Victoria
— Ele não quer te conhecer.
— O quê?
Minhas mãos estão enterradas no meu cabelo enquanto tento domar a selvageria dos meus cachos ruivos, trançando-os com pressa, quando meu pai solta aquela bomba por cima da borda de seu jornal da manhã.
— Eu disse que ele não quer se encontrar com você.
— Papai, você espera que eu me case com alguém que nunca conheci?
— Tori, eu não tenho controle sobre isso.
— Claro que tem! — Giro os dedos com mais força, ignorando a ardência nos nós do meus dedos e a tensão que já pulsa nos meus ombros. — Você é Romeno Catalano. Seu nome exige respeito. Não me diga que não pode fazer algo para que ele me conheça.
— E ele é Giovanni Castelli. — A resposta seca do meu pai cai como chumbo. — Você conhece a reputação dele. Acha mesmo que eu permitiria esse casamento se tivesse algum poder sobre ele?
Ele tem razão. Eu sei disso. Mas isso não alivia o nó de desconforto que se forma no meu estômago. Giovanni é perigoso. O tipo de homem que não precisa levantar a voz para ser temido. Eu o detesto com cada fibra do meu ser — e queria, ao menos, a chance de olhar nos olhos dele e deixar isso bem claro antes de sermos forçados a dividir uma vida.
— Papai, ele matou meu noivo. E agora eu vou me casar com ele. Tem alguma coisa que você possa fazer para que isso não aconteça comigo? Não quero que a primeira vez que eu o veja seja no dia do meu casamento. Não saberei como agir, nem quem devo ser diante dele.
Meu pai abaixa lentamente o jornal, dobra-o com uma calma que beira a crueldade, e me encara.
— Seja você mesma, minha filha. — Ele deposita o jornal ao lado da tigela de café e se levanta, caminhando até mim. — Eu sei que isso é doloroso para você, querida.
— Essa é a palavra certa. — Murmuro, terminando a trança e a prendendo com um elástico gasto.
Ele se senta novamente e estende a mão sobre a mesa, cobrindo a minha.
— Você precisa fazer isso. Estaremos seguros por causa desse casamento. Eu, você... todos nós. Você viu como Giovanni absorve famílias para dentro do seu império. Ele não destrói o que considera seu.
— Não quero que meu nome seja engolido dessa forma, Papai.
— Mas é isso ou seremos esmagados de outra maneira. E você sabe como os negócios estão. Sem a injeção de recursos dos Moretti, já estaríamos falidos. Com Giovanni, temos uma chance. Ele odeia fracassos mais do que qualquer coisa. Vai garantir que fiquemos bem.
Suspiro, sabendo que não adianta discutir.
— Talvez seja um sinal para você sair do ramo da falsificação, Papai. Buscar algo mais sustentável.
— Como arte? — Ele bufa, mas há um resquício de amargura na zombaria. — Estamos endividados, Victoria. Até o pescoço. Se eu não pagar, homens perigosos virão atrás de mim. Você não quer isso, quer?
— Claro que não! — Meus olhos se arregalam, o coração disparando. — Eu jamais desejaria algo assim!
— Então, não conhecer Giovanni antes do casamento é um preço pequeno pela nossa segurança, não acha? Você está me salvando, minha filha. E eu nunca poderei retribuir isso.
Seus dedos apertam os meus com força, como se quisesse memorizar esse contato.
— Dói-me profundamente não ser eu quem vai salvá-la. Ir para a cama com um homem como Giovanni é um fardo. Mas você vê outra opção? Ele viria atrás de nós de qualquer forma. Assim, você se tornará a linda esposa dele, e eu estarei seguro.
O peso das palavras dele me esmaga, mas eu apenas assinto.
— Tudo bem. Não preciso conhecê-lo antes.
— Essa é a minha garota. — Ele sorri com pesar, voltando ao jornal. — E o casamento será pequeno, íntimo. Não precisa se preocupar. Apenas seja você mesma. Mantenha-o feliz por um tempo. Confie em mim.
