2- CARIOCA

1211 Words
CAPÍTULO 2 CARIOCA NARRANDO Três anos atrás Na quebrada é assim, irmão… a lei é minha, e quem manda sou eu. Não tem caô. Naquele dia, quando os vapores enfileiraram as minas na frente da quadra, eu fiquei só de canto, observando. A mina chamou minha atenção de cara. Cabelo vermelho batendo na cintura, olho arregalado de medo mas queimando de coragem. Parecia que queria tá em qualquer lugar, menos ali. Só que, ao mesmo tempo, não abaixava a cabeça. E isso me pegou. Meu pai perguntou se eu tinha gostado de alguma. Eu não pensei duas vezes. — A ruiva. Quero ela. O silêncio que ficou depois foi pesado. Era tipo todo mundo entendendo que dali pra frente, ninguém mais podia encostar nela. Quando meu pai foi até a mina, perguntou se era virgem e ela respondeu firme, mesmo tremendo, eu só confirmei dentro da minha mente: – É essa. O coroa bateu o martelo: — A partir de hoje, é a prometida do meu filho. Na hora eu vi o desespero no olho dela, vi a revolta tentando gritar, mas não saiu som nenhum. Vi o pai dela quase se ajoelhando, confirmando tudo pra não contrariar. E eu? Eu fiquei só olhando, com aquele sorriso de canto, já sabendo que tinha dado meu bote. Depois que a cena acabou, fiquei de lado, acompanhando a ruiva ser levada pra casa com o pai. O morro inteiro já cochichava. Os cara comentando: — Essa aí é do Carioca agora. — Fiel do patrãozinho. — Vai virar a dona do Alemão. E eu deixei a notícia correr. Era isso mesmo que eu queria. Que todo mundo soubesse que a mina tinha dono. Mas, na moral? Eu não tava pensando em esperar até os dezoito, não. Eu já tava bolando na mente como cercar ela antes, deixar marcado, mostrar que comigo não tem tempo nem desculpa. A mina podia sonhar com fuga, podia se revoltar por dentro, mas no final das contas… ia cair pro meu lado. Cheguei em casa naquele mesmo dia com a mente fervendo. Já tava decidido: a ruiva era minha e pronto. Sentei no sofá, ainda de camisa de time, cordão batendo no peito, quando ouvi a voz grossa do meu pai vindo da cozinha. — Senta aqui, moleque. Quero trocar uma ideia contigo. Fui, sentei na cadeira de frente pra ele. O coroa abriu a gelada, deu um gole e ficou me encarando com aquela cara de quem não tava pra brincadeira. — Seguinte, Carioca… tu pode ter escolhido a mina, pode ser a prometida agora, mas vou te falar na moral, não maltrata essa garota, não. — falou firme, apontando o dedo. — Mulher não é brinquedo, não é descarga pra tua raiva. Se é tua mulher, é pra tu cuidar. Fiquei só ouvindo, meio impaciente, mas respeitando. Ele sempre foi a voz que comandava. — Tu sabe muito bem como foi com tua mãe. — ele continuou, a voz ficando mais pesada. — Enquanto ela viveu, eu tratei ela como rainha. Nunca deixei faltar nada, nunca botei a mão pra machucar. Era respeito, moleque. Respeito! Ele bateu a mão na mesa, me olhando nos olhos. — E é assim que vai ser com essa ruiva. Tu quis ela, agora segura a responsa. Vai ser tua mulher, tua fiel, primeira-dama do morro. Não quero ver tu fazendo cagada, nem tratando a mina como essas piranhä que tu pega no baile. Dei um meio sorriso de canto, tentando disfarçar o jeito que aquilo me afetava. — Tá suave, coroa… eu sei o que tô fazendo. Ele balançou a cabeça, sério. — Eu espero, Carioca. Porque ser dono de morro não é só ter fuzil, dinheiro e respeito. É também saber cuidar de quem tá do teu lado. Se tu fizer merdä com ela, não é só tua imagem que vai pro ralo, é o peso do meu nome também. Engoli seco, porque quando ele puxava o nome dele no papo, o bagulho ficava sério. O coroa acendeu um baseado, puxou a fumaça fundo e me encarou mais uma vez. A voz dele veio grossa, sem rodeio: — Escuta o papo, moleque… tu escolheu a ruiva, beleza. A mina agora é tua prometida. Mas aproveita a fase, entendeu? Enquanto não bota aliança no dedo, tu mete marcha e fodë quem tu quiser. Vai pro baile, pega geral, se lambuza. Porque depois que casar, aí o bagulho muda. Soltei uma risada debochada, me recostando na cadeira. — Cê tá falando sério, coroa? Não nasci pra ser fiel não, pô. Ele me encarou de volta, sem nem piscar: — Tô. Quando tu casar tem que ter respeito, Carioca. Não é bagunça. Quando ela virar tua mulher de verdade, tu vai ter que ser fiel. Não é só por ela não, é pelo peso do nome. A primeira-dama do morro não pode ser feita de otária, se tu trai quem dorme do teu lado, quem vai confiar em tu. Fiquei em silêncio por uns segundos, mastigando o papo. Era estranho ouvir aquilo dele, mas no fundo fazia sentido. O coroa nunca deixou faltar nada pra minha mãe, tratava ela como rainha. Eu cresci vendo isso. — Então aproveita agora, filho. Vai viver tua vida de solteiro, gasta energia. Porque quando chegar a hora… quero tu firme com a mina, respeitando. Dei um gole na cerveja que ele tinha jogado na minha frente, soltei o ar pelo nariz e dei aquele sorrisinho maroto de canto. — Relaxa, coroa… eu sei jogar. Vou aproveitar, mas quando for a hora, vou mostrar que sei segurar a responsa. Ele bateu no meu ombro, firme, como quem selava um acordo. — É isso que eu quero ouvir. Eu fiquei ali, olhando pro copo, já imaginando a ruiva na minha frente de novo. Podia até curtir o que viesse pelo caminho, mas no fundo… eu já sabia que, no final das contas, era ela que eu queria. O coroa soltou a fumaça do baseado, bateu a cinza no cinzeiro e voltou a falar, firme, como quem já tinha tudo planejado: — Amanhã eu te entrego a ficha da mina. Quero tu sabendo de tudo sobre ela… escola, amiga, até o caminho que faz no beco. Nada de entrar nessa sem conhecer. Arqueei a sobrancelha, curioso. — Ficha? Ele deu um meio sorriso de canto, aquele jeito frio dele que sempre deixava claro que tava dez passos na frente. — Já botei um segurança na cola dela. Daqui pra frente, cada passo que a ruiva der vai chegar no meu ouvido… e no teu também. Quero tu ligado, porque prometida é promessa, e promessa no crime vale mais que anel. Soltei uma risada abafada, meio debochada. — Cê é fodä, coroa. Ele me encarou sério. — Não é questão de ser fodä, é questão de estratégia. Tu vai ser o dono dessa porrä aqui, Carioca. E quem vai tá do teu lado precisa tá blindada. Então não vacila. A mina é tua, mas a segurança dela também é nossa. Encostei na cadeira, processando o papo. Na minha mente já tava claro: ela podia até tentar correr, mas não ia ter como. Com segurança na cola, ficha entregue na minha mão… a ruiva já tava presa no meu mundo. Continua.....
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD