Bem vinda

2200 Words
Duas semanas depois de exames e testes, sem retorno de nenhuma lembrança, Sara recebeu alta do hospital. Não sabia se ficava feliz, por deixar aquele ambiente tão frio e impessoal, ou apavorada, por ter como próximo destino morar com seu recém-descoberto marido. No banheiro do hospital, aprontando-se para partir, apoiou-se na pia do banheiro e deslizou os dedos pela pequena cicatriz no topo da cabeça, observando seu reflexo. Tornara-se habito avaliar a atual imagem com a que tinha em suas lembranças. Procurava em si mesma respostas para resolver sua situação, sem nunca obtê-las. Tinha medo de sair daquele quarto de hospital e ficar sozinha com o "marido", trancada em um apartamento que o mesmo dizia ser o lar dos dois, mas do qual ela não lembrava. "Seu marido é um gato, se joga mulher". Fez uma careta para o rumo que seus pensamentos tomavam. De onde saia tanto ideia b***a? Logo em seguida admitiu que a culpa era da beleza de Rodrigo Montenegro. O homem podia ser caladão e emburrado demais, porém, era muito bonito. Se não tivesse Robson povoando sua mente, adoraria ter algo com aquele homem. Inspirou fundo ao recordar que tinha algo com aquele homem. Rodrigo era seu marido há quatro anos, tinham feito promessas um ao outro, ela se lembrasse disso ou não. Cansada de se auto avaliar, e censurar, deslizou as mãos pelo vestido azul marinho, entregue por Rodrigo, ajeitando-o e saiu do banheiro. Continuava tensa com o que aconteceria dali em diante, mas passar o resto da vida trancada no banheiro era impossível. Assim que passou pela porta, Silvia parou a sua frente. — Trouxe sua maquilagem, senhora Montenegro — a enfermeira disse estendendo uma caixinha preta. — O senhor Montenegro chegará em breve e a senhora tem de estar linda para recebê-lo. Sara entortou a boca ao abrir a caixa e descobrir que se tratava de maquiagem. Estava com mil e um motivos para se descabelar e a mulher queria que ela se embelezasse. — Se sente bem, senhora Montenegro? — perguntou Silvia interpretando como dor a expressão de Sara. — Me sentirei melhor se me chamar somente de Sara — respondeu incomodada. Silvia se manteve calada. Sara tinha certeza que dali meia hora a mulher voltaria a chama-la de "senhora Montenegro". Não se sentia como uma pessoa casada, seja lá como uma pessoa com esse status era, e, principalmente, não se sentia casada com o senhor Rodrigo Montenegro. Não via motivos para alardear o sobrenome do homem. Guardou a caixinha preta na pequena mala que Silvia levara para seu quarto de hospital há alguns dias. Odiara a maioria das roupas, não pareciam ser dela e sim de uma versão mais sisuda. Desde que despertara nada em sua vida parecia lhe pertencer, nem mesmo o reflexo no espelho. A batida firme na porta a deixou imediatamente tensa, nem precisou olhar para saber que era o "marido”. — Está pronta Sara? — Rodrigo perguntou encarando as costas da esposa. Sem respondeu, ela fechou a mala, a segurou na frente do corpo e se virou com a cabeça abaixada, evitando os olhos escuros de Rodrigo. — Eu levo — ele indicou pegando a mala de suas mãos. Sara sentiu um arrepio estranho quando os dedos de Rodrigo encostarem nos seus. As íris esverdeadas buscaram as dele, para saber se ele sentira o mesmo, porém Rodrigo olhava para a porta, por onde Tatiana passava. — Não poderia deixar de me despedir de você, Sara. — A médica abraçou a afilhada com carinho. — Se pudesse te levaria para minha casa, mas assim creio que vai ser melhor pra sua recuperação. Descanse e não ligue para qualquer grosseria de seu marido. Como Tatiana não fizera questão de falar baixo, Sara encarou Rodrigo. Altivo, ele observava a cena com o semblante indiferente, mas, como se sentisse o interesse dela em sua pessoa, ele a encarou. Envergonhada por ter sido pega analisando-o, e sentindo o corpo estremecer diante da intensidade do olhar dele, desviou a atenção para as próprias mãos se apertando de nervosismo. — Está com frio, querida? — Não madrinha, estou bem. — Vamos! — Rodrigo praticamente ordenou. Tatiana encarou Rodrigo com antipatia. — Veja como tratará Sara ou te dou a surra que sua mãe esqueceu-se de lhe dar. — Madrinha! Rodrigo não disse nada e nem demonstrou abalo com a ameaça. Sara queria entender porque aqueles