4-Notícias

1457 Words
Lunara Tokatli O silêncio é quase uma entidade dentro dessa casa. Há momentos em que ele parece me observar, testando a minha paciência, como se quisesse saber até onde posso suportar o som da própria respiração. Hoje, ele me acompanha de forma curiosamente calma. Talvez porque Osman tenha chegado. A presença dele me faz acreditar que, enfim, terei um apoio mais firme. Osman sempre foi um homem de confiança. Um conselheiro fiel do meu pai. Lembro-me de vê-los juntos em tantas ocasiões, partilhando conversas que, na época, eu era jovem demais para entender. Meu pai confiava nele como em poucos. E, dentro deste mundo onde confiança é mais valiosa que o ouro, isso significava muito. Ele esteve em guerras, presenciou traições e sobreviveu a tudo. Um homem que aprendeu a ficar em silêncio quando era o silêncio que garantia a vida. E ainda assim, não perdeu o brilho nos olhos. Quando a sua irmã morreu, Osman partiu. Cuidar da própria família, disseram. Sua irmã havia se mudado e deixado Harika, a filha, sob sua responsabilidade. Depois disso, o tempo engoliu a sua presença como engole tantas outras coisas nesta casa. Agora, ele volta e espero, sinceramente, que seja por definitivo. A minha xícara repousa entre os meus dedos. O vapor do chá sobe, perfumando o ar com notas suaves de cravo e mel. É uma das poucas coisas que ainda me fazem sentir... humana. À minha frente, a grande mesa de jantar se estende, reluzindo sob a luz do entardecer. Nenhum som, além do estalar de madeira antiga e o ruído leve do vento entrando pelas janelas entreabertas. Biscoitos. Chá. Solidão. A vida se resume a isso nos últimos dias. A cada gole, penso no quanto me tornei dependente desses pequenos rituais. Eles me mantêm sã. Me lembram de que, apesar de carregar o nome Tokatli, eu ainda sou feita de carne, medo e cansaço. Então, ouço passos apressados. O silêncio se desfaz num estalo seco. — Senhora Tokatli. — A voz é firme, mas respeitosa. Um dos informantes de meu pai. Agora, meus. — Falem. — Respondo, sem levantar o olhar. Eles trocam olhares rápidos entre si. Estão nervosos. Isso nunca é um bom sinal. — Temos notícias para o senhor Tokatli. Ergo o olhar, deixando a xícara sobre o pires. — Ele não pode ser incomodado. — Digo fria. — Eu respondo por ele agora. Os três se entreolham, e um deles dá um passo à frente, inclina ligeiramente a cabeça. — O golpe no Sul foi um sucesso. Faruk Arslan do Leste tomou o poder. Ele uniu as forças do Leste e do Sul... Todos os membros do antigo conselho dos Selik foram mortos, minha senhora. Meu corpo congela. — A mansão Selik foi tomada. O exército, aniquilado. O Leste governa o Sul agora. O nome Arslan está no poder. A xícara escorrega um pouco entre os meus dedos, mas eu a seguro antes que caia. Por dentro, algo em mim se contrai. O boato do golpe já corria por semanas, mas eu não imaginei que seria tão rápido. Que o sangue se espalharia com tamanha eficiência. Tivemos boatos de que compraram muitos armamentos, estavam muito cautelosos e eu sabia que Kayra Selik estava lá. Foram dias de apenas boatos. Mas, aconteceu. Faruk Arslan. O nome ecoa como um trovão dentro da minha cabeça. Ele realmente fez o que prometeu. E eu não sei se isso me assusta ou me impressiona. Penso em Kayra Selik. A mulher cuja fama atravessa fronteiras. Guerreira. Impiedosa. Uma lenda viva, dizem. Há quem jure que ela mata melhor do que muitos homens do conselho. No geral! Eu a admiro. E invejo. Ela nasceu livre para agir, lutar e decidir. Eu nasci para observar. Um dos homens me tira do devaneio. — A senhora acredita que atacarão o Norte? Solto uma risada breve, seca. — Não! Eles parecem surpresos com a rapidez da resposta. — E por que tanta certeza, senhora? — Porque Faruk acaba de conquistar uma nova região. — Digo, erguendo o olhar para eles. — Ele precisa consolidar o poder. Manter um império recém-tomado exige tempo, ouro e sangue. Se ele decidir atacar o Norte agora, perderá tudo o que conquistou. E, convenhamos... ele não é burro. Fora que ele ainda tem o povo para convencer. É