— Eu confio em você, papai.
— Noiva? — Natasha praticamente se joga sobre a mesa, agarrando minha mão e jogando meu garfo de macarrão longe. — Cadê o anel?
— Natasha! — Puxo a mão de volta, rindo. — Ainda não tenho um.
— Espera, espera... é agora que eu deveria estar surtando pelo seu bem-estar mental? Porque, convenhamos, você enterrou um noivo há o quê, duas semanas? E já vai casar de novo?
Os olhos dela brilham com preocupação genuína. É um contraste tão forte com o mundo de onde venho que chega a doer. Nos conhecemos na faculdade, há oito anos, e a leveza dela foi como respirar depois de passar a vida debaixo d’água. Com ela, eu era só “Tori”, não “a filha do Catalano”.
— Não precisa se preocupar. — Minto, resgatando meu garfo do molho. — Depois que o Vicente morreu, percebi que... talvez eu nunca tenha realmente amado ele. Era confortável, só isso. Companhia.
A mentira pesa na língua, tornando a comida insuportável. Não posso dizer que Vicente foi assassinado, muito menos que esse casamento é uma transação suja para salvar minha família. Tudo o que posso fazer é sustentar esse sorriso.
— Jura? Eu achava que vocês eram perfeitos juntos.
— Não. Ele era pegajoso, controlador e nunca entendeu minha arte. Era o caminho lógico, mas não o certo. — Uma verdade disfarçada no meio da mentira. Sempre foi mais fácil assim.
— Tá bom, vou fingir que acredito. Agora me conta do bonitão novo. Como é que ele te fisgou tão rápido? É um viúvo colecionador de noivas?
— Natasha!
— O quê? Alguém tem que perguntar. — Ela ri, tomando um gole do vinho. — Fala logo.
— Giovanni é... um amigo da família. Conheço há anos, mas só agora nos reaproximamos. Ele foi gentil quando eu mais precisei. — Desenho um homem que não conheço, uma mentira tão doce que até eu queria acreditar nela.
Natasha ouve como se fosse verdade absoluta. Parte de mim quer contar a verdade, mas... de quê adiantaria?
— Espero que ele seja um deus grego, porque se não for, não tem desculpa pra você me esconder esse homem. — Ela ergue as sobrancelhas. — Em um mês você perdeu um noivo, ganhou outro e ainda vai casar na semana que vem?
— Exato. Casamento em maio.
— Que romântico.
— Por isso te chamei pra almoçar. — Largo o garfo. — Quero que seja minha dama de honra.
O grito dela ecoa pelo restaurante inteiro, fazendo as cabeças virarem. Ela me abraça com força.
— Óbvio que sim! Claro que sim!
— Você já ia ser minha madrinha antes, lembra?
— E agora vai ser ainda mais especial. — Ela enxuga as lágrimas com o guardanapo. — Você é minha melhor amiga. Eu estaria do seu lado em qualquer altar.
Gostaria de acreditar nisso. Gostaria de acreditar que, se ela soubesse a verdade, ainda diria as mesmas palavras.
— Pare. — Ela ri, disfarçando o choro. — Esse é o meu momento emocional, ok?
— Tudo bem, mas você nem vai ter muito trabalho. Tudo já está pronto.
— Como assim?
— O casamento é semana que vem. Planejamento relâmpago.
— Meu Deus, você precisa me contar tudo! Cores, flores, comida... tudo!
— Te conto, mas me dá um minuto primeiro.
Saio da mesa com um sorriso forçado. No banheiro, a máscara escorrega. Sento-me na tampa do vaso, abraçando as próprias pernas enquanto as lágrimas vêm.
Vou me casar com um monstro. Um assassino.
E eu não sei se vou conseguir sobreviver a isso.
Meu celular vibra. Não é Natasha. É meu pai.
Leio a mensagem.
Giovanni não vai honrar nada até estarmos casados. Meu pai, desesperado, pegou outro empréstimo. Mais dívidas. Mais correntes.
Desistir não é uma opção.
Eu queria que fosse.