha o suficiente para me virar, se me der licença, preciso respirar um pouco. — Tirei a sua mão de meu ombro, então sem mais, me coloquei para fora do cúbiculo mórbido que parecia sugar todas as minhas energias.
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