Capítulo 2

2926 Words
Eva Acordei na sala da biblioteca um pouco antes do horário de almoço, com o corpo coberto por meu sobretudo estava encolhida no móvel sem o calor do corpo de Dante sobre o meu. Ele provavelmente tinha coisas para fazer, mas confesso que esperei tê-lo ao meu lado quando abrisse os olhos vã expectativa sabendo a correria que é sua vida.  Ao me trocar segui para nosso quarto, tomei um banho, vesti uma calça confortável, uma cashmere cinza e uma botinha cano curto já que o clima começava a mudar para um vento mais fresco.  Ao sair do quarto e passar pelos corredores vejo Jack sentado no jardim com os cotovelos apoiados no joelho e as mãos sobre o rosto em uma postura de desgosto e derrota.  O homem que conheci no subsolo desta casa não é nada comparado ao que vejo prostrado sem esperanças do lado de fora. Jack é um verdadeiro caçador, assim como os irmãos e sei que pode ser tão sanguinário e c***l quanto os outros apesar da sua personalidade ser mais leve que os demais, porém agora, nesse momento eu via o caçador se tornando a presa acuada e assustada e não permitiria que Donatel atingisse seu objetivo de quebrar Jack daquela maneira, afinal, mesmo que a situação não seja favorável para ambos os lados ainda poderia existir amor se eles realmente tentassem ele só não conseguia enxergar isso.  Jack está tão alheio às coisas que acontecem à sua volta que nem mesmo percebe a minha chegada ou simplesmente ignora o que acho bem mais provável.   — Posso sentar ao seu lado ou você vai me atirar pedras? — Ele não ergue o olhar, apenas abre espaço para que eu sente ao seu lado.  Mesmo recebendo seu silêncio de forma negativa, sento e sinto o forte cheiro de cigarro misturado com álcool e suor. Meu estômago se embrulha, mas mantenho o silêncio esperando que ele fale algo.  Jack permanece de cabeça baixa olhando para as mãos, ele está mais magro e visivelmente cansado, não parece em nada aquele homem cheio de vida que conheci no dia em que cheguei aqui, seus olhos cheios de esperanças e felicidade morreram dando lugar apenas a escuridão e ao ódio.  — Jack você precisa comer. — Passo as mãos pelos seus cabelos e segura minha mão não permitindo que lhe toque.  — Não estou com fome — limita-se a dizer.  — Você está fedendo álcool e cigarro, quanto dias faz que você não se cuida? — questiono acariciando seus cabelos, mas ele permanece em silêncio. — Apenas passei a noite fora e recebi uma mensagem que deveria estar presente em reunião às sete sem atraso.   — E porque continua negligenciando seu atual estado sendo que a reunião acabou faz um bom tempo? — Questiono e ele passa as mãos no cabelo.  — Simplesmente porque estou tentando organizar a porcaria dos meus pensamentos e nada que eu faça me convence que daqui a alguns meses terei que casar com uma garota que m*l conheço e que provavelmente não faz nem um pouco o meu tipo, além disso tem muita coisa em jogo Eva, para concluir esse casamento preciso deixar muita coisa para trás.  — Liberdade é isso que está deixando para trás Jack? Não está se esquecendo que ela também vai perder a dela? — Não, não estou, afinal ela é uma mulher, nunca teve liberdade, nunca conheceu a vida como deveria conhecer, foi treinada para ser o exemplo e o modelo de esposa perfeita, sem voz, sem atitudes, sem questionamentos e isso me irrita.  Aquilo me pega de surpresa, afinal ele tinha razão, mulheres nascidas dentro da máfia não tinham voz.  — Então talvez esse casamento seja um escape para ela e não martirio. — Afirmo pensativa e ele ri com escárnio.  — Sua visão simplista dos fatos chega a ser engraçada. Isso é sobre poder e honra. Unir uma família com outra traz respeito aos que tentam invadir nosso território, mas não acredito que essa seja a verdadeira vontade de Edgar e outra tem muito mais em jogo do que vocês podem imaginar.   — Então me deixa ajudar Jack.   — O que você pode fazer? Nada! Você não precisa se preocupar comigo, esse não é o seu dever. — Volta sua atenção para mim expressando todo o seu ressentimento e aquilo me magoa mais do que eu esperava  — Sabe Jack, posso não conhecer nada da sua vida, pois infelizmente não tive a oportunidade de te conhecer antes, mas amaria ter te conhecido desde pequeno. Imagino você uma criança extrovertida e cheia de vida, como o homem que conheci no porão desta casa, mas hoje você é apenas uma sombra daquele jovem brincalhão e risonho, afastando todos que te amam por egoísmo. Você acusa Dante de ser o culpado, mas sabe que o único responsável é Donatel. Eu fui vendida por meus pais ainda no ventre da minha mãe, me casaram antes mesmo de eu nascer, e graças a Deus, Dante me amou. Não tivemos escolha, mas quando seu pai vendeu um dos filhos para Edgar, você já era um adulto. Coloque-se no lugar desta moça, ela não tem chance nenhuma, você mesmo disse que ela não tem voz, palavras ou escolhas pelo simples fato de ter nascido mulher e eu garanto que ela não está se embriagando ou atirando pedras em todos a sua volta, está apenas esperando para cumprir o destino que escolheram para ela. — Vejo seu corpo se enrijecer com minhas palavras.  Jack voltou o olhar para suas mãos e não esboça nenhuma reação as minhas palavras, permanecendo em silêncio e decido que o melhor a fazer é deixá-lo sozinho.  — Sei que você é forte e consegue ser melhor do que esse homem vazio que está se tornando. Já imaginou se eu tivesse matado Dante e depois descoberto que ele foi tão vítima quanto eu? O culpado de todo o nosso passado foi meu pai que tentou quebrar um acordo que ele mesmo fez. Não tive chance nem no ventre, mas você pelo menos é um adulto e tem consciência das suas ações. Você tem duas escolhas, tornar esse casamento uma desgraça ou aproveitar a oportunidade de conhecer essa moça e amá-la.  — Se você soubesse o que terei que deixar para fazer a porcaria desse casamento dar certo não estaria dizendo essas coisas, tem muitas mais em jogo do que possa imaginar, as coisas não são tão simples assim, pois se fossem eu pouco me importava com liberdade ou qualquer coisa relacionada a isso. — diz com pesar.  — Realmente não sei de muitas coisas, pois te conheço a pouco tempo, mas quando você estiver disposto a se abrir, estarei disponível para ouvi-lo. — Sorrio vendo surpresa em seu olhar e saio deixando-o sozinho para refletir sobre minhas palavras e caminho sem rumo pelo quintal com a sensação de dever não cumprido.  Sei que não tinha a obrigação de enfiar na cabeça de Jack o quanto Dante se importava com ele, mas me chateava demais ver os dois nesse impasse de cachorro grande mostrando os dentes um para o outro.  Sabendo que ficar no quarto trancada esperando o horário passar só me deixaria mais impaciente resolvo correr um pouco na esteira mesmo não estando com roupas adequadas para isso.   Alguns soldados estão treinando, mas preciso descarregar a energia acumulada ou iria enlouquecer com a força dos meus pensamentos. Focada no meu objetivo, caminho até a esteira livre iniciando uma caminhada leve até finalmente estar correndo.  Confesso que aceitar a rejeição de Royal não doeu tanto quanto a de Jack, pois ele foi mais aberto e receptivo na minha chegada a essa casa. A sua apatia está me deixando preocupada, mas respeitarei o seu silêncio, pois todos nós temos demônios difíceis de exorcizar.   Aumento o ritmo da esteira querendo que a corrida leve meu estresse embora. O cansaço começa a queimar meus músculos, mas não estava cansada o suficiente para parar. Tento focar meus pensamentos em outros assuntos, mas não surte efeito e o ódio que sinto de Donatel por ter machucado tanto os próprios filhos chega a sufocar.  Fixo meu olhar em um ponto qualquer da academia, onde todo o resto a minha volta passa como um borrão e quando menos espero ouço alguém me chamar, penso seriamente em ignorar, mas diminuo o ritmo da esteira até finalmente pará-la ao observar Royal ao meu lado.  — Estou te chamando a um bom tempo — Royal diz com as sobrancelhas arqueadas.  Faço uma careta e a fadiga muscular começa a pesar minhas pernas, correr assim após meses sem treino adequado não era a melhor opção, mas realmente precisava livrar minha mente dos pensamentos sobre Jack de alguma maneira, ofegante me apoio na esteira procurando acalmar minha respiração e batimentos cardíacos.  — Está tentando se matar ou acabar com seu corpo por fadiga e cansaço? — Questiona entregando uma pequena toalha branca felpuda que fica disposta próximo a entrada para uso pessoal e depois pode ser descartada no cesto de roupas sujas do lado de fora para que os funcionários as recolham, mas cheguei tão absorta em meus pensamentos que nem mesmo me lembrei de pegar uma, enxugo meu rosto observando Royal com curiosidade, ele não era muito de conversar comigo ou melhor dizendo com ninguém.   — O que aconteceu Royal? — Volto minha atenção para ele que me entrega uma garrafa de água lacrada que tinha em mãos, agradeço e acabo tomando uma boa quantidade para recuperar um pouco mais o fôlego perdido na corrida.  — Eu que pergunto o que aconteceu para levar o seu corpo ao limite? — Sua expressão fechada e carrancuda nem me surpreende mais.  — Estava apenas organizando os pensamentos. — Balanço os ombros. — Sabe como é... correr faz bem.  — Você o ama Eva? — Royal se encosta em um dos aparelhos a minha frente, me observando. — Digo, depois de tudo você realmente consegue amá-lo? — questiona pensativo.  — Sim. — Tomo mais um pouco de água. Gosto do fato de Royal ser direto. — Eu amo seu irmão Royal e gosto que seja assim tão direto.  — Isso é tão estranho. — Ergue o olhar com uma expressão confusa. — Ao mesmo tempo que consigo compreender, já não consigo mais.  — O que não entende?  — Dante matou os seus pais, sei que a culpa não foi dele, não diretamente, mas isso não tira o sangue que ele carrega nas mãos — balbucia incerto. — É tão complicado o amor, não é?  Mas eu consigo entender e compreender vocês, mesmo não sabendo como é ter um sentimento tão forte como esse, afinal, sempre fomos peões nas mãos de Donatel que nos usou em seus jogos sujos, mas acho que ele se esqueceu que os peões poderiam  se voltar contra ele.  — Sei que um dia você vai compreender o amor que Dante e eu sentimos, mas também sei que para isso você vai precisar se permitir e você não é uma pessoa aberta. — O observo e ele permanece pensativo e silencioso.  — Quando baixamos nossa guarda coisas ruins acontecem, sentimentos é para os fracos e demonstrar fraqueza significa destruição.  — Compreendo o seu ponto de vista, mas um dia você vai ver que a vulnerabilidade passa a ser irrelevante, apenas porque estar com aquela pessoa vale todos os riscos. — Ele me olha pensativo. — Reflita no que eu disse e dê uma chance à vida.   — Isso não importa no momento, não pretendo me apaixonar e casar com alguém, mas sei que Dante merece ser feliz. — Balança os ombros e logo em seguida joga seu moletom seco em minha direção. — Vista, está frio lá fora.  Retiro minha blusa de frio que estava molhada de suor e coloco a blusa de Royal.  — Obrigada. — Acabo sorrindo. — Nós até que estamos nos entendendo, não é?  Ele arqueia a sobrancelha me encarando silencioso.  — Mudando de assunto, você conversou com Jack esses dias? Estou realmente preocupada com ele, tentei uma aproximação mais cedo, porém ele não permite.  — Infelizmente nascemos na máfia, não temos saídas, uma hora ele vai acabar aceitando.  — Isso é tão injusto, as decisões que tomam sem nosso consentimento — digo entristecida. — Em que momento a vida que temos foi justa? — questiona sério.  Reflito em suas palavras amargas e imagino o que lhe tira a felicidade, mas não adiantaria pressionar Royal agora, ele não se abre, muito menos permitirá que eu me esgueira entre suas barreiras para tentar compreendê-lo o que o torna tão frio. — Conheço os três há poucos meses, mas vocês são como irmãos para mim.  — Vamos Eva, já conversamos demais por hoje... — Ele caminha até a saída a passos curtos para me esperar. — Nossa você é tão carinhoso que me emociona — ironizo e ele para na porta me esperando com as sobrancelhas franzidas. Aproveito para me aproximar e massagear o meio de suas sobrancelhas com o dedo indicador. — O que está fazendo? — Ele se afasta, mas continuo a massagear o meio de sua sobrancelha o observando.  — Você fica mais charmoso quando está sem essa expressão séria. — Sorrio e ele retira minha mão de sua testa. — Você tem sorte por eu gostar de você, mas às vezes você abusa — rosna irritado e acabo rindo do seu comentário. — Que bom saber que você gosta de mim. — Dou de ombros andando pelo gramado e logo ele caminha ao meu lado em direção a cozinha. — Você tem algum compromisso daqui a duas semanas? — Bom, seu irmão não gosta que eu saia muito de casa sem os abutres dele no meu pé, compreendo a situação em questão a Donzel, mas realmente é irritante saber que serei seguida a cada esquina, sabendo que posso lutar tão bem ou melhor que ele. — Vejo um leve divertimento tomar o semblante de Royal, mas ele logo dispersa o sentimento voltando com sua expressão séria e de poucos amigos.  — No lugar dele faria o mesmo ou pior — Diz com uma naturalidade que não consigo esconder o choque daquela informação. —  Está falando sério? — Acabo rindo com ironia.  — Não leve para o lado pessoal, tudo que nos foi dado foi tirado e parte do que conquistamos também foi tomado. A única coisa intacta em nosso meio é a honra e a palavra, o dever cumprido, de resto tudo é muito frágil, até mesmo a vida. Dante já saboreou o desespero de te perder, te ver escorrendo por entre seus dedos sem que nada ele pudesse fazer, de ser insuficiente e incapaz. Ele não vai cometer o mesmo erro duas vezes e acredite isso não é por m*l, ele apenas compreende que nesse mundo o que você tem hoje pode ser tomado em um piscar de olhos e ele jamais cometeria o mesmo erro do passado. Conheço o meu irmão, conheço o homem que está assumindo o poder de Donatel e não se engane em achar que Dante é um homem bom, seria muita pretensão da sua parte acreditar nisso, pois apesar de centrado e não tomar decisões por impulsos, ele é instável e volúvel, chega do zero ao cem em questão de segundos, mas por incrível que pareça você estabiliza essas explosões e é notável o bem que faz para ele.  Comprimo os lábios sabendo que Royal tinha total razão, nenhum deles eram homens bons.  — Nunca me enganei com esses pensamentos, ainda mais sabendo de como Donatel manipulou cada um, mas acredito que no fundo do seu coração ainda existe esperança, uma pequena chama que acredita que tudo pode ser diferente, de que você e seus irmãos ainda podem ser felizes. — Confesso e surpresa atinge a máscara impenetrável que ele luta tanto para manter.  Royal fica pensativo, silencioso e parecia refletir em cada uma das minhas palavras com cuidado, mas obviamente ele não admitiria se eu estivesse certa ou não.  — Sobre o final de semana, você não me respondeu — Muda de assunto e prefiro não pressioná-lo, afinal, hoje ele estava muito receptivo diferente de Jack. —  Não tenho nada para daqui duas semanas. Por quê? — questiono inclinando a cabeça.  — Acontecerá a nossa festa de aniversário. Sinceramente odeio essas coisas, mas é inevitável quando temos um irmão gêmeo cabeça oca e uma imagem a zelar. — Faz uma careta.  Assim que entramos na cozinha vejo Jack sentado na bancada comendo um bolo que Teresa havia feito. Sorrio ao ver que apesar de teimoso ainda dava ouvidos ao que eu dizia e seus cabelos molhados só provavam que minhas palavras tinham de alguma forma surtido efeito.  — Está me convidando Royal? — pergunto sorridente, pois era engraçado a forma como ele encontrou de fazer o convite. — Hum... Sim, estou te convidando achei que seria uma boa forma de começarmos de novo.  — Balança os ombros.    — Com toda certeza irei nesta festa e me sinto honrada por ter sido convidada por você — agradeço sorrindo e ele concorda me estudando com atenção.  Acredito que a única coisa que falta nesta casa é amor e eu estou disposta a distribuir todo o amor reprimido em meu coração por onze anos a cada um deles.  Com um leve aceno de cabeça Royal segue para seu quarto e eu para o meu a fim de tomar um banho, mas ao chegar vejo um pequeno bilhete sobre a cama.   Esteja pronta às 20:00 horas. Não use nada formal.  
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