assim que penso! Um silêncio desconfortável se instala. Eles assentem, e um deles murmura algo como “faz sentido”. — Faruk tem um império para reerguer. O Norte é apenas um rumor distante para ele agora. Eles se curvam, agradecem e se retiram. Volto a segurar a minha xícara. O chá já esfriou. Ainda assim, tomo um último gole. O gosto é amargo. Talvez porque tudo ao meu redor também seja. Respiro fundo e, por um momento, fecho os olhos. Tento me lembrar do som da risada da minha irmã. Do toque dela em meus cabelos. Da paz que ela trazia a este lugar. Mas até as memórias parecem ter medo de existir aqui. Quando abro os olhos novamente, uma das criadas se aproxima com passos cuidadosos. — Senhorita Lunara... seu pai deseja vê-la. O meu coração afunda um pouco. Deixo o pires sobre a mesa e me levanto. — Já vou. E me levanto e suspiro fundo. O corredor que leva até o quarto de meu pai é longo. As paredes cobertas por retratos antigos parecem me observar. Homens de expressão severa, todos Tokatli. Todos carregando a mesma sombra de poder e loucura. Respiro fundo antes de bater à porta. — Entre. — A voz dele é rouca, cansada. Abro a porta lentamente. O cheiro de remédios e incenso domina o ar. Meu pai está sentado à beira da cama, envolto em cobertores pesados. O olhar, mesmo doente, ainda carrega o peso de um rei sem trono. Curvo-me diante dele. — Pai. Ele me observa por longos segundos, como se tentasse decifrar algo em mim. — Soube que Osman voltou. — Sim. — Digo, erguendo o olhar. — Fiquei surpresa com a chegada dele. Disse que veio para ficar. — Ele pode ser útil. — Responde com um tom baixo, entre uma tosse e outra. — Foi leal ao Norte quando muitos fugiram. Assinto. — Eu acredito nisso também. Ele então inclina a cabeça, os olhos endurecendo. — Mas, Lunara... nunca se esqueça de algo. Espero. — Desconfie de todos. — Diz ele com a voz cortante. — Até dos que mostram simpatia. Lealdade é uma moeda falsa neste mundo. E quando te oferecerem conselhos, ouça... mas veja sempre com os teus próprios olhos. Engulo seco. Meu pai nunca foi homem de consolo. Suas palavras sempre vieram afogadas em desconfiança e poder. — Sim, pai. — Respondo. — Eu farei isso. Ele pigarreia, respira com dificuldade, e então muda tudo. — Soube do golpe no Sul. O tom dele muda. O ar parece ficar mais pesado. — Ouvi, sim. — Respondo com cautela. — Faruk Arslan tomou o poder. Já aniquilou os obstáculos e está à frente de todos. Duas regiões! Ele rosna, cerrando os punhos trêmulos. — Se eu não estivesse preso a este corpo doente, eu mesmo tomaria o Leste! — Cospe as palavras, como se ainda fosse o homem que um dia liderou exércitos. — Maldita a hora em que Kayra Selik escapou de mim! Ela me teria dado um filho homem, e o Norte não estaria enfraquecido! Fico imóvel. Ouvir o nome dela provoca nele uma fúria antiga. Uma ferida que nunca cicatrizou. Ele foi enganado e por pouco não houve guerra com o Sul. Kayra foi oferecida em casamento à ele, mas ela fugiu. E depois, foi vista no Leste. Se casando com o maior inimigo do Sul. Uma loucura e agora sabemos o motivo! Ele começa a tossir violentamente. As mãos tremem. A raiva e a doença se misturam até se tornarem uma só coisa. Tento mudar o assunto, mas ele insiste, gritando contra os fantasmas do passado. — Foi ela quem destruiu os meus planos! — Vocifera. — Uma mulher que ousou me desafiar! Permaneço em silêncio. Ele não precisa de uma resposta, precisa de um inimigo. Quando, enfim, ele se cala, o quarto parece respirar novamente. — Quer que eu chame Osman? — Pergunto. Ele me encara, cansado, mas ainda autoritário. — Mande-o vir me ver. Agora. Assinto. Curvo-me, em respeito, e deixo o quarto. Assim que a porta se fecha atrás de mim, solto um suspiro longo. Jamais vou entender o jeito do meu pai. Talvez o poder o tenha consumido há tanto tempo que ele esqueceu o que é ser apenas... humano. Enquanto caminho de volta pelo corredor, percebo o quanto o chá ainda amarga na minha boca. Talvez porque nada no Norte seja realmente doce.
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