Os dias que se seguiram foram uma dança silenciosa entre razão e emoção.
Karen tentava manter o foco nos números, nas negociações, nas cláusulas contratuais que poderiam selar ou destruir o futuro da K.V. Holdings. Mas por trás de cada e-mail técnico de David, havia entrelinhas. E nas entrelinhas, intenções.
Ele não a abordava diretamente, não insistia em conversas pessoais, mas estava sempre presente. Presente demais.
O jantar havia deixado algo no ar. Não era apenas nostalgia. Era como se o tempo tivesse guardado a energia entre os dois em um frasco hermético, e agora, ao ser aberto, tudo escapava descontrolado.
Na tarde de sexta-feira, Karen havia marcado uma reunião na sede da empresa. David compareceu pontualmente, vestindo um terno escuro impecável. Mas o que chamou atenção dela não foi a roupa. Foi o olhar.
Ele a observava como se a conhecesse e ao mesmo tempo estivesse reaprendendo cada gesto.
— Vamos direto ao ponto — ela disse, assim que todos estavam sentados.
A sala era ampla, moderna, com paredes de vidro e vista panorâmica da cidade do Rio. Um lugar feito para impressionar, mas naquele momento, David só conseguia olhar para ela.
Karen apresentou os relatórios, os ajustes na proposta, os termos revisados. Enquanto falava, gesticulava com precisão, mostrando sua força como líder. Mas uma parte dela sentia os olhos dele a acompanharem com intensidade demais.
— Com esses ajustes, o risco da fusão se reduz em vinte por cento — concluiu. — Mas a K.V. Holdings quer cláusulas de blindagem. Em caso de falência judicial da sua empresa, assumimos integralmente os ativos e a administração.
David assentiu.
— É justo. Eu aceito os termos.
Ela ergueu uma sobrancelha.
— Aceita sem discutir?
— Confio em você.
As palavras pairaram no ar. Eram simples, mas carregadas de peso.
Karen não respondeu. Apenas fechou a pasta de documentos e se levantou.
— A reunião está encerrada. Meu jurídico enviará o contrato até o final do dia.
Os outros executivos se despediram e deixaram a sala. Restaram apenas os dois. Silêncio.
David caminhou até a janela.
— Você sabe que eu ainda sinto, não sabe?
Karen cruzou os braços.
— Sente o quê, David?
Ele se virou, os olhos mais escuros que o normal.
— Tudo. A sua ausência. A forma como você olhava pra mim quando era só uma garota cheia de sonhos... e eu um i****a que queria provar algo pra todo mundo. Sinto sua raiva, sua frieza. Mas, acima de tudo, sinto você.
Ela riu, sem humor.
— Você está confundindo culpa com sentimento. Não é amor. É arrependimento.
— Talvez seja os dois. — ele se aproximou um passo. — Mas estou disposto a pagar o preço pra descobrir.
Karen ficou imóvel por um instante. Seus olhos não demonstravam nada. Mas por dentro, havia um turbilhão. Sentia vontade de gritar, de se afastar, mas também sentia vontade de tocá-lo. De saber se ele era real. Se era confiável agora.
— Cuidado, David. — disse, por fim. — Você está pisando em um território onde não se brinca mais com sentimentos. Aqui, as consequências são reais.
Ele assentiu, respeitosamente.
— Eu não vou forçar. Mas também não vou desistir.
Ela o observou por mais alguns segundos, então desviou o olhar e pegou a pasta com os documentos.
— Volte para o hotel. Descanse. Segunda-feira o contrato será assinado.
David se aproximou da porta, mas antes de sair, se virou.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Já está fazendo.
— Existe alguma parte de você que ainda sente algo por mim?
Karen parou. Não respondeu imediatamente. E depois, apenas disse:
— Eu não decido com o coração, David. Eu administro. Empresas... e emoções.
A porta se fechou.
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Naquela noite, Karen foi até sua casa em Angra. Precisava respirar. Longe da cidade, longe da presença de David, longe de tudo que fazia sua mente girar em espirais perigosas.
Sentou-se na varanda, com uma taça de vinho nas mãos e o mar à frente. O silêncio parecia abraçá-la.
Até que o telefone tocou.
Era Rodrigo, seu braço direito no setor financeiro da empresa.
— Dra. Vieira, desculpe incomodar a essa hora. Mas recebemos uma denúncia anônima.
— Que tipo de denúncia?
— Uma empresa concorrente da Williams Tech, nos EUA, está tentando sabotar o acordo com a K.V. Holdings. Vazaram informações confidenciais, e há movimentações estranhas no mercado. Alguém quer derrubar o David... e você também.
Karen apertou o copo com força.
— Quem?
— Ainda não conseguimos rastrear, mas os dados estão sendo investigados. Precisamos reforçar a segurança cibernética imediatamente.
— Faça o que for preciso — disse, firme. — E fique de olho. Se alguém pensa que vai me atingir para enfraquecer o David... está brincando com a pessoa errada.
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Na manhã seguinte, David recebeu um e-mail com um relatório completo da tentativa de sabotagem.
Junto, um recado simples, assinado por Karen:
“Se quiser ganhar no mundo dos negócios, você vai precisar mais do que charme. Vai precisar de mim. E, por agora, estou do seu lado. Mas cuidado. Só protejo o que me interessa.”
David sorriu.
Pela primeira vez em muito tempo, sentia que não estava sozinho.
Mas também percebia que o jogo estava ficando perigoso.
E nesse jogo, Karen Vieira era tão poderosa quanto implacável.
E ele... estava disposto a arriscar tudo !