dois não se davam bem. Era óbvio que Tatiana não suportava Rodrigo. Da parte dele, Sara não conseguia decifrar. Começava a duvidar que aquele homem tivesse outro sentimento além de indiferença a tudo e todos. — Vou levá-lo até a porta dos fundos do hospital — Tatiana indicou tomando a frente para saírem. — Os jornalistas estão na frente à espera de uma imagem do "casal perfeito". Sara reparou que seguiam até uma parte afastada do hospital, rumo a uma saída de emergência. Quando atravessaram a porta entendeu o motivo. Flashes pipocaram em sua cara cegando-a, perguntas ecoavam de toda parte desorientando-a. Deu um passo para trás com medo daqueles desconhecidos chamando-a, jogando questões e mais questões que ela não compreendia. Notando o pavor e lividez da esposa, Rodrigo enlaçou um braço em torno dela, a mão puxando-a contra si, apoiando o rosto dela contra seu tórax, guiando-a entre os jornalistas. Sem responder a nada, empurrando quem se atrevia a atravessar seu caminho, escoltou a esposa até seu carro. Instalou Sara, jogou a mala dela no banco traseiro e ocupou seu lugar ao volante. Colocou o carro em movimento e buzinou para afastar qualquer um que se atrevesse a atravessar seu caminho. Incomodada com por ter sido praticamente empurrada para dentro do automóvel, esquecida das pessoas ao redor, Sara fitou Rodrigo com irritação. Compreendia que ele tentava escapar do cerco feito pelos repórteres, mas podia ter sido mais delicado com ela. Os repórteres ainda correram um tempo atrás do automóvel, mas logo estavam bem longe do hospital. — Odeio repórteres. Está se sentindo bem, Sara? — Rodrigo quis saber. Surpreendendo Sara, Rodrigo esticar a mão e a acariciou na face. Ela recuou, impactada por ele demonstrar preocupação e toca-la com carinho. Rodrigo interpretou como medo e focou toda sua atenção no caminho, a mão que a tocara voltando a segurar com firmeza o volante. No restante do percurso ficaram em total silêncio. Na verdade, desde que acordou no hospital não tinham trocado mais que meia dúzia de palavras, nem ao menos olhavam um para o outro. Sara por constrangimento e presumia que ele pelo incomodo de ser esquecido. Que tipo de esposa ela foi? Que tipo de esposa esquecia o marido? Rodrigo, em cada parada no sinal vermelho, observava Sara pelo canto do olho, sempre a encontrando observando curiosa a paisagem a sua volta. A esposa apreciava tudo como uma criança na frente de uma loja de doces. Era a primeira vez que ficavam sozinhos e Rodrigo, o seguro e orgulhoso homem de negócios, não tinha coragem para confessar que sentira falta dela, dos momentos felizes que às vezes tinham. E de que adiantaria? Sara esquecera esses momentos, todos os que passaram juntos. Além disso, ela parecia ter pavor dele. Só lhe tocara o rosto e Sara rejeitara seu toque. Temia que fugisse para bem longe dele se tivesse oportunidade e alternativa. — Tem tantos prédios aqui! — Aquele é o prédio em que moramos — disse apontando para um prédio enorme a frente deles. — Nossa! Dirigiu até a garagem do prédio, estacionou em sua vaga e abriu a porta do lado de Sara. Enquanto Sara analisava o estacionamento, alheia ao fato da vaga vazia ao seu lado pertencer ao carro dela, destruído no acidente, Rodrigo pegou a mala dela. — Vamos por aqui — ele indicou apoiando a mão livre nas costas dela, direcionando-a para a área dos elevadores. Sara encarou o marido quando entraram no elevador e ele removeu a mão de suas costas. Rodrigo fitava o visor dos andares, parecia não fazer questão de olha-la. Isso causou um aperto no coração de Sara. O elevador parou no último andar e Sara reparou que não havia outro apartamento ali. Rodrigo abriu a porta e a deixou passar a sua frente, para uma sala lindamente mobiliada. Sara observou tudo com curiosidade e fascínio. Desde a alta do hospital aquele momento, à volta para uma casa da qual não lembrava, povoava sua mente, mas nunca imaginou que fosse tão magnífica e grande. E estava somente na sala do lugar. Rodrigo olhava a esposa andar devagar pela sala e tocar alguns objetos com a ponta dos dedos. Ansiando que a esposa voltasse a ser como antes, esperava que o retorno a casa dele ajudasse na recuperação. Preferia as constantes brigas a ser tratado como um estranho. Quando ela