O sol m*l havia nascido e o escritório da K.V. Holdings já pulsava com uma tensão incomum. As informações do dia anterior haviam se espalhado entre os setores estratégicos: havia um ataque vindo de fora. E, por algum motivo, Karen era o alvo central.
Ela chegou às 7h30, vestida de maneira impecável, mas com o olhar mais cortante que de costume. As pessoas a cumprimentavam com respeito — e certo receio. Todos sabiam que quando Karen Vieira caminhava em silêncio e com expressão séria, significava que algo importante estava para acontecer. Ou alguém estava prestes a cair.
Rodrigo já a aguardava na sala de reuniões, com uma pasta recheada de documentos, prints de e-mails suspeitos, rastreamentos e um relatório do setor de segurança.
— Encontramos o vazamento — disse ele, assim que ela entrou. — Foi através de um colaborador da sede americana da Williams Tech. Um funcionário antigo, aparentemente subornado por uma concorrente: a Lexon Corp.
Karen apertou os lábios. A Lexon era uma velha conhecida. Uma empresa agressiva, faminta por fusões e tomada hostil de mercado.
— Eles querem destruir a imagem do David... para enfraquecer o nosso acordo. — concluiu ela.
Rodrigo assentiu.
— E mais... — hesitou. — Recebemos um alerta da nossa equipe de segurança privada. Um dos seus seguranças pessoais identificou um carro seguindo você ontem à noite em Angra. O veículo não tinha placas e fugiu quando perceberam que havia vigilância.
Karen inspirou fundo. Não era apenas uma ameaça comercial. Era pessoal.
— Alerta máximo. Quero segurança dobrada na empresa e na minha residência. E a partir de agora, tudo o que envolver David Williams ou a fusão com a Williams Tech será tratado como confidencial. E Rodrigo...
— Sim?
— Verifique quem tem acesso à minha agenda pessoal. Alguém está vendendo informações. E eu não vou deixar barato.
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Enquanto isso, David caminhava nervosamente de um lado para o outro no quarto do hotel. A notícia da tentativa de sabotagem chegara junto com o relatório completo enviado por Karen. E, ao ler sobre a movimentação estranha em torno dela, algo dentro dele estalou. Um medo antigo. Um impulso esquecido.
Proteção.
Pegou o telefone e ligou para ela. Ela atendeu no segundo toque, com a voz fria e objetiva.
— Sim?
— Recebi o relatório. Já estou tomando providências aqui também. Mas Karen... você está bem?
Ela hesitou por um instante.
— Estou. Sempre estive. Mas agora as coisas escalaram. Não é mais só sobre negócios, David. Agora é sobre guerra.
— Me diga o que eu posso fazer. Me deixe ajudar.
— Está fazendo. Assine o contrato. Mostre que não vão nos separar com joguinhos sujos. E fique vivo.
— Isso não é brincadeira, Karen. Se estão tentando te seguir... precisamos agir juntos.
— Eu tenho seguranças. E nervos de aço. Se eles querem brincar de ameaça, vão descobrir que eu sou o pesadelo deles.
— Mesmo assim... me avise se algo mudar. Por favor.
Ela permaneceu em silêncio por alguns segundos, depois respondeu com uma voz mais baixa:
— Eu aviso. Mas só porque sei que você realmente está preocupado. E... obrigada.
Era uma concessão. Pequena, mas significativa.
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No dia seguinte, David apareceu de surpresa na empresa. Vestia uma camisa azul clara, simples, sem o blazer habitual. Havia algo de mais real nele naquele dia. Menos fachada, mais essência.
Karen estava em sua sala, resolvendo contratos, quando ele entrou.
— Você tem reunião marcada? — perguntou, sem tirar os olhos da tela.
— Não. Mas achei que seria bom aparecer pessoalmente. Mostrar que estamos juntos nisso.
Ela finalmente olhou para ele.
— Ou mostrar para seus inimigos que você ainda respira?
— Os dois. — ele se aproximou. — E talvez também pra olhar você nos olhos e dizer... que se algo te acontecer, eu não vou me perdoar.
Ela se recostou na cadeira, o olhar mais brando.
— Não me faça parecer uma vítima, David. Eu sou a predadora aqui.
— Eu sei. — sorriu. — Mas até predadores podem sangrar. E eu estou aqui pra impedir isso.
Karen ficou em silêncio por um instante. Havia um calor estranho crescendo entre eles. Algo que ela tentava sufocar, mas que se tornava mais forte a cada gesto sincero de David.
— Você mudou. — disse ela, por fim.
— A vida muda a gente. Perder quase tudo também. Mas te ver de novo... me mostrou quem eu deveria ter sido desde o início.
Ela se levantou e caminhou até ele. Parou a poucos centímetros, sem tocá-lo.
— Eu não confio fácil. Mas estou vendo algo diferente em você. E isso... me assusta mais do que qualquer ameaça externa.
David encostou a mão no braço dela, com leveza, respeitando os limites.
— Eu não vim pra te enfraquecer, Karen. Vim pra te somar. Me deixa fazer isso.
Por um segundo, ela pensou em afastá-lo. Pensou em manter sua muralha erguida. Mas havia algo no toque dele, na voz, no olhar... que dizia que talvez, só talvez, ela não estivesse sozinha nessa guerra.
— Me acompanhe até a próxima reunião. — disse ela, voltando ao tom profissional. — Quero que conheça pessoalmente os nossos diretores de tecnologia. Se vamos fechar essa fusão, você precisa se mostrar presente. Forte. Capaz.
— Como um verdadeiro aliado?
— Exatamente.
Ele sorriu. Mas o sorriso não era apenas profissional. Era pessoal. Era o sorriso de alguém que enxergava uma segunda chance.
E naquele momento, ambos sabiam: o jogo havia mudado.
Agora, a guerra não era apenas contra os inimigos lá fora.
Era contra tudo o que os afastou antes.
E dessa vez, não haveria espaço para erros.
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