Capítulo 1

2948 Words
Dante Voyaller — Dante. — Eva envolve meu pescoço, me abraçando apertado e solto um gemido ao sentir meu corpo dolorido. — Ivi... — sussurro apoiando minha mão em suas costas perdido e desorientado. — O que aconteceu? A quanto tempo estou aqui? — resmungo e a única coisa que ela sabe fazer é chorar e acariciar meus cabelos. Apoio meu rosto na base do seu pescoço inspirando seu cheiro maravilhoso. — Isso é um sonho? — questiono incerto. — Não lembro de sonhar com esse momento. — Isso não é sonho, você está vivo, você está aqui. — Ela sorri olhando em meus olhos e um grande alívio percorre o meu peito, mas minha mente está confusa demais para lembrar de tudo corretamente, me sinto entorpecido, sonolento e perdido. — Não lembro do que aconteceu, está tudo muito confuso. — Apoio a mão na cabeça e sinto uma fisgada no ombro que me faz parar o movimento. Olho para o lado e vejo um grande curativo forçando-me a lembrar dos detalhes que me levaram até a enfermaria. — Nós precisamos conversar. — Ela sorri. — Eu te amo Dan, juro que te amo. Confuso a observo por um longo período tentando entendê-la e assimilar tudo que dizia, mas a equipe médica chega retirando Eva da sala. — Não, Eva, espere. — reclamo tentando levantar, mas p***a, estou fodidamente dolorido e sou obrigado a deitar, pois cada músculo do meu corpo reclama com os meus movimentos. Vejo Esther retirar Eva do quarto enquanto Pietro faz uma enxurrada de perguntas me deixando ainda mais confuso do que já estou.   ***   Duas semanas depois. Tento respirar profundamente, mas a dor em minha costela não permite. Tenho assuntos pendentes com Eva e apesar da sua confissão há várias coisas que precisamos esclarecer e mesmo com suas visitas constantes evitamos o assunto, mas não podemos adiar ainda mais essa conversa.   Algumas coisas ainda permanecem confusas em minha mente. Me recordo brevemente do que aconteceu, mas a cada dia que se passa tudo fica mais nítido e segundo os médicos os lapsos de memória são efeitos colaterais dos medicamentos ministrados para recuperação.  Lembro-me de ter Eva em meus braços e Kraz atirando em nós. Aquele desgraçado seguiu as ordens de Donatel como um verdadeiro cão e sua única intenção era atingir Eva. Naquele momento não pensei em mais nada além de sua vida, para mim era suficiente saber que ela estava bem e não pensei duas vezes em usar meu corpo como escudo. Quando ouvi o som do disparo tudo parou, os sons à minha volta pareciam silenciar e meu único foco era a ameaça que Kraz trazia para Ivi. Já havia perdido ela uma vez, não testaria a sorte com o destino novamente, pois mais vale suas lágrimas de dor ao me ver tombando do que as minhas ao segura-la inerte em meus braços.  Apoio a mão na testa sentindo minha cabeça doer com a enxurrada de lembranças que me atinge, ainda tinha momentos confusos em minha mente, mas já não aguentava mais ficar trancado nesse quarto passando por uma bateria de exames. Cheguei a cogitar a possibilidade de sair, mas Pietro garantiu que meu corpo precisava de descanso ou meus órgãos não resistiriam, me obrigando a ceder, já que Donatel com suas técnicas de tortura me danificou mais do que imaginei e a recuperação está sendo mais demorada do que gostaria, porém necessária, ainda assim, sinto-me um animal enjaulado. Um suave toque na porta chama a minha atenção e Eva entra no quarto me observando com um olhar preocupado.  — Como está se sentindo? — Ela se aproxima.  — Quando vou poder sair desse quarto? — questiono chateado.  — Dante você é o Dragão de Veneza, mas não é imortal.  A observo com um sorriso no rosto lembrando do porque amava tanto essa mulher.    *** Bato na porta e espero sua confirmação para entrar e assim que a recebo encontro, Eva sentada na poltrona de frente para pequena mesa redonda lendo um livro, mas logo aquelas pedras cristalinas se voltam para mim.   — Dante? — Me observa surpresa.  — Precisamos conversar.  — Sim, precisamos. — Ela coloca o livro que lia sobre a mesa voltando sua atenção para mim.  — Há tantas coisas que preciso lhe dizer e uma delas é o fato de que não suportaria perdê-la novamente. Fomos treinados para não ter sentimentos, mas você sempre foi a minha fraqueza e a minha fortaleza. Tive medo de você me odiar e desistir de nós. Não planejei nada do que aconteceu em nosso passado, fui obrigado a fazer a escolha mais difícil da minha vida, sua família ou meus irmãos. Sei que você não sabia da existência deles, mas vê-los sendo torturados sabendo da desonra dos seus pais, a escolha para mim não foi difícil, entretanto, jamais imaginei que você estaria lá naquela noite. Ele prometeu que você viveria e fui ingênuo de acreditar em Donatel.  — Nada que nos envolve faz um pingo de sentido, mas simplesmente não consigo ignorar o fato de que não quero me distanciar de você. Sei que não teve culpa, que foi usado e manipulado por seu pai e sei que naquele momento você não tinha opções, mas dói tanto Dante. Estou magoada com meus pais, vivi onze anos alimentando um ódio que não era real, matei a saudade e o amor que sentia achando que você era o culpado e errei, pois, os culpados eram na verdade nossos pais. — Eva se levanta com um olhar triste e quando vejo a puxo para meus braços apoiando sua cabeça no meu peito. — Não se culpe pela ganância daqueles que deveriam lhe proteger. Você era apenas um bebê não tinha como saber o que estava acontecendo. Errado foram seus pais de fazer um contrato com Donatel sabendo o monstro que ele era. Somos a máfia e quem nasce na máfia morre na máfia, vivemos do poder e seus pais tentaram quebrar as regras, mas isso não justifica a minha falha, prometi que te protegeria e falhei.  — Não Dante, você não falhou. — Seus olhos se voltam para os meus. — Eu estou aqui hoje porque você errou propositalmente meu coração evitando um tiro em minha cabeça.  — Eu te vi morrer, vi seu caixão sendo enterrado e quando vi Dana no jardim da mansão jurava que era um anjo que retornou para me assombrar, achei que aquele era o meu castigo e tive medo. Cheguei a achar por um curto período de tempo que poderia ter uma segunda chance, que poderia amar novamente, construir uma família, seguir em frente, mas não me achei merecedor. Imagine o tamanho da minha surpresa quando descobri que Dana era na verdade você? Enlouqueci Eva, enlouqueci, pois todos os meus desejos e pesadelos se tornaram reais e quando fui até você em busca de respostas, você deixou claro que desejava a minha morte e como forma de redenção quis realizar seu último desejo.  — Não quero te perder porque eu te amo e me arrependo de ter lhe acusado daquela maneira. Quando você tombou na minha frente, sua pele manchada de sangue e os disparos ensurdecedores reverberando pelo local... — Ela estremece em meus braços. — Achei que tinha te perdido, que havia me deixado e naquele momento nem pude me desculpar adequadamente. — Seus olhos transbordam e a aflição de suas palavras comprimem meu peito. — Nunca mais coloque sua vida na frente da minha Dante, me arrependo das palavras que lhe disse, mas do resto não me arrependo de nada, pois, Donatel merecia morrer, sei que isso reflete negativamente em sua vida, mas ele merecia morrer.  — Eva, darei minha vida pela sua quantas vezes for necessário, pois eu te amo. Amo tanto que não cabe em mim, não tenho palavras para explicar o tamanho do amor que sinto por você.  — Eu também te amo Dante e agora compreendo isso. Compreendo tudo e você não precisa se culpar mais — afirma acariciando meu rosto com as pontas dos dedos.  — Mas o nosso passado sempre pesará em nossas vidas — digo com pesar.   — Isso só nos torna mais fortes e prova que estamos vencendo o egoísmo de nossos pais.   — Desculpa por tudo. — Acaricio seu rosto fixando meus olhos nos seus. — Não é só você que precisa pedir desculpas Dante, eu também peço perdão pelo meu egoísmo e ódio, isso quase me custou a sua vida e eu me arrependo, porém, o que importa no momento é que estamos juntos, depois de tantos anos e tantos erros, finalmente estamos juntos. Um alívio se instala em meu peito ao ouvir aquelas palavras. As mãos de Eva passeiam por meus braços e me curvo beijando seus lábios com amor. — Nunca duvide do meu amor por você Eva. Você sempre será o amor da minha vida. — Distribuo vários beijos por seu rosto e lábios, em retribuição ganho um maravilhoso sorriso que preenche minha alma. — Você sabe que temos que explicar tudo isso para seus irmãos, não é? — Ela faz uma careta me fazendo rir. — Faremos isso mais tarde. Agora eu só quero você. — Apoio minha mão em sua cintura puxando seu corpo para mais próximo do meu. Colo meus lábios nos seus, beijando-a avidamente, e Eva retribui com voracidade apoiando suas mãos em minha nuca. *** Aninho Eva em meus braços acariciando seus cabelos com cuidado, desfrutando do prazer que é vê-la dormir ao meu lado. Com suavidade deslizo meus lábios por seu rosto sentindo sua pele quente em contato direto com a minha. Eva se remexe e resmunga com minhas carícias e arrumo meu corpo para melhor acomodá-la. Deixo um beijo demorado em sua testa e levanto seguindo para o banheiro.  Deixo a água quente escorrer pelos meus cabelos e fecho os olhos por um momento sentindo um leve tremor passar pelo meu corpo, suspiro sabendo que tanto eu quanto Eva ainda temos um longo caminho a percorrer. Donzel não ficará quieto até conseguir o que quer e aquele monstro jamais colocará suas mãos sujas na minha mulher.  Com o aniversário dos gêmeos chegando precisamos convocar uma reunião com meus irmãos, para discutirmos a segurança e redobrar a atenção na casa, pois realizaremos uma festa aberta à alta sociedade para promover o porto, e assim aproveitamos esse dia para melhorar nossa imagem ao público. Sei que preciso explicar toda a minha história e a de Eva aos meus irmãos, mas confesso que apenas queria apagar o passado de nossas memórias e seguir adiante sem olhar para trás. Estou tão perdido em pensamentos que não noto Eva parada na porta. — O que te causa tanta aflição? — Sua pergunta me pega desprevenido. — O aniversário dos gêmeos está chegando e somos acostumados a realizar uma festa aberta à alta sociedade e mesmo redobrando a segurança nunca sabemos o que pode acontecer ou quantos inimigos teremos em nosso território. O fato de Donzel estar à solta e tentando de alguma forma nos atingir me preocupa, então eu peço que tome cuidado e não aja impulsivamente, pois você é meu sol e minha escuridão, não medirei esforços para destruir aqueles que colocarem sua vida em perigo — confesso, pois sei que ela me entende. Vejo ela refletir minhas palavras enquanto desligo o chuveiro me secando, e pensativa ela responde:  — Tudo bem, compreendo a situação e tentarei ser menos impulsiva.  — Eva por que não consigo acreditar que esse “tentarei” não resultará em nada? — Estreito os olhos a observando e ela levanta a sobrancelha com um sorriso nos lábios.  — Eu já disse que tentarei. — Ela encolhe os ombros me observando. — Sabe que não conseguimos mudar do dia para noite, mas me recordo bem o que minhas ações impulsivas causam, então terei cuidado com meus passos.   — Estou começando a ter uma dor de cabeça. — Apoio a mão na testa e vejo ela me ignorar seguindo para o quarto.  Termino de me secar e caminho atrás dela me lembrando que precisamos falar com meus irmãos. — Se arrume, pois estamos indo falar com meus irmãos. Sei que remoer o passado não é agradável, mas é necessário explicar para eles o que aconteceu.  Eva maneia a cabeça em concordância e antes de ir para o closet deixa um suave beijo em meus lábios.  *** Vejo Eva parada em frente a porta do quarto de Max e sei que ela tem receios, afinal não sabemos como meus irmãos irão reagir, mas conhecendo bem cada um deles, compreenderam os fatos e entenderam que tudo foi um jogo de Donatel e como sempre dançamos em suas mãos conforme as suas vontades, mas isso acabou, não será mais assim.  — Entre Ivi — Falo próximo a sua orelha apoiando a mão na base da sua coluna sentindo sua pele em contato com a minha — Dará tudo certo — Afirmo e seus olhos preocupados se fixam nos meus.  — O que me deixa apreensiva é Royal, sabe que ele é o mais complicado dos três, temo que ele não me aceite por ter mentido — Desvia o olhar do meu para a porta novamente.  — Apenas dê alguns créditos a ele, Royal realmente é o mais complicado, mas apesar de não parecer é muito compreensivo, vai entender que você teve seus motivos quando ouvir tudo o que temos para contar — Tento acalmá-la, mas ela não parecia tão certa sobre aquilo.  — Sabe Dan, é incrível a forma como vocês protegem uns aos outros, mas confesso que nada me tira da mente que Royal me odiará a partir de hoje.  Me surpreendo com seu comentário e a observo por longos segundos sem dizer nada, volto meu olhar para um ponto qualquer e apoio a mão na cabeça pensativo.  — É inconsciente defendermos uns aos outros, precisamos aprender isso ao longo dos anos se não queríamos ver nossos irmãos sendo torturados por nossas falhas.  — Como Donatel consegue ser tão horrível e asqueroso? — Pergunta com desdém.  — Ele não queria filhos Ivi, queria soldados e fez de tudo para conseguir isso.  — Parte do objetivo aquele velho asqueroso concluiu, pois ele realmente criou soldados fortes e blindados, mas se esqueceu que bem no fundo de cada um de vocês ainda bate um coração. — Ela apoia a mão no peito sorrindo.     — Talvez você tenha razão, mas nem sempre consigo proteger a todos como gostaria. — Falo com pesar.   — Por que diz isso?  — Jack passou a me odiar depois do acordo assinado por Donatel e Edgar, mas não há nada que eu possa fazer, já tentei de tudo e foi em vão.  — Você mesmo disse para dar um crédito a Royal, então dê um a Jack. Sei que é normal esse tipo de acordo entre máfias, mas ele só está perdido e assustado, tenha calma. — Eva tenta me confortar, mas não surtiu muito efeito.   — Normal quando somos pequenos Ivi, assim crescemos sabendo que aquela pessoa é nossa prometida, mas no caso de Jack ele já passou dessa idade, achei que somente eu teria que lidar com uma situação como essas, agora vejo Jack se desfazendo por culpa das atitudes daquele velho desgraçado e juro que queria matá-lo com minhas próprias mãos… — Eva apoia os dedos em meus lábios e sorri.  — Tenho um pouco de fé que tudo se resolverá, Jack é cabeça dura eu sei, mas pelo pouco que conheço dele vai entender toda a situação. — Desliza seus dedos do meu peito para meu rosto e me permito sentir a suavidade de sua pele em contato com a minha.  — Espero que esteja certa. — Falo com sinceridade, pois realmente esperava que Jack saísse do limbo de seu desespero e enxergasse a verdade diante dos seus olhos, pois ao meu ver o objetivo de Donatel é tentar nos separar, fragmentar nossa lealdade para ter a vantagem de controlar cada um de nós separadamente, mas não permitirei isso.    — Vamos, precisamos esclarecer tudo para eles. — Gira a maçaneta da porta e concordo entrando no quarto.  Max que está sentado sobre a cama volta seu olhar curioso para nós enquanto Royal continua sentado na poltrona mexendo em seu celular. — Max, como você está? — Eva se aproxima da cama. — Bem na medida do possível, mas essa coisa incômoda. – Indica a tipoia no braço.   — Em breve você estará melhor — fala e ele concorda com sorrindo como sempre.  — Jack ainda não chegou? — Questiono observando Royal que me observa com indiferença, mas era tão natural dele aquela expressão que para mim já não é mais uma novidade.  — Acredito que estará aqui em breve — Guarda o celular no bolso da calça para estudar Eva que conversava com Max.  — E aqui estamos nós. — Ouço a voz de Jack e volto minha atenção para a porta.  E confesso que não esperava ver meu irmão caçula se desfazendo em álcool e cigarros, pois o cheiro que ele exala é exatamente esse e sua aparência deplorável me preocupa. Queria iniciar uma discussão sobre suas atitudes, enfiar na sua cabeça o que Donatel estava fazendo, mas não adiantaria nada fazer isso agora, pois só o deixará ainda pior, então procuro focar no que era realmente relevante para agora.  — Com todos presentes vou contar como Eva e eu chegamos até aqui — Volto meu olhar para ela que continuava sentada ao lado de Max na cama.  — Eu gostaria de começar por favor. — Pede educadamente e concordo com um aceno de cabeça sentando na poltrona livre próximo a ela.  
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