pegou um porta-retratos, com a foto deles juntos, aproximou-se devagar. Se antes Sara considerava que tudo pudesse ser alguma invenção, uma brincadeira s*******o, agora, ao ver a foto dela abraçada a Rodrigo, a realidade a golpeou. Ele era seu marido, aquela era sua casa e sua vida. Mesmo não se lembrando de nenhum desses três fatos. Colocou a mão sobre a pequena cicatriz na cabeça. Mesmo com todos dizendo para ter calma, estava desesperada, queria lembrar ou acordar daquele estranho sonho. Era difícil ter calma estando mergulhada no escuro. As aulas de matemática pareciam o paraíso perto de sua situação atual. — Tiramos essa foto no meu aniversário do ano passado. Pulou de susto ao se dar conta que Rodrigo se encontrava tão perto. Com as mãos trêmulas, colocou a foto desajeitadamente no lugar. — Me desculpe! — Pelo quê? A casa, a foto, tudo aqui te pertence — Rodrigo retrucou irritado, não gostando da forma com que ela praticamente fugiu de perto dele. Ele se virou para o outro lado, mas não rápido o bastante para Sara não perceber que de alguma forma o irritou. — Juro que farei o possível para lembrar tudo bem rápido — prometeu nervosa. Ele a encarou sorrindo. O primeiro sorriso que via naquela face extremamente fria, fraco, mas que suavizou o rosto dele e o deixou ainda mais lindo. Ele tinha um sorriso maravilhoso, deveria mostra-los mais vezes, concluiu sorrindo de volta. — Se tem alguém aqui que precisa se desculpar ou se esforçar, esse alguém sou eu — ele disse estendendo a mão e deslizando os dedos pelo cabelo dela com carinho. O toque foi rápido, mas causou um alvoroço nela, que estranhou aquelas palavras e o gesto. Sem lhe dar tempo para processar o ocorrido, Rodrigo a segurou pela mão, a levou até um corredor e abriu uma porta. Sara percebeu se tratar de um quarto. A enorme cama casal atraiu a atenção de Sara, e não enxergou mais nada além daquele objeto tão íntimo. — Esse é o nosso quarto. Sara sentiu a face esquentar e o olhou tensa. Ele pretendia algo? Com ela? Não estava preparada para nada, principalmente com um homem que não conhecia. "Ele é seu marido", comunicou sua mente. Mas se não lembrava dele, não o conhecia, revidou tensa. "O cara é gostosão, qual é? Pula em cima e agarra o homem!". Sara balançou a cabeça para clarear as ideias, se afastando de Rodrigo um pouco nervosa. Rodrigo suspirou alto, parecia frustrado. — Não se preocupe, ficarei no quarto ao lado. — Apontou para uma porta a alguns passos dali. — Durante o tempo que precisar, é ali que ficarei. Sara expirou aliviada, não estava pronta para partilhar nada com o recém-descoberto marido, muito menos uma cama como aquela. "Boba". Mesmo que seu interior se rebelasse, e achasse Rodrigo atraente, não estava pronta. Tentou soltar sua mão, mas Rodrigo não deixou. Ao invés disso, a abraçou pela cintura. Sara sentiu o coração bater mais forte no peito. Seus rostos estavam próximos, os lábios dele ganharam sua atenção, suas pernas tremiam e seu o corpo ficou estranhamente mole contra o dele. Rodrigo tinha uma vontade louca de beija-la, de ir além de beijos. Pelo modo que o fitava agora, sentia que ela o desejava, mas seria certo? Ela era sua esposa, mas não se lembrava disso. Estreitou o corpo feminino um pouco mais entre seus braços, abaixou o rosto até o pescoço dela, sentindo o cheiro da pele feminina, enquanto suas mãos passeavam pelas costas dela. Sentira falta de toca-la, acaricia-la e ouvir o som que saia da boca dela quando se amavam. Beijou a curva do pescoço dela devagar, ouvindo o som que tanto apreciava. — Bem vinda ao lar, Sara — sussurrou antes de solta-la e entrar no quarto ao lado. Sara ficou parada, sentindo as pernas bambas, os olhos esverdeados vidrados na porta ao lado, em que Rodrigo entrou e deixou aberta. Era um convite para segui-lo? O que foi aquele beijo? Levou a mão ao pescoço, colocando-a em cima do lugar beijado. Por um momento dividirem o mesmo leito parecera uma ótima opção. Se ele não tivesse se afastado... Sacudiu a cabeça para afastar as cenas que se formaram em sua mente, que bem podiam ser lembranças. Suspirou alto, entrou no quarto e o fechou antes de se jogar na cama enorme, sozinha. O que a aguardava a convivência com Rodrigo?
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